O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, afirmou em seu perfil no Twitter, nesta terça-feira (3), véspera do julgamento do habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no STF (Supremo Tribunal Federal), que repudia “a impunidade”. Ele escreveu que o Exército está ainda “atento às suas missões institucionais”, sem detalhar o que pretendeu dizer com a expressão.
O general fez duas postagens na noite desta terça-feira (3). Na segunda, afirmou: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.
Na primeira postagem, o general escreveu: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”.
As afirmações do general surgem em um momento de tensão social e política, com protestos ocorridos ou marcados em várias partes do país contra e a favor de Lula.
Quarenta e cinco minutos depois das postagens, os comentários tinham cerca de 4.500 “curtidas”. O comandante do Exército tem 118 mil seguidores no Twitter.
Em resposta ao general, o comandante militar da Amazônia até o mês passado, general Antonio Miotto, afirmou: “Comandante! Estamos juntos na mesma trincheira! Pensamos da mesma forma! Brasil acima de tudo! Aço!”. O juiz federal Marcelo Bretas, responsável pela Lava Jato no Rio, reproduziu o comentário do general no Twitter com um emoji (ícone usado em trocas de mensagens) de aplauso.
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Outras declarações
General desde 2011, Villas Bôas, de 66 anos, assumiu em 2015 o comando do Exército. Ele enfrenta uma doença degenerativa grave, com perda de mobilidade. Já é visto em cadeira de rodas e também tem problemas respiratórios. O militar não diz o nome da enfermidade.
Com as afirmações na rede social, Villas Bôas subiu o tom em relação ao discurso público que vinha fazendo até então. Em uma palestra a uma loja maçônica em março do ano passado, por exemplo, o comandante disse que o Brasil “é um país já uma sociedade sofisticada, com sistema de freios e contrapesos, com as instituições bem ou mal funcionando, que dispensa a sociedade de ser tutelada” e que sua proposta era que as Forças Armadas fossem “protagonistas silenciosos”.
Na ocasião, ele manifestou o desejo de que “a sociedade identifique sempre como garantia que os problemas não ultrapassarão determinados limites para que o país tenha garantida a segurança da população e garantido o avanço de, mais cedo ou mais tarde, nós solucionarmos esses problemas e reencontrarmos o caminho do desenvolvimento”. Villas Bôas não explicou quais seriam os “determinados limites”.
As declarações de Villas Bôas encontram eco em afirmações feitas no ano passado pelo general Antonio Hamilton Mourão, que passou para a reserva em fevereiro. Quando estava ativa, Mourão disse, durante uma palestra a uma loja maçônica do Distrito Federal em setembro de 2017, que as Forças Armadas poderiam “impor uma solução” caso o Judiciário não solucionasse “o problema político”. Na época ele não foi punido por Villas Bôas, que contemporizou as declarações do colega de farda.
Para ministro da Defesa, fala de Villas-Bôas é coerente
Também ao “Globo”, o ministro interino da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, afirmou que as postagens foram no sentido contrário ao uso da força.
“O general Villas Boas tem mostrado coerência, é uma marca de sua gestão. Ele tem preocupação com preceitos constitucionais. E valoriza nossas bases, que são os anseios do povo, o legado em termos de valores para as gerações futuras. A mensagem é que a população pode ficar tranquila, pois as instituições estão aqui. Não é uma mensagem de uso da força. É o contrário”, afirmou Silva e Luna, que complementou: “Não há reprovação dentro do governo.”
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Villas Bôas não foi o único oficial de alta patente a se manifestar politicamente na véspera do julgamento do habeas corpus de Lula. Em entrevista ao Estadão, o general de Exército de reserva, Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, disse que se conceder nesta quarta-feira (4) o habeas corpus preventivo ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o STF (Supremo Tribunal Federal) estará induzindo a violência entre os brasileiros, na opinião do general de Exército da reserva Luiz Gonzaga Schroeder Lessa.
"O que querem no momento é abdicar da justiça e fazer politicagem na mais alta corte do país", afirmou Lessa, que foi comandante militar do Leste e da Amazônia. "Se acontecer tanta rasteira e mudança da lei, aí eu não tenho dúvida de que só resta o recurso à reação armada. Aí é dever da Força Armada restaurar a ordem. Mas não creio que chegaremos lá", afirmou.
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Segundo o jornal “O Globo”, nesta quarta-feira, o Alto Comando do Exército, formado por Vilas Bôas e os 16 generais quatro estrelas da Força, irá se reunir às 17 horas. O encontro estava agendado desde a semana passada e, segundo militares, deve discutir a conjuntura política.
Temer silencia sobre declaração de general
O presidente Michel Temer decidiu, por ora, não se manifestar sobre a declaração do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Procurada pela reportagem, a Secom (Secretária de Comunicação da Presidência) informou que o presidente não vai comentar.
Em caráter reservado, assessores e auxiliares de Temer adotaram o discurso de que o general teve como intenção marcar uma posição pública diante da cobrança para que as Forças Armadas se manifestassem. Para eles, a declaração não indicaria uma possibilidade de as Forças Armadas atuarem politicamente caso seja revertida a prisão imediata do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela condenação em segunda instância.
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Nas palavras de um ministro, o general marcou posição "em defesa das regras do jogo", defendendo o respeito às instituições públicas. Alguns auxiliares, mais alarmistas, falam já em "crise institucional".
Para o entorno do presidente, no entanto, o "timing" da declaração, às vésperas do julgamento, pode passar uma mensagem equivocada. Na avaliação deles, a frase pode gerar críticas às Forças Armadas, sobretudo dos partidos de oposição, que podem aventar um risco de golpe.
“Isso definitivamente não é bom”, diz Janot
O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot demonstrou preocupação com as declarações do comandante do Exército e de outros militares de alta patente. Ao compartilhar uma reportagem do site “O Antagonista”, em que outros generais aparecem dando apoio à manifestação de Villas Bôas, Janot escreveu em seu perfil no Twitter: “Isso definitivamente não é bom. Se for o que parece, outro 1964 será inaceitável. Mas não acredito nisso realmente”.
Rodrigo Maia e Gleisi Hoffmann pregam respeito à Constituição
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por sua vez, disse que "em momentos de turbulência, quando setores da sociedade se posicionam de diferentes formas, não se deve questionar o respeito à Constituição. Cada órgão do Estado deve seguir exercendo suas funções nos limites estabelecidos por ela. É hora de buscar a união do País com serenidade", afirmou.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou que, "assim como afirma o general Villas Bôas", o partido defende "o combate à impunidade e o respeito à Constituição, inclusive no que diz respeito ao papel das Forças Armadas. E o respeito à Constituição implica na garantia da presunção de inocência", disse a petista.