Uma das questões mais complexas da política é saber o que faz de um país uma democracia e em que ponto um sistema político deixa de ser democrático. Ninguém tem dúvidas sobre os casos extremos: os países nórdicos estão no topo de qualquer ranking de democracia e a Coreia do Norte, lá embaixo. A questão começa a ficar mais difícil nos casos limítrofes, quando um sistema político mistura elementos autoritários e elementos democráticos, o que levanta uma outra dúvida comum: quando uma democracia deixa de sê-lo?
A razão dessa dificuldade é que hoje há razoável consenso de que a democracia não se resume à participação popular. Do ponto de vista institucional, são necessários um sistema eleitoral que garanta eleições livres e justas, mecanismos eficientes de freios e contrapesos entre os poderes e direitos individuais garantidos por um Judiciário livre de interferência política. Do ponto de vista cultural, uma democracia é tão mais forte quanto mais forte a sociedade civil e democráticos os valores de seus cidadãos. Qualquer um desses aspectos pode ser erodido e ameaçar a qualidade da democracia de um país.
Opinião da Gazeta: Os 30 anos da Constituição
No século 20, o maior inimigo das democracias foram os golpes de estado, que os professores Jonathan Powell e Clayton Thyne, da Universidade Central da Flórida, definem como “tentativas abertas e ilegais, por militares ou outras elites internas ao aparato estatal, de destituir o Poder Executivo”. Powell e Thyne mantêm uma base de dados que compila todos os golpes ou tentativas de golpe no mundo desde 1950. Os números mostram com clareza que as tentativas de golpe diminuíram bastante desde o final da Guerra Fria, em 1989, mas isso não significa que as ameaças à democracia tenham desaparecido.
Aziz Huq e Tom Ginsburg, professores da Universidade de Chicago, em artigo chamado “Como Perder uma Democracia Constitucional”, fazem um balanço das estratégias que algumas forças políticas têm usado ao redor do mundo para enfraquecer as democracias liberais pouco a pouco, sem recorrer a golpes de estado: aprovação de emendas constitucionais; a eliminação de freios e contrapesos; a centralização e a politização do Poder Executivo; a contração e a distorção de uma esfera pública compartilhada, por meio do controle das informações que circulam no espaço público; e a eliminação da competição política justa.
“O grau de concentração de poderes ou de imunização ao controle democrático pode ser menor que o alcançado por meio de um golpe ou de uma declaração de estado de emergência, mas a regressão constitucional pode ser um caminho mais atraente para longe da democracia, porque ela atrai menos resistência”, escrevem. “Como nenhum sistema democrático é perfeito, sempre haverá algum espaço para essas violações”, resumem.
É por essas razões que a fala de Fernando Haddad, candidato à Presidência do PT, sobre “criar condições” para a convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva, que contornaria o Congresso eleito; as declarações de José Dirceu de que “tomar o poder é diferente de ganhar as eleições”; e a intenção de “regular a mídia”, que consta dos programas de governo de PT e PSOL, ligaram a luz de alerta entre os setores democráticos do Brasil.
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É pelas mesmas razões que a declaração do general Hamilton Mourão (PRTB), candidato a vice de Jair Bolsonaro (PSL), sobre uma “comissão de notáveis” elaborar uma nova Constituição e submetê-la a referendo preocupou tanta gente – embora Mourão tenha falado em nome próprio, enquanto o projeto de uma Constituinte conste do plano de governo do PT e o partido apoie oficialmente o regime venezuelano, que se degenerou em uma ditadura nos últimos anos.
A situação do Brasil
Para o cientista político Christian Lynch, é compreensível que, diante da crise prolongada pela qual passa o país, surja a ideia de uma nova Constituição, porque esse tem sido o padrão da política nacional desde o final do século 19. “Há hoje uma sensação de exaurimento do regime e, nessas condições, quase sempre surge essa ideia: isso é uma mania que nós herdamos dos franceses, que confundem regime novo com Constituição nova”, afirma. “A Argentina, por exemplo, que é um país endêmico de golpes, não muda de Constituição. Eles modificam a mesma Constituição desde 1853”, diz.
