A greve dos caminhoneiros acabou – muito embora boatos espalhados pelo WhatsApp digam que ela recomeçou, a circulação é normal nas rodovias brasileiras. E a paralisação dos petroleiros teve vida curta. Mas é grande a chance de novas greves, dessas e de outras categorias, avaliam especialistas.
A pressão exercida pelos caminhoneiros, com uma greve que parou o país, rendeu à categoria o atendimento de boa parte da pauta de reivindicações. Mas a fragilidade de um governo com índices recordes de impopularidade e a falta de habilidade que demonstrou na negociação com os caminhoneiros apontam para um cenário de novas paralisações, pelo menos até as eleições de outubro. Não há, afinal, garantias de que a categoria não retomará os protestos após os dois meses de congelamento do diesel.
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Há ainda o risco de que outros segmentos optem pelo mesmo expediente. Os petroleiros fizeram na semana passada uma greve contra a política de preços da Petrobras, exigindo a saída de Pedro Parente do comando da estatal – o que acabou acontecendo na sexta-feira (1º), quando ele pediu demissão.
Desde o último dia 14, os auditores fiscais estão parados – com 30% do efetivo em atuação, conforme define a legislação – em protesto pela regulamentação da Lei 13.464/17, que altera remuneração de servidores, reorganiza cargos e carreiras e define regras de gratificação.
Janela de oportunidade
“A variável mais importante neste caso é a popularidade, ou a impopularidade do governo, a falta de habilidade e de celeridade para enfrentar o problema”, aponta Luiz Domingos Costa, professor de Ciência Política da PUC-PR.
A Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), uma das lideranças da greve, já havia informado ao Planalto, do dia 14 de maio, que cruzaria os braços se não fosse chamada para negociações. E informou, durante as manifestações, que desde outubro pedia um encontro com o governo para discutir a lista de reivindicações.
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Para Domingos, a fragilidade que o Palácio do Planalto demonstrou na condução da crise com os caminhoneiros pode despertar na categoria, assim como em outras, disposição para novas ações envolvendo greves, já que o grupo que mostrar força para pressionar pode obter o que deseja.
Entre o que entende como erros do governo, o professor destaca dois: a denúncia de locaute – “tem que ter certeza que é loucaute para entrar com ação, não pode dizer ‘estamos investigando e se tiver, vamos puni-los; parece coisa de DCE” – e a ameaça de colocar as forças nacionais para dar fim aos bloqueios: “O Temer diz quer vai usar as forças nacionais e os caminhoneiros não dão a mínima”, define.
“Isso gera uma janela de oportunidades que acaba sendo apropriada para outros grupos e até para o mesmo grupo conforme a economia caminhar, os preços dos produtos se alterarem”, sinaliza. Domingos entende que a política adotada pela Petrobras, de estabelecimento dos preços dos derivados de acordo com a variação do barril de petróleo, deixa o governo vulnerável diante da necessidade de negociação.
“O governo tenta blindar a Petrobras da influência política, um tipo de posição do PSDB, só que ao mesmo tempo ele se enfraquece, porque tem que tirar impostos, que eventualmente vão fazer falta em outras áreas, e aí você gera, por exemplo, um descontentamento dos funcionários públicos, que não vão receber reajustes”, avalia. A redução de 46 centavos no preço do litro do diesel nos próximos dois meses será subsidiada com recursos do Tesouro, a um custo de R$ 13,5 bilhões aos cofres públicos.
Demonstração de fraqueza
“O governo deixou bem claro uma brecha para vislumbrar uma certa fraqueza e falta de habilidade para negociação”, analisa Elton Duarte Batalha, professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Facilita muito o governo ser impopular. Dada essa demonstração de fraqueza do governo na negociação com os caminhoneiros, a tendência é que pipoquem outras manifestações ao longo do ano”, vislumbra.
Para ele, a decisão dos petroleiros em parar por 72 horas foi na mesma onda dos caminhoneiros, por terem observado a maneira pouco hábil com que o governo lidou com a questão. E a possibilidade de sucesso de novas manifestações dependerá do apoio que a população oferecer a elas.
“De agora em diante, embora tenha apoiado [a greve dos caminhoneiros] em um primeiro momento, quando as condições de vida ficarem muito ruins para a população como um todo, talvez ela se volte contra esses movimentos. Esse tipo de manifestação tem de ser observado de um ponto de vista mais dinâmico”, acrescenta.
O apoio popular, entende Batalha, passa bastante pela postura dos grupos grevistas de caminhoneiros de liberarem, por exemplo, cargas com medicamentos, para que pudessem chegar aos destinos finais, ainda que com dificuldade. “Por mais justa que seja uma ou outra demanda que eles tenham, a sociedade não aceitaria ver pessoas morrendo no hospital em busca de hemodiálise”, avalia.
E as eleições com isso?
Domingos, da PUC-PR, lembra que ano eleitoral costuma ser marcado por mobilizações. E que a paz desejada por um próximo presidente eleito para governar vai depender, pelo menos nos primeiros seis meses ou um ano, do debate a ser realizado no processo eleitoral. E se os assuntos que preocupam a população de fato entrarem na discussão.
“Dependendo da resposta do candidato eleito, durante os primeiros seis meses ou um ano ele tem uma certa gordura para queimar, uma expectativa positiva. A não ser que faça o que a Dilma fez, dizendo uma coisa e implementando outra”, ressalva.
Batalha, da Mackenzie, acredita que o próximo presidente deve sofrer consequências na economia, mas não vê a possibilidade de um possível conjunto de manifestações transbordarem para um próximo início de mandato.
“O próximo governo, ainda que seja eleito por maioria mínima de vantagem, vai ter a popularidade testada nas urnas, coisa que as pesquisas mostram que esse governo não tem. Em um primeiro momento, esse tipo de manifestação que sufoca a sociedade não deve acontecer , mas de maio até outubro a população deve se preparar”, avisa.
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