| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de enviar para a Justiça Federal de São Paulo os trechos da colaboração premiada de executivos da Odebrecht que tratam de despesas de Lula pagas pela empreiteira pode não ter efeito prático que beneficie o ex-presidente. Nesta quarta-feira (25), o Ministério Público Federal (MPF) se apressou em defender a competência do juiz Sergio Moro, do Paraná, para julgar o caso do sítio em Atibaia, apesar da determinação da Segunda Turma do STF de remeter os termos da delação para outro estado.

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Para o doutor em direito Ivan Xavier Vianna Filho, o fato de as provas serem enviadas a São Paulo não impede que Moro as utilize nos processos de Curitiba. “O juiz só pode considerar o que está nos autos. O titular da ação é o Ministério Público, se ele entranha nos autos essas provas e o faz regularmente, o juiz pode considerar esses fatos no exame da matéria que está sob sua responsabilidade”, alega.

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Além disso, Vianna destaca que a decisão dos ministros é provisória e pode ser revertida por provocação do Ministério Público ou pela constatação de que os fatos estão ligados ao caso de corrupção na Petrobras. “Não acho que essa questão esteja definitivamente resolvida”, arrisca Vianna. “A decisão pode ser revista, seja diante de fatos novos, seja diante da constatação de que existe um liame seguro a vincular os relatos objetos do depoimento com todo o acervo probatório que está inserido no contexto de inquéritos e de ações penais”, completa.

Desfechos positivos

A decisão, porém, também pode ter outros dois desfechos possíveis, ambos favoráveis ao petista, em menor ou maior grau. A decisão pode somente atrasar o andamento dos processos que tramitam em Curitiba contra Lula ou ter o efeito de tirar os casos das mãos do juiz Moro.

Lula é réu em processo em que é acusado de ser o dono de um sítio em Atibaia e de ter sido beneficiado com reformas no local bancado por empreiteiras. Além disso, o petista também responde a um processo em que é acusado de receber da Odebrecht um terreno para a construção de uma nova sede do Instituto Lula, além de ter firmado um contrato de aluguel fictício para esconder a propriedade de um apartamento em São Bernardo.

Até agora, a decisão do STF tem o efeito apenas de tirar das mãos de Moro os termos e as provas da delação da Odebrecht, mas pode gerar também o efeito de retirar os dois processos de Curitiba e fazer com que tramitem em São Paulo. O próprio ministro Gilmar Mendes já levantou essa possibilidade, inclusive. O ministro afirmou que a defesa de Lula pode entrar com recursos para retirar de Moro as ações penais sob a alegação de que não envolvem fatos diretamente relacionados ao esquema de corrupção instalado na Petrobras.

Nesta quarta-feira, a defesa de Lula deu o primeiro passo nesse sentido. Os advogados pediram que Moro remeta os autos do processo referente ao sítio em Atibaia e do terreno do Instituto Lula para a Justiça Federal de São Paulo, “a menos que se queira desafiar a autoridade da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”.

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Para o doutor em direito pela UFPR, Francisco Monteiro Rocha Júnior, se a delação vai para outro juízo, os procedimentos oriundos dessa delação também deveriam ser deslocados. “A primeira conclusão que a gente chega é que sairiam daqui da Justiça Federal do Paraná todas essas discussões de crimes que teriam sido delatados”, explica. Além disso, a defesa de Lula pode alegar que o petista não pode ser investigado em dois lugares pelo mesmo crime, arrastando os processos para outro estado.

Para Lula, a migração dos processos de Moro para São Paulo é uma vantagem importante. Enquanto as forças-tarefas da Lava Jato nos estados do Paraná, Rio de Janeiro e Brasília já estão consolidadas, em São Paulo o grupo foi criado apenas em fevereiro deste ano. São Paulo entrou no cenário da Lava Jato em 2015, mas até agora as investigações não decolaram por lá.

Além disso, a burocracia, a falta de um juiz exclusivo para tratar do caso e ausência de digitalização dificultam o andamento da Lava Jato no estado. Levar as investigações e os processos para lá garante um fôlego maior para as defesas, já que os casos tendem a tramitar mais devagar do que em Curitiba. A falta de um “juiz linha dura” também é um bom motivo para tentar levar os processos para lá, já que não há a designação de um juiz exclusivo para os casos da Lava Jato e os processos são distribuídos por sorteio.

Outro desfecho

Outro efeito causado pela decisão pode ser simplesmente um atraso no andamento do processo. Isso porque a Justiça Federal do Paraná pode pedir o compartilhamento das provas com São Paulo. Em último caso, Moro também pode usar os depoimentos prestados pelos delatores como testemunhas de acusação nos dois processos.

“Testemunha, uma vez arrolada por uma das partes e colhido o depoimento, ele pode ser usado. Não tem a força de uma delação, mas pode ser utilizado”, explica Rocha. Além disso, Moro pode utilizar outras provas que não tenham relação com a delação da Odebrecht. As investigações referentes ao sítio em Atibaia e ao terreno do Instituto Lula começaram antes de a delação dos executivos da empreiteira ter sido homologada. O processo referente ao terreno, inclusive, começou antes da delação.

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É comum que na Lava Jato sejam compartilhadas provas entre as forças-tarefas em diferentes estados. Também são compartilhadas provas obtidas em investigações em outros países. Em tese, o compartilhamento das provas obtidas a partir da delação da Odebrecht é viável, mas, segundo Rocha, pode gerar pedidos para anular o processo.

“Com essa decisão do STF, seria um pouco arriscado. Há uma decisão dizendo que os termos devem ser remetidos para a Justiça Federal de São Paulo e em um drible da decisão do STF voltar a ser utilizado em Curitiba, isso eventualmente poderia ser causa de uma nulidade lá na frente”, explica.

A criminalista e professora de Direito Penal, Fernanda de Almeida Carneiro, ressalta que o compartilhamento é praticamente regra na Lava Jato. “Cada caso vai ter que ser analisado, mas em tese pode sim haver compartilhamento de prova”, ressalta. “No meu entendimento, poderiam sim ser utilizadas [provas compartilhadas]”, completa.