A eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados tem, hoje, onze pré-candidatos declarados. O atual comandante, Rodrigo Maia (DEM-RJ), carrega o favoritismo - principalmente por ter obtido o apoio do PSL, sigla do presidente Jair Bolsonaro, e também de forças de esquerda como PCdoB e PDT.
O excesso de candidatos, entretanto, atrapalha os planos de Maia. Com mais nomes na disputa, aumentam as chances do segundo turno - e há um pacto informal entre os adversários de Maia de apoiar, na rodada decisiva da votação, quem concorrer contra o atual presidente.
O processo tem mobilizado os deputados - a ponto de trazer vários deles a Brasília em janeiro, período de recesso - porque tem desdobramentos que vão além da escolha do comandante da Câmara para o biênio 2019/2020. A eleição traz efeitos que interferem no governo Bolsonaro, na postura da oposição dentro do Legislativo e até mesmo na conduta dos candidatos “ideológicos”, que costumam participar da contenda para fazer o que se convencionou chamar de “marcar posição”.
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O presidente Jair Bolsonaro e sua equipe têm dito que o governo não vai interferir na disputa pela presidência da Câmara. A mensagem foi reforçada pelo senador eleito Major Olímpio (PSL-SP), que nesta terça-feira (22) disse que “não existe candidato do governo” nem na Câmara e nem no Senado.
Mas para que o governo consiga evoluir com suas pautas - entre elas, a reforma da previdência, apontada como prioridade número 1 no campo econômico - a boa relação com o Legislativo é fundamental. Antecessor de Bolsonaro, Michel Temer não conseguiu atualizar o sistema de aposentadorias e pensões mesmo contando com maioria na Câmara.
Além disso, a eleição pode contribuir para que o partido de Jair Bolsonaro apare arestas que ficaram desde o período eleitoral, quando a legenda formou a segunda maior bancada da Câmara. O PSL viu disputas internas pela liderança da bancada e está sob a mira dos opositores com as acusações que pairam sobre o senador eleito Flávio Bolsonaro (RJ). E como a bancada é composta principalmente por novatos, a eleição acaba sendo uma estreia dos parlamentares no universo das negociações da Câmara.
“É uma eleição decisiva. Tanto para o apoio da Câmara ao governo Bolsonaro quanto para a definição da atuação parlamentar, da formação das comissões”, disse à Gazeta do Povo o deputado eleito Filipe Barros (PSL-PR), que estreia na Câmara em 2019. Ele lembra que o apoio que o PSL outorgou a Rodrigo Maia prevê que, em contrapartida, a legenda fique com a primeira vice-presidência da Câmara e com o comando de duas comissões, a de Constituição e Justiça e a de Finanças e Tributação, ambas tidas como as mais importantes da Casa. “Houve um consenso dentro da bancada quanto ao apoio a Rodrigo Maia. Sabemos que o voto é fechado, mas creio que o PSL mostrará coesão na eleição”, disse.
Democratas em alta
Se Rodrigo Maia confirmar o favoritismo, ele irá para o seu terceiro mandato consecutivo no comando da Câmara. Como o primeiro dos mandatos foi “tampão”, indo de julho de 2016 a fevereiro de 2017, uma vitória na corrida de 2019 e a conclusão do mandato no ano seguinte fariam com que ele permanecesse por cerca de quatro anos e meio consecutivos à frente da Presidência da Câmara. Seria a maior sequência na gestão da Casa desde a redemocratização do país.
Além de um ganho pessoal do parlamentar, a vitória confirmaria a ascensão política que seu partido, o DEM, tem vivido desde o impeachment de Dilma Rousseff. A legenda integrou a oposição durante as gestões petistas e, por muito tempo, viu sua bancada e sua votação pelo país passarem por queda livre. Se recuperou e, hoje, é o partido com mais ministros no governo de Jair Bolsonaro. Tem também um candidato à Presidência do Senado, Davi Alcolumbre (AP), que é citado como um dos favoritos ao posto.
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O quadro desperta críticas de membros de outros partidos. A senadora Simone Tebet (MDB-MS), que se lançou ao comando do Senado, falou que “combater a hegemonia do DEM” está entre as prioridades de sua candidatura. Também na disputa pela chefia do Senado, Major Olímpio criticou a conduta do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que é do DEM e tem atuado a favor de Alcolumbre.
Para o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), também candidato à presidência da Casa Parlamentar, Rodrigo Maia lidera uma “panelinha de 20 deputados” que detém privilégios na estrutura da Câmara.
‘Puxadinho do Executivo’
O combate à “panelinha” citado por Ramalho é uma das linhas de sua candidatura, que ele apresenta como uma proposta de “fortalecimento da instituição”. Segundo ele, a eleição pode também indicar se a Câmara terá uma agenda própria nos próximos anos ou se atuará como “um puxadinho do Executivo”. “Minha candidatura é uma candidatura da instituição, indiferente dos blocos”, disse Ramalho.
O parlamentar declarou que tem conversado individualmente com os possíveis eleitores, no que define como uma estratégia para “superar o toma-lá-dá-cá”.
