O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o ex-procurador Marcello Miller, os delatores da JBS Joesley Batista e Francisco de Assis, e a advogada Esther Flesch sob acusação de corrupção. A denúncia, apresentada nesta segunda-feira (25), afirma que Joesley e Francisco ofereceram vantagens indevidas a Miller, se aproveitando que ele era membro auxiliar do grupo de trabalho da Lava Jato de Brasília, para conseguir um bom acordo de colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR), envolvendo imunidade para se livrar dos crimes que cometeram. Os delatores da JBS fizeram denúncias contra o presidente Michel Temer (MDB) no acordo de colaboração.
A peça de acusação sustenta que uma fatura de R$ 700 mil emitida por um escritório de advocacia contratado pela JBS mostra que, ilicitamente, o ex-procurador receberia pelas horas trabalhadas para os delatores quando ainda estava no MPF. O pagamento teria sido feito de forma dissimulada.
Agora, a Justiça Federal do Distrito Federal terá de decidir se os quatro se tornarão réus. Miller e Esther são acusados de cometer o crime de corrupção passiva, e os executivos da JBS, de corrupção ativa.
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Miller foi o “estrategista” da delação de Joesley
Para o procurador Frederico Paiva, do MPF do Distrito Federal, que assina a denúncia, “um procurador da República integrante do grupo da Lava Jato foi o estrategista dos acordos de colaboração”, orientando delatores a “obter os benefícios da imunidade, ajudando a redigir anexos, prestando aconselhamentos jurídicos e encontrando-se diversas vezes com seus corruptores”.
Ainda segundo Paiva, Miller serviu a “dois senhores”: valeu-se da confiança do então procurador-geral, Rodrigo Janot, e orientou seus “clientes”. “[Miller] era a pessoa certa para, valendo-se do cargo, orientar juridicamente a interlocução entre corruptores e seus colegas de PGR e minutar documentos, inclusive porque tinha livre acesso aos membros integrantes da Lava Jato e poderia interferir, pela sua experiência no assunto e pela respeitabilidade até então existente entre seus pares, nas decisões adotadas em relação a acordos de colaboração”, escreve o procurador no documento ao qual a Folha teve acesso.
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Protagonista da principal polêmica em torno da delação da empresa, o ex-procurador se reuniu com os colaboradores quando ainda fazia parte do MPF do Rio de Janeiro. Ele pediu exoneração do posto no início de março de 2017, mas sua saída só foi oficializada em 5 de abril, dias depois da assinatura do primeiro termo de confidencialidade entre JBS e PGR.
A colaboração, que implicou diretamente o presidente Michel Temer e provocou a mais grave crise política do governo, foi assinada em maio de 2017 e deu imunidade para sete executivos, entre eles os irmãos Joesley e Wesley Batista.
Miller integrou, entre fevereiro de 2015 e julho de 2016, o grupo de trabalho da Lava Jato na PGR. Depois, de agosto até sua exoneração, manteve-se como “membro auxiliar do grupo de trabalho da Lava Jato”.
Acusação é de que pagamento de R$ 700 mil a Miller foi dissimulado
Mesmo ainda recebendo dos cofres públicos, o ex-procurador acertou para virar sócio escritório Trench Rossi Watanabe (TRW), que oficialmente representava os executivos das JBS. A intermediação foi feita por Esther Flesch , que também era sócia da banca. Na denúncia, Frederico Paiva diz que o TRW foi usado como interposto para o pagamento das vantagens indevidas. Nesse momento, Miller também já havia acertado com os delatores JBS que entraria no caso.
Mensagens em posse dos investigadores mostram Esther Flesch orientando como horas de trabalho deveriam ser marcadas para futura remuneração, já que Miller ainda não estava formalmente no escritório.
