Muito esperneio. E pouca explicação. Assim foi o depoimento de cerca de duas do ex-presidente Lula ao juiz Sergio Moro no processo referente à compra do terreno para o Instituto Lula e ao aluguel de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP) usado pelo petista.
Lula reclamou muito do ex-ministro Antonio Palocci, da Lava Jato, da imprensa e do próprio Moro. Mas pouco esclareceu sobre as acusações do Ministério Público Federal (MPF) em relação ao processo em si. O ex-presidente deu muitas respostas evasivas e deixou lacunas em aberto sobre a acusação.
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O terreno: embate com a procuradora
No caso do terreno, o petista é acusado pelo MPF de receber propina da Odebrecht, como pagamento por contratos com a Petrobras, por meio da compra de uma propriedade em São Paulo que seria usada para construir a nova sede do Instituto Lula. O valor total de vantagens ilícitas usadas na compra e na manutenção do terreno até 2012 chegou a R$ 12,4 milhões, segundo os procuradores. A construção, porém, nunca aconteceu.
Lula teve um longo embate com a procuradora do MPF Isabel Vieira sobre o processo de escolha e aquisição da nova sede do Instituto Lula. Nos questionamentos, ela tentou esclarecer quando a negociação começou e de que forma a Odebrecht estava envolvida. Isabel fez questionamentos baseados em uma reportagem do portal UOL dizendo que já havia interesse do instituto no terreno desde, pelo menos, 2010 – último ano do mandato de Lula na Presidência. A matéria cita que Lula e sua mulher, dona Marisa Letícia, estiveram no terreno naquele ano.
“Tem tanta coisa que a imprensa já sabe que a senhora não sabe, doutora”, respondeu o ex-presidente. Depois, disse que a matéria era uma “desfaçatez” e que só foi até o imóvel, acompanhado da mulher, em junho ou julho de 2011, para dizer que não iria adquiri-lo.
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Na sequência, a procuradora cita respostas escritas do ex-presidente nas quais ele nega qualquer contato com a Odebrecht para aquisição do terreno do instituto. Isabel usa então uma troca de e-mails entre um funcionário da empresa, João Alberto Louveira, e o presidente do instituto, Paulo Okamotto. Na conversa, os dois falam sobre a visita mencionada pelo próprio Lula.
“A senhora não pode ficar perguntando para mim e-mail de João falando com Maria, se eu sou o Lula. Doutora, tem algum e-mail para mim?”, questionou o ex-presidente. Lula então começa a dizer que não pode ser responsabilizado por contatos feitos pelo instituto.
“O Paulo Okamotto é presidente do Instituto Lula. As pessoas não tinham nenhuma obrigação de falar comigo sobre o instituto. Quando o Lula morrer e eu não existir mais, o instituto vai continuar. Ele [Okamotto] vai tratar dele do mesmo jeito”, complementou Lula.
Lula também afirmou não ter conhecimento do projeto de reforma do Instituto Lula. Em depoimento, o ex-diretor da Odebrecht Alexandrino Alencar assegurou que o projeto foi mostrado Lula. “Acho que é mentira”, afirmou. Apesar disso, o ex-presidente confirmou que Alencar esteve com ele e o dono da empreiteira Emilio Odebrecht em “algumas reuniões”. Mas assegurou que sua relação com Odebrecht era a mesma que tinha qualquer empresário.
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O apartamento: alugado ou dele mesmo?
Outro ponto da denúncia do MPF é referente a um apartamento em São Bernardo do Campo (SP) usado por Lula. Segundo o MPF, R$ 504 mil foram usados para comprar o apartamento vizinho à cobertura que o ex-presidente é dono. De acordo com a denúncia, a nova cobertura foi adquirida no nome de Glaucos da Costamarques – parente do pecuarista José Carlos Bumlai, que é amigo pessoal do ex-presidente. Costamarques teria atuado como testa de ferro de Lula.
Para dissimular a propriedade do apartamento, segundo a denúncia, a ex-primeira-dama Marisa Letícia assinou um contrato de locação com Costamarques, em fevereiro de 2011. A força-tarefa sustenta, porém, que nenhum pagamento ocorreu até novembro de 2015.
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Quando Moro perguntou ao petista como o aluguel foi pago a partir de 2011, mais lacunas. Lula disse apenas que quem era responsável por isso era a ex-primeira-dama Marisa Letícia, e que nunca cuidou disso. “A dona Marisa ficou com a responsabilidade de fazer o contrato e acertar aluguel, condomínio, IPTU e outras coisas da casa. Era tudo ela que fazia”, respondeu Lula.
Quando o juiz passou a cobrar de Lula comprovantes que mostrassem que o petista efetivamente pagou pelo aluguel, o clima esquentou. Visivelmente irritado, Lula disse que, se fosse mexer em um baú que tem em casa, acharia os documentos. “Na minha cabeça, até hoje, o aluguel estava sendo pago normalmente. Porque nunca houve uma reclamação de que não estava sendo pago. E por que a dona Marisa iria alugar um apartamento para a gente ficar, como estava desde 1998, e não ia pagar? Qual é a lógica?”, respondeu Lula.
Moro aconselhou que a defesa encontrasse os comprovantes e juntasse ao processo. A única resposta de Lula em relação aos comprovantes foi de que nunca recebeu reclamação de que o aluguel não estaria sendo pago. “Mas isso deve estar no meu Imposto de Renda”, disse o petista. “Presumo que se não foi pago, eu vou pagar. É só isso”, disse Lula, tentando encerrar o assunto.
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Moro também, questionou Lula sobre seu relacionamento com Costamarques, o proprietário oficial do apartamento. “Eu não tenho relação com o Glauco”, respondeu Lula. O petista começou a falar, então, sobre possíveis lugares onde os dois teriam se encontrado. Mas disse não se lembrar com exatidão de nenhum encontro.
Moro também perguntou a Lula sobre o envolvimento do advogado Roberto Teixeira na elaboração do contrato de locação do imóvel. A resposta de Lula foi vaga e ele disse apenas que é notório que Teixeira é seu advogado pessoal.
Ao ser questionado sobre a finalidade do imóvel supostamente alugado, Lula afirma que o apartamento é usado por seus seguranças e também em reuniões políticas. E para que o apartamento da família não fique ocupado por seus funcionários ou quando tem encontros profissionais.
O petista reforçou, inclusive, que não teria qualquer interesse em adquirir o apartamento em questão. “Aliás, a dona Marisa brigou comigo a vida inteira para mudar desse apartamento, porque ela queria mudar para São Paulo”, disse.