O gasto com pessoal do governo federal é frequente motivo de críticas. Salários iniciais elevados e montes de penduricalhos pressionam os cofres públicos e entram na mira para possíveis cortes. Para 2018, a previsão orçamentária é de que a União desembolse R$ 322,8 bilhões com o funcionalismo. E esse custo pode aumentar. Servidores dos ex-territórios do Amapá, Rondônia e Roraima estão pedindo transferência para o quadro de pessoal da União – e milhares estão conseguindo. Cada servidor custa para a União, em média, R$ 80 mil por ano, considerando apenas salário, terço de férias e 13.º. Os dados são do Ministério do Planejamento.
Ministério do Planejamento tem 47 mil processo de transferência para a União
A situação desses servidores é bem peculiar. O Ministério do Planejamento montou a Comissão Especial dos ex-Territórios Federais de Rondônia, do Amapá e de Roraima (CEEXT), que analisa os pedidos de transferência para o quadro funcional da União. O grupo já recebeu cerca de 47 mil processos e avaliou pouco mais da metade – cerca de 25 mil. Desses, 10 mil servidores tiveram os pedidos aceitos e passaram a integrar o quadro da União.
Essas pessoas são enquadradas no quadro da União, conforme indicação da CEEXT. Atualmente, há mais de 80 cargos diferentes ocupados pelos servidores transpostos. A média salarial desses servidores é de R$ 6 mil mensais, sem considerar férias e 13.º.
Mas esse número pode crescer. No final de 2017, o Congresso aprovou uma PEC, que deu origem à Emenda Constitucional (EC) 98. Essa regra permite que as pessoas que mantiveram qualquer tipo de relação de trabalho com os ex-territórios de Roraima e do Amapá possam optar pelo quadro em extinção do governo federal. A única regra é que o vínculo empregatício tenha ocorrido entre a data da transformação dos territórios em estados – ou seja, entre outubro de 1988 e outubro de 1993.
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Impacto nas contas: custo extra de R$ 1 bilhão a R$ 2,9 bilhões para a União
A proposta da emenda foi feita por um dos senadores que representa Roraima, Romero Jucá (PMDB), líder do governo na Casa desde a gestão Dilma. A PEC começou a tramitar em 2016 e contou com o apoio e nova redação do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O objetivo era de contemplar ainda mais servidores para a transposição aos quadros da União. Na conta dos senadores, são aproximadamente 18 mil servidores que podem fazer a mudança. Isso geraria um custo extra de R$ 1 bilhão ao governo.
Durante a tramitação da proposta, o senador Humberto Costa (PT-PE), alertava para o impacto financeiro da medida. O petista argumentava que cerca de 32 mil pessoas poderiam ser beneficiadas, gerando uma despesa adicional de R$ 2,9 bilhões para a União.
Essa emenda é a mais recente e não contempla os servidores de Rondônia, embora os parlamentares do estado tenham solicitado essa inclusão. Há outras duas emendas constitucionais que versam sobre os ex-servidores: a 60/2009 fala dos servidores civis e militares do ex-território de Rondônia e a 79/2014 trata dos casos de servidores e policiais militares admitidos por Amapá e Roraima na fase de instalação dessas unidades federadas.
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Todas foram regulamentadas pelo governo federal em janeiro deste ano, com a Medida Provisória 817/18, que ficou as condições para a inclusão dos servidores dos ex-territórios nos quadros da União. A MP está tramitando no Congresso e a partir de 19 de março passa a trancar a pauta parlamentar.
Isso deve aumentar o trabalho da CEEXT. A comissão estima que, com a EC 98, cerca de 40 mil novos processos sejam encaminhados. A migração para o quadro federal não é automática: o servidor interessado precisa solicitar a mudança para a comissão, que analisa o pedido e aceita ou não. Em 2017, por exemplo, entre os quase 25 mil pedidos analisados, 14.210 foram indeferidos porque não atendiam ao que era determinado pela legislação.
Ruim para a União, bom para estados e municípios
As contas da União ficam ainda mais debilitadas com esse acréscimo de pessoal, mas são os estados e municípios que comemoram a transposição dos servidores. Em muitos casos, esses servidores seguem trabalhando para os governos estaduais e municipais, mas são bancados pela União. A cessão dos servidores ocorre, principalmente, nos casos em que a idade avançada dificulta a transferência de função ou cidade.
Aliviar os gastos de municípios foi um dos argumentos usados pelo senador Randolfe Rodrigues ao comemorar a aprovação da PEC, em dezembro de 2017. “Isto faz justiça, em especial, com os municípios que foram negligenciados e tratados desigualmente na transição constitucional de 1988. Serão R$ 51 milhões diretamente economizados, pelo menos, para as administrações desses municípios”, declarou à Agência Senado.
Poucos dias depois, o senador esteve em Macapá, capital do Amapá. Na cidade, o prefeito Clécio Luís (Rede) criou um comitê de avaliação e certificação de vínculo funcional dos servidores, para auxiliar aqueles que se enquadram nas regras determinadas pela EC 98. Só a administração da capital estimava que pelo menos 1,5 mil pessoas que prestaram serviço ao município poderiam ser beneficiadas pela medida. Na esteira da criação desse comitê pela prefeitura, foi a vez do governo estadual agir. O vice-governador João Bosco Papaléo Paes (PSDB) ficou responsável pelas negociações.
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“Centenas de servidores ativos serão contemplados, o que resultará em desoneração da nossa folha; outras milhares de pessoas beneficiadas pela EC não têm ligação efetiva com a prefeitura. Estes terão agora renda federal, o que irá incrementar a nossa economia. No entanto, muitos não possuem documentos que comprovam essa ligação, e a comissão servirá para mobilizar e ajudar essas pessoas a garantirem o direito”, explicou o prefeito em entrevista ao site do governo do Amapá.
O estado não é o único. Em Roraima, o próprio senador Romero Jucá, autor da PEC, esteve conversando com servidores para esclarecer dúvidas acerca da transposição. Em sua passagem pelo estado, no início de fevereiro deste ano, a superintendência de Administração do Ministério do Planejamento em Roraima já havia recebido a documentação de 10.354 pessoas que pleiteavam ingressar nos quadros da União.
Um dos casos, exibido na própria página do senador, é de Abinadab Castelo Branco Sobrinho, que já havia entregado sua documentação. Sobrinho trabalhou na Companhia Energética de Roraima (Cerr), como prestador de serviço com contracheque do governo do estado entre 1984 e 1989, Ele foi registrado até 1991, e demitido quando retornou ao quadro do estado.
Morador de São João da Baliza, cidadezinha com 7,7 mil habitantes e a quatro horas de viagem da capital Boa Vista, Sobrinho vê no ingresso nos quadros da União a oportunidade de mudar de vida. “Meu sonho é entrar pra União. Não penso em riqueza, mas quero ter segurança para investir na formação de educação do meu filho. Com uma condição melhor, sei que ele vai cuidar de mim na velhice”, declarou para a equipe de Jucá.