O presidente Michel Temer (PMDB), encurralado pela colaboração premiada de executivos da JBS, mantém como estratégia de defesa a desqualificação da gravação feita pelo empresário Joesley Batista. O áudio, captado durante uma conversa entre os dois fora da agenda oficial da Presidência, tem vários indícios de edição. Mas só isso prova a inocência de Temer?
Na prática, a exclusão da gravação do inquérito pouco influencia na investigação, como avalia o doutor em direito penal Luiz Flávio Gomes. “A gravação nesse caso do Temer é só uma árvore dentro de uma floresta. Há uma floresta imensa de acusações”, analisa. Para ele, excluir a gravação do inquérito, praticamente não muda nada na situação do presidente perante o STF.
“São muitos os fatos que justificam a continuidade do inquérito. Continua muito complicada [a situação de Temer] e, ademais, os peritos afirmaram que nas partes principais da gravação não houve edição, essa prova vai ser aproveitada, grande parte dela”, analisa Gomes.
Ao longo dos depoimentos da colaboração premiada dos executivos da JBS, Temer é citado em várias situações diferentes, alvos da investigação no Supremo. Uma delas é a polêmica sobre a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha. Segundo peritos ouvidos pela Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, esse ponto da gravação feita por Joesley não sofreu alterações.
O executivo Ricardo Saud contou aos procuradores que Temer recebeu R$ 15 milhões da conta corrente do PT para a campanha à vice-presidência em 2014. O presidente teria, inclusive, tratado diretamente sobre esse assunto com Saud. Dos R$ 15 milhões, Temer teria destinado uma parte ao PMDB Nacional, outra ao ex-deputado Eduardo Cunha e uma parte teria sido embolsada pelo próprio presidente. Temer teria ficado com R$ 1 milhão, segundo o colaborador.
Além disso, o ex-presidente também se omitiu em relação a outros crimes relatados por Joesley na conversa gravada no Jaburu. Joesley fala em compra de procurador e troca de juíz, só para citar dois exemplos. Recentemente o presidente disse que não levou em consideração o que foi dito pelo empresário, pois ele é conhecido em Brasília por ser “um falastrão”.
O presidente também vai precisar se explicar em relação ao dinheiro recebido pelo deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB), apontado como pessoa de sua confiança. O deputado foi gravado pela Polícia Federal, em uma ação controlada, saindo de uma pizzaria, na zona sul de São Paulo, carregando uma mala com dinheiro que seria de propina. O executivo Ricardo Saud disse ter certeza que o dinheiro – cerca de R$ 500 mil – teria o presidente Michel Temer como destinatário final. O pagamento seria semanal, por 20 anos. Temer afirmou que Loures agiu sozinho e deve ter sido “seduzido” pela proposta da JBS.
Joesley fala, ainda, em “mensalinho” de R$ 100 mil entre 2010 e março deste ano, além de um pagamento de R$ 300 mil, ao marqueteiro do presidente, Elsinho Mouco. O dinheiro teria sido repassado a pedido de Temer.
O inquérito no STF, porém, não deve ser concluído tão cedo. “Esse é o problema, o Supremo demora muito”, analisa Gomes. Da primeira “lista de Janot”, por exemplo, que incluiu uma série de políticos na investigação pelo STF na Lava Jato, em março de 2015, há apenas quatro denúncias aceitas pelo Supremo até agora - nenhuma condenação.
Nesta segunda-feira (22), o presidente Michel Temer desistiu de pedir a suspensão do inquérito no STF. A defesa alegou estar satisfeita com a decisão do ministro Edson Fachin de mandar realizar uma perícia no áudio entregue por Joesley.
A desistência do pedido, porém, pode ter relação com a crise política que assola o governo desde a divulgação da gravação. Temer avaliou que uma derrota no plenário do Supremo poderia acarretar na perda de apoio de partidos da base governista no Congresso e decretar o fim antecipado do governo. O PSDB e o DEM aguardavam a decisão do Supremo, que estava prevista para quarta-feira (24), para decidir se continuam ou não na base de apoio a Temer.
CBN indica que corte ultrapassou 6 minutos
Uma perícia contratada pelo jornal Folha de S. Paulo teria constatado, ainda na semana passada, que o áudio entregue a Joesley a PGR teria sofrido várias edições. Nesta segunda-feira (22), a rádio CBN ajudou a corroborar a tese de que o áudio foi adulterado. Isso porque no início e no fim da gravação, o empresário está ouvindo a rádio no carro.
Uma primeira análise da rádio, na sexta-feira (19), mostrou que a gravação de Joesley coincidia com a programação da rádio do dia 7 de março, data do encontro no Jaburu. A análise, porém, usou como base apenas o relatório dos programas, que é um registro manual dos horários dos quadros. Uma nova avaliação, desta vez técnica, mostrou que há uma diferença de seis minutos e 21 segundos entre a programação e o áudio do dono da JBS.
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