Para Márcio Coimbra, analista político do Senado e colunista da Gazeta do Povo, o PT tem condições de levar a cabo suas intenções operando estrategicamente e sem sobressaltos. “O Haddad falou em eleger uma Constituinte Exclusiva. Essa Constituinte aconteceria depois de o PT chegar ao poder, fazer um ajuste, amansar o mercado, privilegiar os parlamentares e criar uma base”, afirma. “O PT virá de forma estratégica. É possível imaginar uma trinca Haddad-Lula-José Dirceu dando as cartas nesse novo governo. E o PT virá devagar, pois eles criaram as condições para fazer isso agora durante os 13 anos de governo. Agora é simplesmente o começo de uma segunda etapa do plano de consolidação do poder e de mudança nas instituições brasileiras”, diz.
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Já para Lynch, embora a ideia de uma assembleia constituinte seja inconveniente e desaconselhável em si mesma, por causa do momento polarizado em que vivemos, o mais provável é que Haddad seja obrigado a fazer um governo moderado, já que o Poder Judiciário e as Forças Armadas não têm nenhum interesse em uma mudança na Constituição e são, atualmente, em sua avaliação, as instituições mais poderosas do país.
“O Fernando Haddad, se ganhar, vai governar pisando em ovos, pois a maioria do Judiciário e boa parte do Exército são antipáticos ao PT”, diz. “Na Venezuela, o Exército apoiou o caudilho [Hugo Chávez]. No Brasil, o sujeito que tem carisma [Lula] está preso. O radicalismo do discurso da campanha do PT tem a ver com disputa de espaço dentro do próprio partido”, avalia.
Coimbra, no entanto, vê condições para uma atuação estratégica do partido, tendo em vista da baixa capacidade de mobilização da sociedade civil brasileira. “O centro político é muito fisiológico, e esse centro político fisiológico está disposto a abrir mão de liberdade por cargos. Esse pessoal serviu ao governo Lula”, diz. “As Forças Armadas também passaram por um movimento de influência petista: temos nas patentes baixas para médias, desde que entrou o Lula, um contingente grande de militares de esquerda”, afirma.
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Lynch, porém, alerta que há um ímpeto reformista em ambos os lados do espectro político que pode esconder intenções pouco democráticas. “O risco que se corre hoje é que os dois lados estão querendo reformas, porque acham que vão passar por cima na outra metade do país”.
O que aconteceu na Venezuela
Observar o que aconteceu em países que se afastaram do caminho democrático pode ser instrutivo para evitar os mesmos erros. O cientista político Javier Corrales, professor na Universidade de Amherst, é um dos maiores estudiosos dos descaminhos autoritários da Venezuela.
Em seus trabalhos, Corrales documenta passo a passo a estratégia de Hugo Chávez e, mais recentemente, de Nicolás Maduro para emparedar a sociedade civil no país e aparelhar o Estado. Embora atualmente Corrales já considere a Venezuela uma ditadura, ele dedicou grande parte de seu tempo, desde o início dos anos 2000, a entender o estágio de reformas que chamou de “legalismo autocrático” – o movimento de erosão das instituições que Chávez começou em 1999, com o apoio de movimentos de massas, usando o direito como arma contra a oposição política.
Em momentos de reformas institucionais, Corrales explica que as organizações da sociedade civil tendem a se concentrar em discussões sobre como garantir direitos, mas não dão muita atenção ao ponto crucial da manutenção de uma democracia: as restrições formais ao Poder Executivo e os mecanismos de freios e contrapesos. Em qualquer reforma Constitucional, as forças políticas não deveriam se esquecer disso. “Na Constituição de 1999 da Venezuela, a sociedade civil pensava estar saindo com muitos novos direitos, mas estes eram direitos vazios quando comparados com os enormes ganhos de Poder Executivo”, disse em entrevista à Gazeta do Povo.
