Dos 76 inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal com base nas delações de executivos e ex-executivos da Odebrecht, 40 vão apurar se parte da elite política nacional não apenas aceitou doação de campanha em troca de boas relações com a empreiteira, mas exigiu o pagamento de propinas para aprovar leis e garantir contratos e a permanência da empresa em obras públicas. As iniciativas, segundo os relatos, beiravam um achaque.
A lista de cobrança de pagamentos indevidos nos inquéritos é variada. Em mais de um depoimento, por exemplo, delatores afirmaram que o próprio agente público organizou o cartel e cobrou por isso. Ou seja, condicionou a participação das empresas em licitação pública à combinação prévia dos valores.
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Um dos cinco inquéritos que investigam o senador Aécio Neves (PSDB-MG) trata disso. Os colaboradores, com “declaração e prova documental”, afirmaram que Aécio “teria organizado esquema para fraudar processos licitatórios, mediante organização de um cartel de empreiteiras na construção da Cidade Administrativa”.
Combinação parecida é relatada na obra do Canal do Sertão, em Alagoas. Segundo a investigação autorizada pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, houve um “acordo de mercado” a pedido do governo estadual, seguido de “solicitação de pagamento de propina a diversos agentes públicos”.
O valor fixado, diz o inquérito, foi de 2,25% do contrato. Entre os supostos beneficiários estavam o então governador, Teotônio Vilela (PSDB), e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), apontado como destinatário de R$ 500 mil em espécie.
O usual nestes casos era a cobrança de propina para a empresa entrar em determinada obra. A investigação vai tentar descobrir se foi isso que ocorreu na Ferrovia Norte-Sul. Executivos da Odebrecht disseram que pagaram 4% sobre o valor do contrato para garantir um lugar: 3% para o grupo político do ex-deputado Valdemar da Costa Neto, ligado ao PR, e 1% para o grupo do ex-presidente da República José Sarney (PMDB).
Contrato
Há casos em que a propina seria cobrada mesmo após vencida a licitação, ao longo da duração do contrato. Na obra do metrô gaúcho, delatores disseram que a Odebrecht foi procurada três vezes após vencer o certame.
Na primeira, o deputado federal Marco Maia (PT-RS), ex-presidente da Trensurb, teria pedido 0,55% do contrato - R$ 1,8 milhão - por “ausência de entraves durante o exercício de sua gestão na presidência da companhia”. Depois, segundo o inquérito, o ministro Eliseu Padilha (PMDB-RS) solicitou 1% - R$ 3,2 milhões - “em decorrência de sua possível interferência no processo licitatório”. Por fim, o ex-ministro Paulo Bernardo (PT-RS) pediu outro 1% - mais R$ 3,2 milhões - para incluir a obra no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), segundo pedido de investigação.
Em outro exemplo em que delatores sugerem ameaça a negócios vigentes, executivos afirmaram que, em 2007, quando assumiu o governo de São Paulo, José Serra (PSDB-SP) publicou decreto alterando contratos da obra do Rodoanel Sul. Após as mudanças, as empresas teriam sido procuradas por Paulo Vieira Souza, então diretor da Dersa, para pedir 0,75% do valor recebido, “sob pena de alterações contratuais prejudiciais”.
Há ainda relatos de pagamentos para evitar problemas futuros. Em cidades como Uruguaiana e Santa Gertrudes, onde a empresa tem contrato de água e esgoto, delatores relataram ter bancado parte das campanhas de candidatos a prefeito e vereador para evitar achaques após a eleição.
Analistas dizem que definir culpados é um desafio na apuração de crimes em contratos de obras. Primeiro, segundo eles, porque é difícil reunir provas, algo que talvez possa ser sanado pelo fato de a Odebrecht ter um “setor de propinas” organizado.
Segundo, porque há teses consolidadas de defesa. “A empresa alega que foi obrigada a entrar no esquema para não sofrer represália e quem está do lado do Estado diz que não sabia de nada. Não vai ser diferente agora”, disse o advogado Luis Felipe Valerim, professor da FGV.
Defesas
O advogado de José Sarney disse que os delatores falam de pessoas ligadas a ele. “No meio desta confusão levar em consideração ‘pessoas ligadas’ é quase uma irresponsabilidade”, diz a nota. A assessoria do senador Aécio Neves declarou que ele “jamais participou de qualquer ato ilícito envolvendo a Cidade Administrativa”.
O senador Renan Calheiros considera “uma inconsciência” ligá-lo às obras do canal, pois ele fazia oposição ao governador na época. Em nota, o senador José Serra declarou pautar sua trajetória “na lisura e na austeridade” e que a revisão dos contratos no Rodoanel Sul gerou uma economia de R$ 180 milhões.
O deputado Marco Maia disse desconhecer “o teor das delações mentirosas”. Paulo Bernardo nega ter feito pedidos a Odebrecht e que a inclusão do metrô no PAC foi lícita. O ministro Eliseu Padilha, Valdemar da Costa Neto e Paulo Souza, não se pronunciaram. A reportagem não localizou Teotônio Vilela.
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