| Foto: Vladimir Platonow/Agência Brasil

“Sou um instrumento da categoria, não mando na categoria. Eu nunca falei que eu era líder; sempre me puseram à frente desses movimentos”, disse José da Fonseca Lopes, presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), em vídeo enviado a caminhoneiros, pelo WhatsApp, na tarde desta terça-feira (29). Em pouco mais de 5 minutos, Fonseca comemorou os resultados das negociações com o governo, embora reconheça que poderia ter sido melhor. E conclamou os motoristas a retomarem as atividades – aparentemente em vão. 

CARREGANDO :)

Em nove dias de greve dos caminhoneiros fica cada vez mais evidente que, de fato, o movimento não tem uma única liderança. É como se o fim da mobilização por completo estivesse fora do alcance dos sindicatos, associações e federações que entendem representar a categoria, já que grupos independentes, com força suficiente para manter protestos pelo país, seguem de braços cruzados. Ainda existem 616 interrupções em rodovias federais e três bloqueios totais no país. 

Nada menos do que dez entidades representativas da categoria participaram das negociações com o governo que resultou em benefícios à categoria anunciados nos último domingo (27). São elas: Abcam, Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), Confederação Nacional do Transporte (CNT), Federação dos Caminhoneiros Autônomos de Cargas em Geral do Estado de São Paulo (Fetrabens), União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam), Sindicato dos Transportes Rodoviários Autônomos de Bens do Distrito Federal (Sindicam-DF), Sindicato Nacional dos Cegonheiros (Sinaceg), Federação Interestadual dos Transportes Rodovuários Autônomos de Cargas e Bens da Região Nordeste (Fecone), Federação dos Transportadores Autônomos de Cargas do Estado de Minas Gerais (Fetramig) e Federação dos Transportadores Autônomos de Carga do Espírito Santo (Fetac-ES).

Publicidade

Há ainda muitas outras vozes da mobilização que parou o país nos últimos dias. Conheça as principais:

Os líderes de associações

José da Fonseca Lopes

Presidente da Abcam, Fonseca, de 76 anos, começou a dirigir caminhões nos anos 60. Participou da criação da entidade em julho de 1983, em São Paulo, a partir da reunião de colegas de profissão liderados por ele. A entidade calcula representar cerca de 700 mil caminhoneiros autônomos distribuídos pelo país, e partiu dela um documento, protocolado no dia 14 deste mês na Casa Civil e na Presidência da República em que pedia um encontro com o governo para tratar de uma pauta de reivindicações, sob a possibilidade de uma paralisação nacional. 

O encontro não aconteceu e a partir do dia 21 o país começou a parar. Fonseca diz ser contra os bloqueios, e pedia aos caminhoneiros que aderissem à greve que permanecessem em casa. Desde o dia 25, no entanto, tem solicitado aos motoristas que desobstruam rodovias e retomem as atividades. 

Diumar Bueno

Publicidade

Diumar é presidente da CNTA, criada em junho de 2012, a partir de uma composição entre a Federação Interestadual dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens (Fenacam), a Federação dos Caminhoneiros Autônomos e Cargas em Geral do Estado de São Paulo (Fetrabens) e a Federação Interestadual dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Cargas e Bens da Região Nordeste (Fecone). Ele segue à frente da entidade desde sua fundação, e informa representar cerca de um milhão de caminhoneiros autônomos. 

Durante a paralisação, a CNTA sinalizou mais de uma vez que a Abcam não representava toda a categoria, e assinou o primeiro acordo, firmado no dia 24, ao contrário da associação, que abandonou a reunião. A partir de então, passou a pedir aos grevistas que voltassem ao trabalho ao entender que as principais reivindicações da categoria haviam sido atendidas. 

José Araújo “China”

Conhecido pelo apelido entre os caminhoneiros, é presidente da Unicam fundada em abril de 98. A entidade participou das negociações com o governo federal ao longo da greve. Em texto publicado em seu site no segundo dia de greve, a Unicam afirma que já previa um “colapso” na área de transporte de cargas desde 2015, e que a paralisação era “decorrente de um descaso do governo”. Também foi signatária do acordo assinado do dia 24. 

