Apesar do sinal de alerta acendido pela troca de comando na Polícia Federal (PF) do Paraná, o novo superintendente no estado, Maurício Valeixo, diz acreditar não haver espaço na instituição para influências políticas no trabalho dos investigadores. Valeixo toma posse como novo superintendente no Paraná nesta quinta-feira (21), no lugar de Rosalvo Ferreira Franco, que acaba de se aposentar.
SAIBA MAIS: Quem é Maurício Valeixo e o ele que fez na PF?
Os dois concederam uma entrevista exclusiva à Gazeta do Povo. E falaram sobre os rumos da Lava Jato, que “nasceu” e “cresceu” justamente no Paraná. Confira a entrevista:
Muita gente viu com desconfiança a troca no comando da Superintendência da Polícia Federal no Paraná. Como está sendo a transição e como fica o trabalho referente à Lava Jato a partir de agora?
Rosalvo Ferreira Franco: Eu posso falar que a transição tem sido feita de maneira muito harmoniosa em razão da relação de amizade que eu tenho com o dr. Valeixo. A sucessão, na minha opinião, foi feita de maneira muito respeitosa. Fiquei muito satisfeito porque as coisas foram feitas da melhor maneira possível e de maneira harmônica e respeitosa.
Maurício Valeixo: Lembro, àqueles que não conhecem muito bem a estrutura da Polícia Federal, que esses dois últimos dois anos e meio eu estava como diretor de investigação e combate ao crime organizado [da PF em Brasília], que tem justamente, entre as atribuições, coordenar no âmbito do Brasil essas operações mais sensíveis e complexas. Considerando ainda a relação de amizade que eu tenho com os colegas aqui do Paraná, principalmente com o dr. Rosalvo, havia já um acompanhamento muito próximo no sentido de fornecer apoio e estrutura quando necessário. Já havia uma relação muito próxima com o trabalho daqui da Lava Jato. Essa transição está sendo muito tranquila em razão do ambiente de amizade que existe entre todos. Naturalmente que colegas que hoje estão envolvidos com a Lava Jato, mas também com outras operações sensíveis, todos eles já foram convidados a permanecer. Não vai haver nenhuma mudança que possa vir a prejudicar esses trabalhos que estão em andamento.
Qual o balanço que o senhor faz de sua atuação à frente da Superintendência, dr. Rosalvo?
Franco: O destaque é a união que ocorreu. Se a gente não tivesse um trabalho unido e uniforme entre a Polícia Federal, Ministério Público Federal, Receita Federal, Justiça Federal, Controladoria-Geral da União, a operação não teria dado certo. E também o apoio irrestrito tanto da direção-geral [da PF] como da Dicor [Diretoria de Combate ao Crime Organizado].
A partir de agora há expectativa de que a força-tarefa seja refeita, ou que haja alguma mudança na equipe?
Franco: Na verdade, ela não foi dissolvida. Naquele momento [julho deste ano, quando a PF informou que a força-tarefa da Lava Jato havia sido encerrada], a gente tinha que ter uma estrutura um pouco específica, porque tínhamos muitas fases seguidas. Mas, quando ela começou a entrar em uma normalidade, a gente trouxe a estrutura da Lava Jato para dentro da Delegacia de Investigação Combate ao Crime Organizado e Recursos Públicos, como em todo o Brasil. Justiça seja feita. A portaria de criação [da força-tarefa] foi minha, como superintendente. A da extinção foi minha. Estão querendo dizer que a havia uma pressão por parte da direção-geral nesse sentido [de encerrar a força-tarefa]. Não. A decisão de fazer essa readequação foi daqui do Paraná.
Valeixo: Nessa situação, um grande prejudicado é o dr. Igor [Romário de Paula, coordenador da Lava Jato na PF]. O nome dele já foi ventilado várias vezes para ser superintendente. E ele, infelizmente, ficou refém de uma situação. Até essa situação acaba prejudicando colegas que estão comprometidos com essas investigações. Qualquer coisa gera muita especulação e isso tem sido uma situação recorrente.
É possível um controle político da Polícia Federal atualmente?
Franco: Eu acho que não. Eu posso falar que eu fiquei quatro anos e oito meses aqui na gestão e eu nunca sofri qualquer tipo de influência política por parte tanto do governo anterior, que era do PT, nem do atual, e nem da direção-geral. Nunca recebi qualquer tipo de pressão nesse sentido.