Convicção da Gazeta: O Estado de Direito
Entre abril de 1999, quando ocorreu o referendo de Chávez para convocar a Assembleia Constituinte, até fevereiro de 2018, Corrales contou 117 irregularidades eleitorais na Venezuela. O próprio referendo não era uma possibilidade de acordo com as regras da Constituição de 1961, mas o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela autorizou sua realização, com base na ideia de que o poder emana do povo. Àquela altura, o tribunal ainda não tinha sido aparelho pelo chavismo, mas Corrales explica que Chávez se aproveitou da popularidade meteórica que galgou em poucos meses antes de ganhar a eleição para emparedar o Tribunal Supremo, que acabou autorizando a realização do referendo.
As irregularidades seguiram com a edição de regras especiais para a eleição da Constituinte, em junho daquele ano, que privilegiaram os grupos organizados do chavismo. Com apenas 56% dos votos, o partido de Chávez elegeu 94% das cadeiras da assembleia. Por isso, Corrales afirma que, nesses momentos, “o mais importante é impedir o partido do governo dominar as cadeiras da assembleia – os partidos de oposição não podem se fragmentar nessa hora e devem agir unidos para garantir a negociação de regras que não privilegiem as forças dominantes do momento”.
Não foi isso que aconteceu na Venezuela e, em 2007, quando o governo já tinha começado seus ataques à imprensa independente (leia mais abaixo) e já tinha aparelhado o Tribunal Supremo, Chávez usou de um expediente que lembra a proposta do vice na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), o general Hamilton Mourão (PRTB). Nomes próximos do presidente elaboraram uma proposta de 69 emendas constitucionais, contrariando a própria Constituição, que foram submetidas a um referendo popular. Consoante às evidências de que nesta votação houve menos fraudes do que na eleição presidencial do ano anterior, a maioria dos venezuelanos votou contra a proposta.
No ano seguinte, o governo de Chávez, que já tinha aparelhado também o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), começou a editar as listas banindo opositores das eleições, com base em denúncias de corrupção. No ano seguinte, novamente contrariando a Constituição, Chávez convocou um referendo para abolir os limites da reeleição para todos os cargos políticos, repetindo a tentativa naufragada em 2007. Dessa vez, depois de um intenso envolvimento dos conselhos comunais e do uso da máquina pública, a proposta foi aprovada.
Opinião da Gazeta: Compromisso democrático
Em 2013, depois da morte de Hugo Chávez, o então vice-presidente Nicolás Maduro violou a Constituição para concorrer à Presidência sem renunciar ao cargo. À essa altura, o aparelhamento das Forças Armadas ficou claro, na medida em que o então ministro da Defesa, o Almirante Diego Bellavia, declarou publicamente apoio a Maduro contra os “fascistas” da oposição. Inúmeras denúncias de fraudes nas urnas vieram à tona, bem como o financiamento da campanha governista com recursos da PDVSA, a estatal do petróleo venezuelana.
A partir de 2015, após declarar estado de exceção, o governo começou a responder com cada vez mais violência às contestações da oposição. Desde então, recorrendo a sucessivas prorrogações, a situação se mantém. Depois de boicotar o referendo revogatório da oposição em 2016, o governo alterou novamente as regras eleitorais e convocou uma nova assembleia constituinte, no ano passado, que se converteu no órgão máximo do país, contornando os poderes da Assembleia Nacional, onde a oposição ainda tinha força política. Os constituintes destituíram a procuradora-geral, baniram a assembleia nacional e barraram a participação dos três maiores partidos de oposição nas eleições presidenciais que ocorreram em maio deste ano e reelegeram Nicolás Maduro para mais um mandato de seis anos.
O desmoronamento da democracia na Venezuela acompanhou um feroz ataque à liberdade de imprensa, seguindo um receituário muito parecido com o que as campanhas do PT e do PSOL têm defendido em palavras e planos de governo. Já no ano 2000, a Venezuela aprovou uma lei que deu ao governo total liberdade para revogar as licenças de difusão conforme conveniente. Após 2002, depois da tentativa de golpe contra Hugo Chávez, o governo começou a apertar o torniquete. Em 2004, outra lei proibiu a transmissão de conteúdo que pudesse “fomentar a ansiedade no público ou perturbar a ordem pública”.
