O Brasil gasta uma pequena fortuna com aposentadorias precoces. Um benefício que favorece principalmente a parte de cima da pirâmide social e na maioria dos casos é pago a pessoas que ainda têm capacidade de trabalhar – tanto é que parte delas continua no mercado de trabalho depois de se aposentar. As conclusões são de um estudo do economista Rogério Nagamine Costanzi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Segundo o levantamento, as aposentadorias e pensões pagas a brasileiros com menos de 60 anos – ou seja, que não são idosos – custam o equivalente a 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Um indício de que essa despesa é muito elevada é que, nos países da União Europeia, o mesmo tipo de benefício consome 1,1% do PIB, em média.
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Os gastos brasileiros foram estimados a partir de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE) de 2015. Os europeus são do Ageing Report 2015, que apresenta informações relativas a 2013.
O desdobramento dos números revela que cerca de 1% do PIB, ou quase metade do gasto brasileiro com benefícios precoces, banca aposentadorias e pensões de pessoas com até 54 anos. Que estão, portanto, a pelo menos seis anos de serem consideradas idosas, segundo os critérios do Estatuto do Idoso.
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Segundo a Pnad, 2,4 milhões de um total de 7,3 milhões de pensionistas tinham menos de 60 anos em 2015. O que até certo ponto é natural: nada impede um viúvo ou viúva jovem de receber pensão, e os filhos do segurado morto têm direito ao benefício até completar 21 anos.
A maior parte da “despesa precoce” está mesmo nas aposentadorias. Dos 23 milhões de aposentados que viviam no país em 2015, 4,4 milhões – quase 20% – tinham menos de 60 anos. E, destes, 1,3 milhão continuava trabalhando. A principal explicação para o fenômeno está nas modalidades de aposentadoria que não exigem idade mínima do beneficiário.
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Costanzi estima que, naquele ano, o país gastou R$ 26,9 bilhões com o pagamento de aposentadorias a pessoas com menos de 60 anos e que permaneciam no mercado de trabalho, valor similar ao orçamento do programa Bolsa Família.
Mais ricos
Coordenador de Seguridade Social da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Costanzi explica que as aposentadorias precoces favorecem a camada mais rica da população porque os mais pobres raramente se aposentam por tempo de contribuição.
Embora comecem a trabalhar muito jovens, os brasileiros de baixa renda em geral passam muitos anos na informalidade e não conseguem juntar contribuições suficientes para se aposentar cedo, restando a opção de esperar pela aposentadoria por idade – aos 60 anos, no caso das mulheres, ou 65, no dos homens.
“Os aposentados precoces não estão entre os mais pobres da população, mas sim entre os mais ricos”, aponta Costanzi no estudo. “A análise deixa claro que a aposentadoria por tempo de contribuição sem idade mínima acaba distorcendo o papel da previdência, que deixa de ser substituição de renda para quem perdeu capacidade laboral e se transforma em complementação a pessoas de renda de trabalho elevada para os padrões brasileiros.”
Segundo o pesquisador, os aposentados precoces que continuam ocupados ganham em média cerca de R$ 2.759 por mês como renda do trabalho, ou seja, sem contar o valor da aposentadoria. Um rendimento 26% maior que o dos trabalhadores da mesma faixa etária que não se aposentaram (R$ 2.188), conforme os microdados da Pnad.
Uma pesquisa anterior de Costanzi, feita em parceria com Graziela Ansiliero, revelou que as regiões que têm as menores idades médias de aposentadoria são também as mais ricas do país e as que vêm os melhores índices de longevidade.
Outro indício de que a aposentadoria por tempo de contribuição favorece principalmente pessoas de renda mais alta é que o valor médio desse benefício é de R$ 1.944 por mês, segundo dados de maio do INSS, pouco mais que o dobro do que é pago a quem se aposentou mais tarde, por idade (R$ 950, em média).
O custo das aposentadorias precoces vai além do que a Previdência desembolsa para pagá-las. Um estudo publicado em 2016 por três pesquisadores do Ipea mostra que, ao sair do mercado, os aposentados precoces deixam de contribuir para a geração de riquezas. E os que continuam na ativa produzem menos que os demais. Somando tudo, a perda anual provocada por esse tipo de benefício é de R$ 32 bilhões, em valores de 2014.
Reforma no congelador
A reforma da Previdência preparada pelo governo buscava restringir o gasto com pensões e exigir uma idade mínima de aposentadoria, o que no longo prazo ajudaria a frear o crescimento dos gastos públicos. A mudança na legislação, no entanto, foi para o congelador depois do escândalo das gravações da JBS, que ameaça derrubar o presidente Michel Temer. Enquanto isso, as reformas que a União Europeia já fez vão cortar quase pela metade os gastos do bloco com aposentadorias precoces nas próximas décadas, para algo próximo de 0,6% do PIB em 2060.
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No estudo, Costanzi observa que a despesa pública com Previdência no Brasil já chega a 13% do PIB, “bem acima do que seria esperado pela nossa estrutura demográfica”. Os países da OCDE e da União Europeia, que têm proporcionalmente muito mais idosos, gastam respectivamente 9% e 11,3% do PIB com aposentadorias e pensões.
Aposentadorias que não exigem idade mínima
Na aposentadoria por tempo de contribuição, homens e mulheres podem se aposentar após contribuir à Previdência por 35 e 30 anos, respectivamente. Eles alcançam esse tipo de benefício aos 55 anos de idade, em média. Elas, aos 52.
Outra regra que facilita a aposentadoria precoce e infla o gasto público é a fórmula 85/95, que permite benefício integral às mulheres que alcançarem 85 anos na soma de idade e tempo de contribuição e aos homens que somarem 95 anos.
Benefícios por tempo de contribuição e pela fórmula 85/95 correspondem a 30% do total de aposentadorias pagas pelo INSS.
As aposentadorias por invalidez, que naturalmente não exigem idade mínima, respondem por 18% do total de aposentadorias do INSS.
Os outros 52% são aposentadorias por idade, que, como o nome indica, só podem ser alcançadas a partir de determinada faixa etária – aos 65 para homens e 60 para mulheres, no caso dos trabalhadores urbanos, e aos 60 e 55 anos, respectivamente, para os rurais.
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