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O prédio do STF em primeiro plano e o Congresso Nacional ao fundo: afastametno de Aécio abriu um novo capítulo no históricos de mal-estar entre os poderes. | Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
O prédio do STF em primeiro plano e o Congresso Nacional ao fundo: afastametno de Aécio abriu um novo capítulo no históricos de mal-estar entre os poderes.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na terça-feira (26) que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) seja afastado do mandato e submetido a um recolhimento domiciliar noturno. Essa decisão – que na prática impôs uma prisão domiciliar e suspensão de mandato a um senador que nem sequer réu ou condenado em ação - expõe os contornos de uma crise de longa data entre o Legislativo e o Judiciário. O Senado aprovou nesta quinta-feira (28) regime de urgência para votar a decisão do Supremo sobre o afastamento de Aécio

Com a pressão social por punição a políticos que comentem malfeitos, o debate sobre a decisão contra Aécio ganha contornos políticos, com a população torcendo pela prisão de um senador investigado, e ficam de lado as questões constitucionais. 

Porém, a decisão dos ministros do STF desrespeita a Constituição e abre precedentes perigosos sobre a separação entre os Poderes. A lei não prevê afastamento de parlamentares ou suspensão de mandatos e apenas a “Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”, pode cassar um mandato parlamentar. 

Esse dispositivo constitucional, que protege o mandato parlamentar, tem o objetivo de garantir que um parlamentar seja cassado apenas por representantes do eleitor, escolhidos pelo voto direto. Ou seja, evita que o Judiciário possa interferir em outro Poder, garantindo a prevalência da vontade do eleitor. 

Criaram-se diversas dúvidas com a decisão dos ministros do STF sobre os limites entre os Poderes e fica a impressão de que o STF preferiu decidir sobre um assunto tenso entre as instituições pensando mais na opinião pública, que torce para ver políticos punidos, do que nas leis. 

Ao proferir seu voto sobre Aécio, o ministro Luiz Fux foi sarcástico ao dizer que o STF estaria “auxiliando” o senador a tomar um gesto de grandeza e se afastar de seu mandato. “Muito se elogia porque ele [Aécio] se despediu da presidência do partido. Ele seria muito mais lisonjeado, muito mais elogiado se ele tivesse se despedido ali do mandato, tivesse se distanciado. (…) Tudo se resume num gesto de grandeza que um homem público deveria ter adotado”, disse Fux, antes de completar.

“E já que ele não teve esse gesto de grandeza, nós vamos auxiliá-lo a que se porte tal como deveria se portar. Pedir, não só para sair da presidência do PSDB, pedir uma licença, sair do Senado Federal para poder comprovar à sociedade a sua ausência de toda e qualquer culpa nesse episódio que acabou marcando de maneira dramática, pra nós que convivemos com ele, a sua carreira política“. 

Crise institucional grave

O ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso na Corte, disse nesta quinta-feira (28) que o impasse gerado pela decisão de afastar o senador de seu mandato gerou uma crise institucional “grave”. O magistrado ponderou, porém, que a questão será superada porque “nossa democracia veio para ficar”.

Marco Aurélio reconhece que não há consenso sobre a questão no STF e defende que o tema seja levado ao plenário para que os onze magistrados defendam seus argumentos sobre o caso. A Turma é composta apenas por cinco ministros. “Que prevaleça a ordem política, que prevaleça a lei maior do país, que precisa ser um pouco mais amada que é a Constituição Federal”, declarou.

Tramita no Supremo uma ação que questiona justamente a independências entre os poderes. Para Marco Aurelio, o ideal seria que a Corte analise esse processo antes da decisão do Senado na próxima semana. “Não pode ser acolhida a concentração de poder”, comentou o ministro que também negou que seus colegas ajam de forma política em suas decisões jurídicas

Histórico de embates

O caso de Aécio expõe e traz à tona decisões tomadas pelo STF em outros casos envolvendo políticos. Listamos alguns episódios recentes que mostram essa fratura nas relações entre o Judiciário e o Congresso: 

Prisão de Delcídio

Em 25 de novembro de 2015, o senador Delcídio do Amaral, líder do governo Dilma Rousseff no Senado, teve a prisão preventiva determinada pelo ministro Teori Zavascki, relator do caso à época no STF. A acusação era de obstruir as investigações da Lava Jato.

Delcídio havia caído em uma gravação feita pelo filho de Nestor Cerveró, na qual o senador apresentava um plano de fuga ao ex-diretor da Petrobras para a Espanha, via Paraguai, e prometia o pagamento de uma mesada de R$ 50 mil para que Cerveró não fizesse acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal.

Foi um dos casos no qual o Legislativo decidiu na frente sobre uma questão que os senadores reclamaram ser deles. Nesse episódio, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), criticou o que considerava interferência entre os Poderes. “Com a separação dos poderes, não precisaria o STF decidir isso, como não nos cabe decidir sobre a modalidade de votação do STF”, declarou Renan. 

Afastamento de Eduardo Cunha

Em maio de 2016, o plenário do STF confirmou a liminar concedida por Zavascki para afastar o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), do mandato de deputado – implicando também no afastamento dele da presidência da Casa.

A liminar atendia pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que acusava Cunha de usar o cargo para “constranger, intimidar parlamentares, réus, colaboradores, advogados e agentes públicos com o objetivo de embaraçar e retardar investigações” da Operação Lava Jato.

Na decisão, a Corte tentou mostrar a excepcionalidade da situação, e mesmo sem cumprir com o preceito constitucional de que apenas deputados e senadores podem afastar seus pares do cargo, suspendeu as funções públicas de Cunha. 

Afastamento de Renan Calheiros

Em dezembro de 2016, o ministro do STF Marco Aurélio Mello atendeu a um pedido do partido Rede Sustentabilidade e afastou, por meio de decisão liminar, Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado. O argumento utilizado foi o de que réus não podem estar na linha sucessória da Presidência da República.

“Defiro a liminar pleiteada. Faço-o para afastar não do exercício do mandato de Senador, outorgado pelo povo alagoano, mas do cargo de presidente do Senado o senador Renan Calheiros. Com a urgência que o caso requer, deem cumprimento, por mandado, sob as penas da Lei, a esta decisão. Publiquem”, diz decisão do ministro.

Apesar de ter sido aceita, a tese fica prejudicada analisando a situação atual, após duas denúncias criminais contra o presidente Michel Temer. Após a decisão do STF, Calheiros abriu um confronto contra o STF, promovendo retaliação cruzada com projetos de lei contra interesses dos juízes. 

Deputado-presidiário

Se Aécio está em uma espécie de prisão domiciliar e não pode exercer o mandato, embora ainda não tenha sido condenado, há outro parlamentar que dorme na prisão de noite e cumpre seu mandato de dia.

Em maio deste ano, a 1ª turma do STF rejeitou recurso do deputado Celso Jacob (PMDB-RJ) e mandou executar sua pena, fixada um ano antes, em sete anos e dois meses no regime semiaberto, mais multa, a punição ao parlamentar, por falsificação de documento público e dispensa de licitação.

O tribunal não tratou de cassação do mandato. Neste caso, a ação teve declarado o trânsito em julgado (quando o processo termina sem possibilidade de novo recurso), o que justifica a prisão, diferentemente do caso de Aécio. 

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