O Ministério Público Federal (MPF) tenta reverter a transferência de parte dos processos criminais da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, sob o comando dos juízes Vallisney de Souza Oliveira e Ricardo Augusto Soares Leite, para outros magistrados. Os casos envolvem políticos como o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ).
Uma decisão do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1º Região) fez com que inquéritos e ações penais em curso na 10ª, alguns em estágio avançado de tramitação, fossem remetidos para a 12ª Vara. As duas repartições vão passar a dividir os processos sobre crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O propósito, anunciado oficialmente, é dar mais agilidade à análise dos chamados delitos de colarinho branco.
Com isso, as principais operações que apuram supostos esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro – Sépsis, Cui Bono?, Patmos, Zelotes, Greenfield e Bullish –passaram às mãos dos juízes Marcus Vinicius Reis e Polyanna Kelly Alves.
Essas investigações apuram desvios bilionários em órgãos como a Caixa Econômica Federal, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), além de fundos de pensões. Algumas ações penais, já abertas, estão quase na fase de sentença. Com a troca de magistrados, a tendência é que demandem mais tempo de análise até um desfecho.
Entre as ações redistribuídas estão três das quatro que tratam do suposto envolvimento de Lula em casos de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência. Uma delas – a que apura se ele “vendeu prestígio” a lobistas para viabilizar a compra de caças e a edição de uma medida provisória pelo governo de Dilma Rousseff – já está na etapa de alegações finais das partes. A decisão, pela 10ª Vara, poderia ser tomada ainda em março.
Também mudaram de mãos ações que tratam de desvios na Caixa atribuídos ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) e dos ex-ministros Geddel Vieira Lima (MDB-BA) e Henrique Eduardo Alves (MDB-RN).
Num documento conjunto, cinco procuradores da República em Brasília, responsáveis pelas operações, pedem que seja feito novo processo de redistribuição, mantendo na 10ª Vara os processos “já conhecidos” ou com “medidas cautelares apreciadas” pelos juízes. Além disso, eles solicitam também a manutenção das ações penais já abertas e dos processos com audiências de testemunhas já designadas ou em andamento.
A impugnação dos atos de redistribuição foi enviada à Procuradoria Regional da República da 1ª Região, braço do MPF que tem competência para atuar no TRF-1. Caberá ao órgão protocolar o pedido.
No documento, os procuradores sustentam que a redistribuição violou o princípio constitucional do “juiz natural”. No entendimento dos investigadores, a fixação da competência sobre o processo é um “ato inicial”, que está atrelado à distribuição do caso e deve ser “imune às alterações posteriores”.
“Não é admissível que se utilize a alteração de competência absoluta de varas criminais, uma providência meramente administrativa e acidental de busca da eficiência na prestação jurisdicional, como escusa para o enfraquecimento da garantia constitucional”, argumentam.
Norma
A norma de redistribuição fixada pelo TRF-1 preservava na 10ª Vara os processos com audiências de testemunhas já definidas, adiadas ou realizadas. Conforme a regra, eles só seriam transferidos para a 12ª Vara excepcionalmente, caso fosse necessário equilibrar o número de casos entre as duas repartições. Para o MPF, 16 processos foram remetidos sem que houvesse necessidade. A maioria desses casos refere-se justamente aos que envolvem crimes praticados por políticos. No entendimento deles, havia outros que poderiam ser transferidos prioritariamente.
“Como é possível verificar, ao menos 208 processos fora das condições acima [com audiências], que permaneceram na 10ª Vara Federal, deveriam ter prioridade na redistribuição, o que não ocorreu. Inexplicavelmente, antes de esgotado o acervo de processos sem audiência designada, adiadas ou realizadas, iniciou-se a redistribuição de processos com essas condições, contra expressa determinação do regulamento”, protestam.
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Os investigadores alegam ainda que a especialização de uma nova vara em crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro visou desafogar e dar mais agilidade à Justiça Federal, mas que o esquema de redistribuição, na prática, atravancou processos e, com isso, a eficiência foi ignorada.
“Um processo complexo de lavagem de dinheiro e crimes financeiros pode demandar do julgador meses de aclimatação com os fatos dos autos antes de proferir uma sentença com a necessária segurança. Em muitos casos, com réus presos, há óbvio prejuízo à garantia da aplicação da lei penal. Não se deve admitir que a expansão da especialização existente na 10ª Vara a 12ª Vara promova, em casos relevantes, ineficiência processual”, criticam.
Os procuradores argumentam que as oitivas de testemunhas e réus são os atos mais importantes do processo penal, pois o juiz faz questionamentos e tira dúvidas com os envolvidos. “A transferência em meio à audiência partida em várias sessões ou daquela já finalizada representa grande prejuízo para o ato de julgar”, alegam. Para eles, também não é razoável tirar o caso das mãos do magistrado após ter proferido decisão nos autos.
Outro lado
Em nota de esclarecimento, o TRF-1 informou ter constatado que a 10ª e a 12ª varas apresentavam “um grande desequilíbrio em seus acervos”. A situação “quase que caótica” da 10ª, segundo a corte, motivou a especialização de uma nova repartição em crimes contra o sistema financeiro nacional, lavagem de dinheiro e aqueles praticados por organizações criminosas.
O tribunal alega que a iniciativa não foi por “deliberação exclusiva ou mero capricho”, mas em obediência a uma resolução do CJF (Conselho da Justiça Federal). O órgão explicou que a redistribuição foi planejada de modo a equilibrar os acervos e para que “pudessem ser alcançados os objetivos pretendidos” de “agilidade, eficiência e razoável duração dos processos”.
“Toda a redistribuição de processos é realizada de forma eletrônica e aleatória, sem qualquer interferência humana”, sustentou.
A equipe de informática do TRF-1, acrescentou, “elaborou programa específico para atender à demanda”.
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