A reforma trabalhista aprovada pelo Congresso em julho do ano passado ainda tem um de seus pontos mais importantes indefinido. Nesta segunda-feira (23) perdeu a validade a medida provisória (MP) 808, publicada pelo governo federal em novembro, que complementava a reforma e explicitava que as mudanças atingiam todos os contratos de trabalho vigentes, afetando todos os trabalhadores formais. Sem o texto da MP, há um vácuo nesse entendimento, com riscos de judicialização do tema.
Uma definição sobre esse ponto e outros da reforma trabalhista que deveriam ser ajustados pela MP deve demorar ainda alguns meses. O deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), que foi relator da reforma na Câmara, articula com o governo a publicação de um decreto que resolva as pendências deixadas pela caducidade da MP, que surgiu de um acordo que o Palácio do Planalto firmou com senadores para aprovar as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
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Em nota, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR), confirmou que o governo estuda fazer um decreto em substituição ao texto que expirou. Ela disse que o prazo da MP para ser votado e aprovado expirou por causa de “disputas políticas”. “O compromisso do governo foi feito ao enviar a MP, mas, por disputas políticas, o projeto não tramitou na Câmara dos Deputados. Há um vácuo pelo fato da MP ter caducado, mas o governo fará o que for necessário para que haja uma complementação da reforma trabalhista.”
A Casa Civil da Presidência da República não informa o conteúdo do decreto e diz que ainda está estudando o tema. “Por enquanto a área técnica trabalha no levantamento de pontos que podem ser regulamentados por decreto. Ainda não há nada que podemos adiantar”, afirmou o órgão, em nota.
Sem a MP, a reforma trabalhista pode ter ficado menor, atingindo apenas os contratos novos. "É nebuloso. Na minha opinião pessoal, com a caducidade da MP, a reforma trabalhista passa a se aplicar apenas a contratos celebrados a partir de 11 de novembro de 2017, exceto quanto aos atos praticados durante a vigência da MP", avalia o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano.
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Por outro lado, o risco de demissão de funcionários celetistas para regime intermitente também aumenta sem a medida provisória. Com a queda da MP, deixa de valer a quarentena para os trabalhadores com carteira assinada conforme as regras anteriores poderem ser demitidos e recontratados como intermitentes (que são chamados a trabalhar conforme a demanda do empregador, sem carga horária previamente definida).
“A queda da MP tem baixo impacto na questão da reforma trabalhista e não impede que nada do que foi aprovado valha. Um dos maiores prejuízos é que a MP deixava claro que a reforma valia imediatamente para todos os contratos vigentes no Brasil. Isso ficou fora e terá de ser esclarecido pelo Judiciário”, afirmou Paulo Solmucci Jr., presidente da União Nacional das Entidades do Setor de Comércio e Serviços (UNESC) e da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
Em sentido oposto, os juízes do trabalho avaliam que pode ser grande o impacto negativo na justiça com as incertezas geradas sem a MP, que teria sido negociada em acordo entre o governo de Michel Temer e os senadores, para corrigir problemas da reforma e evitar que o texto voltasse à Câmara.
Outros pontos obscuros
O trabalhador sai perdendo sem a MP, que esclarecia e limitava pontos considerados radicais da reforma trabalhista. Sem ela, a indenização em caso de dano extrapatrimonial volta a ficar atrelada ao salário do trabalhador; a negociação de jornada 12 por 36 pode ser feita individualmente; são mais amplas as possibilidades de gestantes trabalharem em ambientes insalubres; e o trabalhador autônomo pode ser contratado como exclusivo.
“É preciso que os parlamentares que então votaram a favor daquele texto, fiando-se nesse malsinado acordo de correções futuras, reflitam agora sobre o que se poderá fazer, no Parlamento, para sanar as graves distorções que voltarão a vigorar plenamente”, afirmou Feliciano.
Para alguns setores, o prejuízo com a queda da MP é maior, como no caso de bares e restaurantes. Durante a tramitação da reforma trabalhista, foram incluídas mudanças na Lei da Gorjeta, de maio de 2017, que determinava que esses valores eram obrigatoriamente destinados aos trabalhadores, mas garantindo aos empregadores retenção de até 20% do valor arrecadado para custear os encargos sociais, previdenciários e trabalhistas sobre a própria gorjeta. Mas, por erro no texto, as mudanças foram derrubadas pela reforma trabalhista, deixando um buraco jurídico que prejudica trabalhadores e empregadores.
Solmucci afirmou que esse é um grave impacto com a caducidade da MP. O setor está em contato com o deputado Rogério Marinho para que seja editada uma nova lei sobre o tratamento das gorjetas, ou ainda a inclusão de emendas em outras MPs com objeto parecido.
“A partir de terça vamos entrar num vácuo. Toda a lei que regulamentou a gorjeta deixa de existir e isso gera uma insegurança enorme. A expectativa é que se resolva nos próximos dois meses a lei da gorjeta. O governo está atento e buscando uma solução para isso”, disse o representante do setor de comércio e serviços.
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