“A extrema-esquerda e a extrema-direita desconfiam muito da mídia”, diz Corrales. “Para a extrema-esquerda a mídia é um oligopólio de elites que tem muito poder e pervertem a democracia. Para a extrema-direita, a mídia é controlada por uma elite intelectual que exagera nas críticas. Muitas vezes, elas estão juntas na crítica à mídia e na tentativa de controlá-la”, afirma.
De fato, chavismo não poupou ataques aos meios de comunicação. Em 2007, o governo revogou a licença da principal emissora privada do país, a RCTV e, em 2013, forçou a substituição do comando da Globovisión e dos dois maiores jornais impressos do país, El Universal e o Grupo Capriles. Ao mesmo tempo, o governo financiou a criação de estações de rádio e televisão comunitárias e direcionou publicidade a elas. Em novembro de 2017, a assembleia constituinte aprovou uma “Lei contra o Ódio”, que proíbe partidos políticos que “promovem o fascismo, o ódio e a intolerância” e prevê pena de prisão de até 20 anos para quem publicar “mensagens de intolerância e ódio” em meios de comunicação ou redes sociais.
De acordo com a ONG Espacio Público, que monitora violações à liberdade de expressão, a Venezuela registrou 708 casos de violação a este direito só em 2017. 17 jornais impressos deixaram de circular por falta de papel, e oito canais de televisão e 54 emissoras de radiodifusão sonora foram tiradas do ar pela Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel). Entre as propostas do plano de governo do PT, lê-se que o “monitoramento e aplicação dos princípios constitucionais deve se dar por meio de um órgão regulador com composição plural e supervisão da sociedade para evitar sua captura por qualquer tipo de interesse particular”. Nenhuma palavra é dita sobre como seriam escolhidos os seus membros ou qual seria a extensão dos poderes deste órgão.
Não por acaso, a Venezuela caiu, entre 2013 e 2018, da 117ª posição para 143ª entre 180 nações no ranking de Liberdade da Informação da organização Repórteres Sem Fronteiras. Já no último relatório Liberdade de Imprensa da Freedom House, um dos maiores centros de estudos e dados sobre democracia no mundo, a Venezuela pontua 81 em uma escala de 0 (livre) a 100 (não livre). “As autoridades continuam a usar meios de comunicação estatais para ameaçar e intimidar a mídia privada e promoveram perseguições politicamente motivadas contra ela”, destaca o relatório.
A direita também é capaz
Outro país que tem caído acentuadamente nos rankings de liberdade de imprensa é a Hungria. Desde 2013, o país do leste europeu passou da 56ª para a 71ª posição entre 180 países no levantamento da organização Repórteres Sem Fronteiras. No ranking da Freedom House, o país passou de 23 pontos em 2010, quando o atual governo assumiu, para 44 pontos em 2017, na escala de 0 (mais livre) a 100 (menos livre). Embora os levantamentos destaquem que veículos digitais ainda façam uma cobertura isenta do governo, jornais críticos à atual administração sofreram perseguição judicial e foram comprados por aliados do atual primeiro-ministro Viktor Orbán, do partido Fidesz. A estratégia é muito parecida com a adotada pelo chavismo.
“Um dos primeiros passos do governo de Orbán foi promulgar uma nova lei de mídia, que colocou todos os meios de comunicação públicos e parte das emissoras privadas de rádio e televisão sob a supervisão de um conselho de mídia composto exclusivamente de representantes do Fidesz”, conta à Gazeta do Povo Gábor Halmai, professor de Direito Constitucional do Instituto Universitário Europeu, em Florença, que tem se dedicado a estudar a escalada autoritária no país.