Valeixo: Naturalmente que a indicação do diretor-geral é uma indicação política. Ela tem esse viés político. E aí acho que você tem que separar dois universos: a questão política do diretor-geral e a figura do policial diretor-geral. Junto à diretoria que eu até então ocupava, você tem um grupo de inquéritos do Supremo, e justamente são os inquéritos da Lava Jato. A atual administração [da PF] manteve toda a estrutura, todos os delegados envolvidos. É uma demonstração de que, se eventualmente alguém tinha alguma dúvida que poderia haver uma intervenção nesse aspecto, essas coisas vão ficando bem claras que não há uma preocupação nesse sentido.
Se houvesse um pedido de “maneirar” em alguma investigação, como seria recebido esse pedido?
Franco: Acho que não existe nem espaço para esses pedidos. Qualquer autoridade policial que esteja à frente de uma investigação jamais vai admitir um pedido nesse sentido.
Valeixo: Acho que isso já está no DNA do policial federal, mesmo do analista. Não tem espaço para isso. E lembro que as investigações nossas tem o acompanhamento do Poder Judiciário e do Ministério Público Federal, conforme a lei estabelece. Existem muitos controles. O que eu ressalto aqui é justamente o perfil do nosso policial federal, que não aceita isso.
A PF e o MPF já tiveram desentendimentos. Esses embates atrapalham de alguma forma essa sinergia que vocês criaram desde que a Lava Jato foi deflagrada?
Franco: As divergências podem ocorrer. Mas temos que ter maturidade suficiente para, dentro de uma conversa, manter o trabalho evoluindo. Divergência não pode de maneira nenhuma atrapalhar as investigações. Caso contrário, estamos atrapalhando a própria sociedade.
Valeixo: As divergências e os conflitos não podem se tornar mais importantes que o trabalho. Se há esse desequilíbrio, quem perde é a sociedade. Acredito que em razão da própria natureza, da complexidade, da sensibilidade da Lava Jato, que não se resume ao estado do Paraná, você teve momentos de desgaste, de tensão. Considerando as pessoas que estavam sendo investigadas, sejam do mundo político ou do mundo empresarial, essa tensão em alguns momentos acabou gerando muitos desgastes e as divergências se potencializaram. Nada melhor do que sentar à mesa e ter uma boa conversa, ter maturidade para enfrentar essas questões.
Recentemente o Supremo começou a debater como será o papel da polícia judiciária para celebrar acordos de colaboração premiada. O ex-delegado da Lava Jato Marcio Anselmo chegou a dizer que o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot estava em uma cruzada contra a PF. Os senhores têm o mesmo pensamento sobre a posição da Procuradoria-Geral da República (PGR) em não concordar que a PF celebre os acordos?
Franco: É bem claro nesse sentido que a Polícia Federal pode celebrar acordos de delação. E esses acordos, na época em que a gente era chefe da delegacia de entorpecentes, nós fizemos esse tipo de colaboração. E nunca houve nenhum tipo de questionamento. E a lei diz que a Polícia Federal pode concordar ou não com a delação.
Valeixo: O prejuízo que foi sentido por todos foi quando o ex-procurador da República [Rodrigo Janot] decidiu que a PF não participasse mais, em conjunto com o Ministério Público, das delações. Acho que ali foi o momento de maior tensão. Mas isso já foi superado. Temos colegas trabalhando em conjunto e muito próximos. E a qualidade do trabalho já é outra, porque você tem mais pessoas, mais braços se ajudando nas investigações. Então essa questão já foi superada. O momento mais crítico foi justamente quando houve essa decisão de que a PF não participasse mais das mesas, o que acabou gerando toda uma questão que hoje o Supremo está enfrentando [o STF já formou maioria para permitir que a PF feche acordos de delação premiada, mas o julgamento foi interrompido].
Se tivesse havido esse trabalho integrado entre PF e MPF na delação da JBS, o desfecho que tivemos poderia ter sido evitado?
Valeixo: Nós acompanhamos [o cado da JBS] em Brasília de perto, até porque em certo momento esse trabalho teve a participação da Polícia Federal na ação controlada. Então fica difícil afirmar, com ela [a PF] participando ou não, se isso teria acontecido ou não. É muito difícil afirmar.
Por meio de uma decisão liminar do ministro do STF Gilmar Mendes, as conduções coercitivas não poderão mais ser realizadas. Isso pode atrapalhar as investigações ou aumentar os pedidos de prisão temporária e preventiva?