Um dia antes, China fez um vídeo dirigido aos caminhoneiros, gravado em Brasília após a primeira reunião com os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil), Carlos Marun (Secretaria do Governo) e (Transportes) classificando de “irrisória” a primeira proposta feita pelo governo. E disse que a categoria já começava a receber apoio de outros profissionais, como taxistas e motoristas de aplicativo. 

Publicidade

Nourival de Almeida

Presidente da Fetrabens, Norival esteve na liderança de uma série de protestos de caminhoneiros que provocou problemas de abastecimento em 2015, em proporções menores às atuais. O movimento pedia à época a renuncia da então presidente Dilma Roussef (PT). 

Em entrevista à Rádio Jovem Pan, de São Paulo, no último dia 28, ele disse que o que pegou mal para os caminhoneiros que não querem deixar a mobilização é o desconto de 46 centavos no óleo diesel, acordado entre governo e associações. “Se pegar isso, um caminhão que roda 12 mil km, ele tem um consumo de 5.200 litros de óleo diesel/mês. Então, só aí o desconto é de quase R$ 2.400. Além disso, o gasto de pedágio é de R$ 2.500 com o eixo levantado, dependendo o desconto é de até 30%. Uma carreta de seis eixos economiza de R$ 800 a R$ 1 mil. Só nesses dois itens eles estão deixando de pagar R$ 3 mil. É um bom dinheiro dentro do que estamos vivendo. O país precisa voltar à sua normalidade”, disse.

Os independentes

Chorão

Apelidado de Chorão, Wallace Landin é representante dos motoristas autônomos do Centro Oeste. Filiado ao Podemos, assumiu um papel de liderança independente das associações, sindicatos e federações. Segundo Jaime, um dos líderes de uma mobilização em Chorozinho, no Ceará, Landim não é um líder efetivo, mas por ter “diesel no sangue”, teria se transformado de modo informal em um representante dos motoristas autônomos em Brasília ao brigar pelos interesses dos que não se sentem representados pelas entidades, e que prometem manter a mobilização. 

Publicidade

Na última segunda-feira (28), Chorão foi ao Palácio do Planalto ao lado do deputado federal Cabo Daciolo (Patriota-RJ), sargento licenciado do Corpo de Bombeiros, para pedir “redução de tributos também na gasolina, álcool e gás de cozinha”, segundo escreveu o parlamentar em uma rede social. Chorão disse à reportagem que pretendia ser recebido na Casa Civil. Ele negou intenções eleitorais. “Não sou candidato. Eu me filiei ao Podemos em Osasco por causa do prefeito”, afirmou Chorão. 

André Janones

Com 34 anos, Janones também está entre os caminhoneiros que pretendem permanecer mobilizados. Ex-candidato a prefeito de Ituiutaba pelo PSC e advogado, declarou ter iniciado no dia 28 “um novo movimento”, do qual é presidente, agora com o objetivo de derrubar o presidente da República Michel Temer. 

Desde o início da greve, os seguidores da sua página no Facebook passaram de 75 mil, segundo Janones, para 661 mil. Um dos vídeos, no qual ele chama Temer de vagabundo e safado, foi visto por 14 milhões de internautas e compartilhado 1 milhão de vezes. Em outro vídeo, visto 4,4 milhões de vezes, Janones afirma, ao lado de Chorão: “Nós vamos derrubar esse governo ilegítimo, nós vamos derrubar a Rede Globo. Nós vamos mostrar que não tem ninguém mais forte que um povo, não. Em outro vídeo, Chorão convoca: “Vem pra rua, vem pra rua”.