Convicção da Gazeta: O valor da comunicação
O Fidesz ganhou maioria no parlamento húngaro em 2010, em um momento em que 51% dos húngaros se mostravam descontentes com a transição do socialismo para o regime liberal, no início da década de 1990, e com escândalos de corrupção envolvendo dois primeiros-ministros anteriores, do partido socialista, que governou o país entre 2002 e 2010. Nascido como um partido liberal, em 1993, o Fidesz e seu então líder, Viktor Orbán, em 2009 já apostavam em uma plataforma nacionalista, na ênfase em valores cristãos, na crítica ao globalismo e na reformulação das bases liberais da Constituição do país. No ano seguinte, com 53% dos votos, a coalizão liderada pelo Fidesz levou 68% das cadeiras do parlamento.
Aproveitando a supermaioria saída das distorções do sistema proporcional, Orbán abandonou a autocontenção e patrocinou uma nova Constituição, que entrou em vigor em 2012. Trata-se de um caso clássico em que o vencedor levou tudo e os perdedores ficaram sem nada. “Com essa maioria, o Fidesz conseguiu aprovar, sem um voto dos partidos de oposição, uma nova Constituição, que enfraqueceu os freios e contrapesos e cortou direitos fundamentais”, diz Halmai.
Em 2013, respondendo a questionamentos do parlamento europeu, o próprio Orbán admitiu seu projeto. “Há na Europa a tendência de que todas as constituições sejam liberais. Esta [a de 2011] não é. Constituições liberais fundamentam-se na liberdade do indivíduo e condicionam o bem-estar e o interesse da maioria a este objetivo. Quando nós criamos a Constituição, nós fizemos perguntas ao povo [...] De acordo com nossos resultados, mais de 80% das pessoas responderam que gostariam de viver em um mundo no qual existisse liberdade, mas em que o bem-estar e o interesse da comunidade não pudessem ser negligenciados e que isso devesse estar equilibrado no Constituição”, afirmou.
Uma das medidas mais controversas que vieram na esteira da nova Constituição foi a mudança de idade na aposentadoria compulsória dos juízes de 70 para 62 anos, que atingiu 20 dos 80 juízes da Suprema Corte, que ademais perdeu muitas competências. Em 2013, o parlamento húngaro aprovou um pacote de reformas que já tinham sido declaradas inconstitucionais pelo tribunal em 2011. Isso permitiu, por exemplo, que Orbán introduzisse a pena de morte na legislação da Hungria, que tinha sido declarada inconstitucional pela Suprema Corte em 1992.
“Desde então, esse sistema iliberal transformou-se lentamente em um regime autoritário, embora ele seja uma forma bastante sólida de autoritarismo, porque o partido governante ainda não precisou recorrer à violência ainda. Mesmo assim, o sistema não é nem mesmo uma democracia do ponto de vista eleitoral, já que a maioria de dois terços que o Fidesz reconquistou nas eleições de 2014 e 2018 são fruto de eleições injustas”, afirma Halmai.
Além da reforma constitucional, o governo de Orbán aproveitou a sua força numérica para patrocinar reformas eleitorais que, na avaliação de diversos especialistas, aprofundaram as distorções do sistema eleitoral e beneficiaram partidos grandes – o maior dos quais o próprio Fidesz – em detrimento dos menores. De fato, nas eleições de 2014, embora o Fidesz tenha conseguido apenas 44% dos votos, ainda assim ficou com 66% das cadeiras do parlamento. Nas eleições de 2018, capitalizando sobre a crise migratória na Europa, o Fidesz alcançou 49% dos votos e se manteve com 66% das cadeiras do parlamento.
Embora a Hungria ainda esteja longe do grau de degeneração a que chegou a Venezuela, o prognóstico de Halmai não é muito animador. “A sociedade civil húngara era relativamente fraca desde a transição democrática, o governo Orbán agiu para destruir sistematicamente o que havia dela, ao introduzir leis que ameaçam todos aqueles que recebem o mínimo apoio do exterior como se fossem inimigos do país”, afirma. “Provavelmente, a melhor garantia contra a Vitória de autocratas seja uma forte e bem estabelecida tradição democrática”, resume.