Valeixo: Nos casos que acompanho, eu já verifiquei muitas vezes que as autoridades policiais muitas vezes estavam representando por uma prisão temporária, muitas vezes com a manifestação favorável dada pelo Ministério Público Federal, e o juiz achou por bem não conceder a temporária e conceder a condução coercitiva. Em tese, pode existir essa possibilidade [de aumentar o uso de prisões].
Nesta semana, o ministro do STF Luís Roberto Barroso mandou para primeira instância uma investigação envolvendo o deputado federal Rogério Marinho. Se o entendimento do Supremo sobre prerrogativa de foro for mantido, a PF vai ter mão de obra o suficiente para as investigações que caem para a primeira instância?
Valeixo: A gente sabe bem o cenário de inquéritos que tramitam no Supremo porque eles estão localizados todos no grupo dos inquéritos especiais. Naturalmente, tem também os do STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Mas, com certeza, se chegar essa demanda na Polícia Federal, nós estaremos preparados para recepcionar.
Franco: Inclusive, nem tudo vem para cá. Tiveram quatro inquéritos agora que foram para Brasília porque disseram que não tinha ligação com a Petrobras.
Valeixo: Naturalmente, isso seria pulverizado. Não se chegaria aqui um caminhão, um baú aqui em Curitiba.
Franco: E se não tiver a ligação direta com a Petrobras, pode se pulverizar também para outras varas criminais de Curitiba.
O que podemos esperar do foco da Lava Jato em Curitiba em 2018? Estamos caminhando para um ano parecido com 2017, sem grandes surpresas?
Valeixo: As pessoas têm feito uma comparação com o Rio. Lembrando que boa parte das empresas não se localizam no Paraná. Havia naturalmente a atribuição do [juiz] Sergio Moro na questão da Petrobras, e com isso foi possível descobrir outras questões. Só que quando se começou a descobrir outras questões, se começou a debater a questão do deslocamento de competência. Se você considerar São Paulo como centro econômico e o Rio de Janeiro como local de grandes eventos, como foram as Olimpíadas, isso gerou uma situação de maior nível de possíveis atos de corrupção. E fez com que houvesse uma concentração maior de operações lá. Aqui também bateu no teto, quando se chegou no [a pessoas com] foro privilegiado. Isso foi um processo natural. Não significa que não haja mais nada para ser investigado. Agora, as investigações têm um tempo.
Franco: É como o caso da Odebrecht. Quando nós fizemos o caso das prisões dos principais empreiteiros do país, por que não veio a Odebrecht? Porque não tínhamos condições naquela época [os executivos da Odebrecht só foram detidos meses após a primeira leva de detenções de empreiteiros pela Lava Jato]. A investigação não tinha avançado a um ponto em que nós chegássemos à Odebrecht. Tudo tem seu tempo. Nós temos alguns materiais aqui ainda a analisar que podem ou não gerar algum tipo de ação no ano que vem.
Dá para dizer que já vimos de tudo na Lava Jato, ou ainda não?
Valeixo: Não. Acho que ainda não.
Franco: Veja, agora que estão começando a descobrir o sistema do Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht. Eu acredito que pode ser que dali surja mais alguma coisa.
Valeixo: O que fica muito claro no trabalho desenvolvido nos últimos anos é a maneira que a corrupção dominou a sociedade, a maneira como ela está impregnada em todos os setores.
Franco: E a gente trabalha em cima dos fatos, não das pessoas. Então a gente vai puxando os fatos e deflagrando as operações.
Quem é Maurício Valeixo, o novo superintendente da PF no Paraná
Maurício Valeixo assume pela segunda vez a superintendência da PF no Paraná. Antes de voltar ao estado, ele colecionou atuações nos quase dois anos que esteve à frente da Diretoria de Combate ao Crime Organizado (Dicor), em Brasília. Foi responsável, à frente de umas das principais diretorias da Polícia Federal na capital federal, pela coordenação de equipes que atuaram em operações de repercussão política e econômica, como a Zelotes, a Acrônimo, fases da Lava Jato que miraram em empreiteiros e políticos dos mais variados partidos, a Catilinárias – que teve como alvos parte do núcleo político do PMDB (o ex-deputado Eduardo Cunha, o então ministro do Turismo e ex-presidente da Câmara Henrique Alves e o então ministro da Ciência e Tecnologia Celso Pansera). Também conheceu os meandros da Operação Sépsis, que igualmente mirou peemedebistas ao prender o operador financeiro Lúcio Funaro, recém-liberado pela Justiça para cumprir medidas cautelares em prisão domiciliar.
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