Claudemir Habacuque

Publicidade

Diretor da empresa Habacuque Transportes e Logística, Claudinei Habacuque Oliveira segue com Chorão e outras lideranças na ideia de manter a paralisação até que todas as reivindicações sejam atendidas. O caminhoneiro e empresário ganhou destaque ao participar, no dia 28, do Programa do Porchat, na TV Record, em que falou sobre a greve. Enfatizou que não há sindicatos ou entidades na liderança do movimento, e que toda mobilização aconteceu via WhatsApp. 

Nesta terça-feira, participou de reunião com o governo do estado de São Paulo para falar sobre as mobilizações. Tem liderado a mobilização em Barueri, região metropolitana da capital paulista, com um grupo de caminhoneiros em frente às unidades da Petrobras e da Shell. Segundo André Almeida, caminhoneiro que atua com Claudinei na mesma localização, parte da população local também aderiu ao movimento. 

Jaime Toneti

Caminhoneiro há 37 anos, Jaime, de 58 anos, é um dos autônomos à frente da mobilização em Chorozinho, no Ceará. E se diz representado por Chorão, a quem afirma não conhecer pessoalmente, mas que diz confiar porque “ele é motorista, é da rodagem, tem óleo diesel no sangue”. Segundo Jaime, são cerca de 800 caminhoneiros que seguem na BR-116. Conta que estão recebendo doações de moradores da região, e diz que ninguém nesse grupo está sendo impedido de deixar o movimento. “Não vou prender ninguém, quem sou eu para prender alguém em uma manifestação. Cada um tem sua cabeça”. 

Afirma que pretende ficar até o fim, o que em sua visão só deve acontecer se o governo ceder e baixar também o preço da gasolina e do etanol, além do valor do óleo diesel. Outra condição para desmobilizar, garante, é a publicação do acordo em Diário Oficial. “O óleo diesel não baixou os 30 centavos ainda”, informa. E declara que se a ideia do governo federal é vencer os caminhoneiros pela canseira, a luta deve continuar. “Estou aqui há oito dias. Motorista de caminhão aguenta. Já cheguei a ficar 23 dias em um pátio para descarregar. Para eu ficar um mês aqui é a coisa mais fácil do mundo”. 

Publicidade

Apoiadores ou aventureiros?

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou no último dia 24 que havia indícios do apoio de transportadores e distribuidoras ao movimento grevista, o que poderia ser considerado locaute. Um dia depois, em entrevista coletiva, disse que pelo menos 20 empresários eram investigados por participação na paralisação e que seriam convocados para depor, sem no entanto revelar detalhes dos suspeitos. “Locaute é crime. A Polícia Federal investiga quem está tirando proveito com fins econômicos”. 

Vídeo publicado no último dia 25 mostra o empresário Emílio Dalçoquio, proprietário da transportadora Dalçoquio, de Santa Catarina, dizendo aos grevistas que poderiam colocar fogo nos caminhões da empresa que estivessem em circulação – “os caminhões da Dalçoquio que estiverem rodando por aí, pode botar fogo”. Instantes depois, pede calma aos manifestantes – “sem bebida alcoolica” – diz que é possível mostrar ao governo uma manifestação feita de forma pacífica. 

“Não sou líder da greve, estou aqui como voluntário. O governo precisa encontrar um culpado. Está querendo arrumar quem? O transportador. Repito, pare os caminhões da Dalçoquio, fure os pneus dos caminhões da Dalçoquio”. 

Em nota, a empresa informa que apoia “o momento de união nacional na busca de uma nova política de preços dos combustíveis”, mas que “não compactuamos com movimentos violentos de depredação patrimonial, como se fez parecer, pelas redes sociais, no dia de hoje”. E que o Emílio não está na companhia, e que os pensamentos dele “não retrata os pensamentos e interesses da administração da empresa”.

Reportagem do jornal O Estado de Minas ouviu de motoristas de transportadoras que a orientações dos patrões seria a de manter a mobilização, até que a greve chegasse ao fim. Segundo a publicação, um motorista de São Paulo ouviu do proprietário da empresa para a qual trabalha que se não houvesse redução de impostos e preços, que fecharia a empresa.

Publicidade