O estado falimentar do Estado brasileiro colocou em primeiro plano a necessidade de se quebrar a redoma de vidro na qual vive o funcionalismo público. Aos poucos, a equipe econômica está vazando balões de ensaio sobre mudanças que podem reduzir regalias e amenizar a disparidade que existe entre os servidores e o resto da população.
Mas não devemos ser muito otimista com relação a esse movimento. Na melhor das hipóteses, a revisão de pagamentos vai ser pontual e não muito ampla. Apenas um primeiro passo na necessária revisão do funcionamento do Estado brasileiro.
Se você ainda tem dúvidas de que há algo de errado na maneira como o Estado trata seus servidores, valem algumas comparações. Para a União, o funcionalismo custa 20% da arrecadação. O valor é pago para um contingente de 2,2 milhões de pessoas, ou 1% da população. Nos acordos feitos desde o início do governo Michel Temer, diversas categorias receberam reajustes, o que está fazendo com que esse gasto suba acima da inflação em 2017 e 2018. Neste ano, o custo deve ser de R$ 22 bilhões. Mais R$ 20 bilhões serão pagos em aumentos no ano que vem. Enquanto isso, a arrecadação continua na mesma.
Essa tendência faz com que, com o tempo, o peso do funcionalismo no total do gasto público aumente, forçando cortes em outras áreas. Ou o aumento de impostos. O reajuste do funcionalismo federal do ano que vem vai custar o mesmo que será arrecadado com o aumento do PIS/Cofins dos combustíveis.
É claro que o argumento central dos sindicatos que defendem o funcionalismo não é fiscal. Eles dizem que têm direito de repor a inflação e melhorar suas carreiras. Seria um bom argumento não fosse o fato de o funcionalismo já viver em um mundo paralelo. Os salários do setor público são mais altos – na média de todas as esferas, o valor é de R$ 3.291, contra R$ 2.025 dos empregados do setor privado com carteira assinada, segundo o IBGE. O instituto não calcula o valor somente para a esfera federal, mas há alguns indicadores setoriais. No Banco Central, a média é de R$ 22 mil. No Legislativo, 16,2 mil, e no Judiciário, R$ 17,2 mil.
A Previdência pública é outro fator de desequilíbrio. Para quem entrou no serviço público até 2003, há a garantia da aposentadoria integral e paritária. Quando se aposenta, o funcionário público tem direito a ganhar os mesmos benefícios da ativa. Isso gera um custo fiscal imenso. No ano passado, o déficit do INSS foi de R$ 149,7 bilhões, com benefícios que atingiram quase 30 milhões de pessoas. No regime que atende os aposentados e pensionistas da União e os militares, o déficit foi de R$ 77 bilhões, mas beneficiando menos de 1 milhão de pessoas.
Por onde começar
Atacar o desequilíbrio no tratamento do funcionalismo é tarefa difícil porque é uma ação que encontra muita resistência. Um primeiro passo ensaiado pelo governo foi cogitar atrasar os reajustes prometidos para o ano que vem. Isso geraria uma economia até a arrecadação reagir. É uma negociação possível, mas politicamente árdua, com o efeito colateral de trazer mais uma insegurança jurídica para a forma como o Estado funciona. Mas essa hipótese não deve ser descartada caso a situação fiscal continue piorando.
Em outra linha, o governo está olhando para os penduricalhos. Uma possibilidade que apareceu nesta sexta (28) é o governo cortar auxílios, como auxílio-alimentação, vale-creche e auxílio-transporte. Isso custa mais de R$ 3 bilhões por ano. Não está claro como isso ocorreria, mas uma possibilidade interessante seria impor o teto de pagamento do funcionalismo, de R$ 33,7 mil, para essas verbas. Só isso traria uma economia de R$ 1,2 bilhão por ano. Só que essa mudança ampla depende da aprovação de uma lei no Congresso.
Há muito o que cortar também no Legislativo e Judiciário. O auxílio-moradia pago ao Judiciário foi uma forma velada de conceder um reajuste e não é justo. Senadores e deputados federais poderiam abrir mão de parte de seus funcionários e das inúmeras cotas que têm para gastar.
Para mais além, é preciso repensar a estrutura do funcionalismo. A estabilidade engessa a gestão e faz com que o governo tenha de gastar com planos de demissão voluntária justamente quando o caixa está sem dinheiro para nada. O PDV lançado nesta semana pretende economizar R$ 1 bilhão por ano, muito pouco perto da necessidade de recursos da União. É também preciso que haja melhores indicadores de eficiência na prestação dos serviços e transparência na gestão de pessoas.
Por fim, uma reforma da Previdência justa não pode proteger categorias do setor público de maneira diferente que no setor privado. Se o Congresso não quer acabar com as aposentadorias integrais, o único caminho é combinar uma idade mínima sem regra de transição, como está no substitutivo em tramitação na Câmara, e debater a contribuição de quem por quem terá esse tipo de aposentadoria. Benefícios maiores na aposentadoria exigem sacrifícios maiores durante a vida laboral.
E vai mesmo?
A questão final que se coloca é até onde o governo iria. Provavelmente não muito longe. Os sindicatos de categorias vitais para o funcionamento da União, como funcionários da Receita, Polícia Federal e Banco Centra, são fortes e não permitiriam mudanças radicais agora. No Legislativo e Judiciário, áreas onde o Executivo não pode intervir, a vontade de mudar é próxima de zero, como indica o reajuste aprovado pelo Ministério Público Federal para o ano que vem. Eles não enxergam o ajuste fiscal como uma questão que os atinge. Na melhor das hipóteses, o governo federal conseguirá tostões com seu PDV e um ou outro limite mais rígido para seus funcionários.
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