Ele falou também que sua eventual gestão no comando da Câmara buscará valorizar os deputados de primeiro mandato. “Quero que um novo deputado possa participar de tudo. Qualquer projeto ou tema que já tenha na casa terá que ser discutido também com os novos. Não vou colocar nenhum tema sem discutir com a bancada nova”, apontou.
A valorização dos estreantes foi também apontada por Arthur Lira (PP-AL) como uma de suas propostas. O parlamentar endossou a ideia de “valorização da instituição” apresentada por Fábio Ramalho. “Defendo a harmonia entre os poderes, e a Câmara não pode ser submissa. Não podemos estar abaixo dos outros. Até porque aqui temos 513 representantes, e todos eleitos com voto popular”, declarou.
“Centrão” de volta
Outra força política diretamente relacionada com a disputa da presidência da Câmara é o “centrão”, formado por um conjunto de parlamentares que não são marcados por um viés ideológico expressivo e costumam variar suas votações de acordo com a popularidade dos diferentes líderes políticos.
Na eleição presidencial de 2018, esse grupo esteve ao lado de Geraldo Alckmin (PSDB). Como o tucano fracassou, recebendo menos de 5% dos votos, a força do “centrão” passou a ser questionada: será que o novo modelo político, materializado com a vitória de Jair Bolsonaro, dinamitaria o potencial do tradicional bloco?
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A adesão do PSL de Bolsonaro à candidatura de Rodrigo Maia e o grande número de postulantes à Presidência filiados a partidos do chamado “centrão” pode indicar que o bloco pode ter perdido algum poder, mas prossegue influente. E se vencer a corrida pelo comando da Câmara, mostrará que ainda pode dar as cartas dentro do legislativo.
Oposicionistas
A eleição para a presidência da Câmara tem também criado fissuras no campo dos partidos que fazem oposição a Jair Bolsonaro. Embora estejam em minoria - e, portanto, tenham pouca possibilidade de vitória - os parlamentares de partidos de esquerda têm divergido entre si sobre como se posicionar na eleição.
O PCdoB, aliado histórico do PT, tem sinalizado apoio a Rodrigo Maia - o governador Flávio Dino (MA) figura entre um dos maiores defensores da iniciativa. O PDT, do presidenciável Ciro Gomes, indicou que também pode votar no candidato do DEM.
A adesão das legendas à reeleição de Maia despertou críticas de diferentes partidos: o deputado federal eleito Marcelo Freixo (PSOL-RJ), outro pré-candidato: ele disse em entrevista à Carta Capital que a ideia é o “suicídio da esquerda”.
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Já o PT, principal partido de oposição, embora tenha chegado a considerar o voto em Maia, formalizou que não estará ao lado do atual presidente e indicou a formação de um bloco com PSB e PSOL. PDT, PCdoB e Rede serão convidados a se juntar ao grupo, que terá a finalidade de atuação coletiva não apenas na eleição, mas também nos trabalhos parlamentares.
“Estar junto com o PSOL e o PSB, sinalizando essa independência que não vamos apoiar Maia, é um sinal muito importante de um bloco que tem compromisso com a democracia, com a soberania e com o direito dos trabalhadores e das trabalhadoras. Isto é estratégico para o país”, disse nesta terça-feira (22) o líder do PT, Paulo Pimenta (RS), em entrevista coletiva.
Marcando posição
No outro campo ideológico, integrantes da direita que não planejam o apoio integral ao governo Bolsonaro também pretendem utilizar a eleição na Câmara como uma “inauguração” de sua atuação parlamentar.
É o caso dos deputados eleitos Marcel van Hattem e Kim Kataguiri. Este último desistiu na última semana da candidatura, mas segue ‘fazendo barulho’ na eleição. Ambos estrearão na Câmara em 2019 e representam correntes políticas com pouca força na Casa. O Novo de Hattem terá oito representantes e Kataguiri, embora seja filiado ao DEM, indicou em diversas ocasiões que atuará como um deputado do Movimento Brasil Livre (MBL), não necessariamente de seu partido.
Hattem nega que sua candidatura seja apenas para marcar posição, e diz que está se articulando para chegar à vitória. Uma aproximação com Kataguiri está nos seus planos: “A candidatura dele tem várias pautas que são compartilhadas conosco. Queremos cortar privilégios e demonstrar a importância da fiscalização na Câmara”.
Composição
Ideologias à parte, o posicionamento dos partidos na corrida para a presidência da Câmara acaba por refletir como funcionará a estrutura da Casa ao longo do ano. Isso porque a composição das comissões que movem o trabalho legislativo é feita pelo presidente, e os partidos que o apoiam costumam ser privilegiados na hora da definição das vagas. Esse é o argumento que norteia o apoio de forças de esquerda a Rodrigo Maia.
Mesmo na direita, o raciocínio é similar: “Se Rodrigo Maia vencer, nós seremos o maior partido do bloco do presidente da Câmara. Isso dará a nós uma condição de fazer um trabalho melhor e auxiliar o presidente Bolsonaro”, resumiu o deputado eleito Filipe Barros, do PSL.
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