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O resultado disso, segundo a peça de acusação, foi uma fatura de R$ 700 mil, que reunia as horas que o ex-procurador dedicou aos delatores no período em que ainda estava no MPF, em março e abril. “Para que ninguém descobrisse a atuação de Miller, a fatura foi dissimulada, pois não descreveu os advogados que realizaram os serviços, bem como o número de horas correlatas”, afirma o procurador Paiva no documento.
“O preço desse auxílio abrangeu aconselhamentos acerca de estratégias de negociação e revisão dos anexos, além da redação final da proposta que foi apresentada, sob a ótica de um procurador que atuava, justamente, nessa atividade de assessoria do PGR”, consta na denúncia.
Delatores sabiam que Miller ainda estava no MPF quando usaram seus serviços, diz procurador
O procurador ainda refuta as alegações dos delatores de que não tinham conhecimento de que Miller ainda era procurador à época dos primeiros contatos.
“Todas as evidências apontam que Joesley e Francisco conheciam a condição de procurador de Miller e que tinham a real expectativa de que, no exercício do cargo e integrante da equipe de auxílio do então PGR Rodrigo Janot, Miller poderia facilitar ou lhes ajudar na celebração de acordo de colaboração premiada”, escreve na peça.
O autor da denúncia ainda afirma que a conhecida conversa gravada sem querer entre Joesley e Ricardo Saud, outro executivo da JBS, mostra da ciência deles sobre o tema. “As conversas, reforçadas pela ingestão de bebidas alcoólicas (o que retira os freios inibitórios da personalidade) são de máxima espontaneidade, o que aumenta o valor probatório dos fatos e corrobora as afirmativas da presente peça acusatória”, acrescenta.
Na semana passada, a Polícia Federal havia indiciado Miller, Joesley, Francisco, Esther e também a advogada Fernanda Tortima. O Ministério Público, no entanto, deixou Tortima de fora da denúncia apresentada nesta segunda.
O que dizem os acusados
A defesa de Marcello Miller informou que só iria se manifestar após ter acesso à denúncia do MPF. A reportagem não conseguiu contato com os advogados de Esther Flesch.
Já a defesa de Joesley Batista, dono da JBS e sócio do grupo J&F, afirmou, em nota distribuída nesta segunda-feira (25), que o empresário “jamais contratou, pagou, ofereceu ou autorizou que fosse oferecida qualquer vantagem indevida ao senhor Marcello Miller, outrora sócio do escritório TRW”.
O advogado André Luís Callegari, que defende Joesley, diz em nota que a denúncia ignora o fato de que o colaborador ou a empresa não solicitaram a emissão de uma fatura do TRW, tampouco tinham qualquer ingerência sobre os procedimentos internos do escritório de advocacia. Ainda de acordo com Callegari, a denúncia também não menciona que a J&F sequer pagou os valores ao escritório TRW, que está sendo processado por sua conduta profissional nesse episódio.
“Além disso, a denúncia despreza todos os depoimentos e documentos aportados ao inquérito pela própria defesa, utilizando-se de majoritariamente de um procedimento administrativo conduzido de forma açodada pela PGR em setembro do ano passado”, acrescenta na nota. A defesa ainda classifica a acusação como “descabida” e “descolada” de elementos probatórios.
Já a defesa do advogado Francisco de Assis e Silva, também denunciado nesta segunda-feira pelo MPF, reafirma, em nota, que a “J&F contratou o escritório Trench, Rossi e Watanabe - banca até então referência em integridade - para assessorá-la no acordo de leniência”.
De acordo com a nota, “Francisco de Assis não tinha motivos, portanto, para suspeitar de qualquer irregularidade na atuação de Marcelo Miller, sócio do escritório na área de ética e compliance”.
A defesa de Francisco de Assis reitera ainda “que ele colaborou efetivamente com a investigação, deixando claro que jamais discutiu honorários ou pagamentos com ou para Marcello Miller, tampouco procurou obter qualquer vantagem ou benefício indevido no Ministério Público Federal por meio de Marcello Miller ou por qualquer outra pessoa, exatamente como consta do relatório da Polícia Federal”.
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