Governo e sindicalistas travam uma nova disputa em torno da reforma da Previdência: a aposentadoria dos trabalhadores rurais, principal causa do rombo do INSS.
Ao apresentar a última versão da legislação, em novembro, o Planalto disse que quem trabalha no campo está livre de mudanças nas regras de aposentadoria. Mas representantes de agricultores dizem que não é bem assim. Acusam o governo de mentir e protestam, inclusive com greve de fome.
Na “nova reforma”, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287-A, o governo desistiu de alterar a idade de aposentadoria dos agricultores familiares, os chamados “segurados especiais”, que continuará em 55 anos para mulheres e 60 para homens. Mas a proposta gera controvérsia sobre como será a contribuição desses trabalhadores à Previdência. E faz mudanças importantes para outras duas categorias, os empregados rurais e os contribuintes individuais.
Quem se opõe à reforma diz que ela exige dos agricultores familiares 15 anos de contribuição ao INSS, mesma carência cobrada dos trabalhadores urbanos. Para os críticos, contribuir por todo esse tempo é inviável para a maioria, em razão da baixa renda e das oscilações da produção agrícola.
A questão é que a legislação atual já exige 15 anos de contribuição. Mas, ao mesmo tempo, alivia esse requisito. A Lei 8.213, de 1991, que trata dos planos de benefício da Previdência Social, afirma que o trabalhador rural pode se aposentar comprovando o “efetivo exercício de atividade rural” por 15 anos, sem necessariamente contribuir por todo esse tempo.
Essas regras ajudam a explicar por que o rombo da aposentadoria rural é tão grande. No ano passado, o INSS arrecadou apenas R$ 8 bilhões em contribuições do campo e pagou R$ 113 bilhões em benefícios. A diferença, de R$ 105 bilhões, foi coberta pelo Tesouro.
Mesmo sob as regras atuais a Previdência do campo já é assunto frequente na Justiça. Segundo o relatório de 2016 do Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência Social, 30% das aposentadorias rurais são concedidas pela via judicial.
“Nada muda” na prática, diz governo
O que muda com a PEC é que a exigência de contribuição passa a constar da Constituição. Mas não a brecha que permite a mera comprovação da atividade, que continuará prevista apenas em lei. E, claro, isso dá margem a interpretações.
O governo sustenta que, na prática, tudo continuará como está. “O texto da emenda constitucional preserva todas as condições hoje vigentes para os agricultores em regime de economia familiar”, disse à Gazeta do Povo o subsecretário do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), Benedito Brunca. Para ele, não há por que acrescentar à Constituição a flexibilidade da comprovação de atividade, que já é garantida por lei.
Nota distribuída pela Secretaria da Previdência Social reforça que, ao completar a idade mínima, o trabalhador só precisa comprovar ao INSS o trabalho no campo por pelo menos 15 anos. “Declarações do sindicato de trabalhadores rurais, declaração de beneficiário da reforma agrária emitida pelo Incra ou notas de venda de produtos agrícolas podem servir como documentos comprobatórios”, afirma o texto.
Dois consultores legislativos consultados pela Gazeta – Leonardo Rolim, da Câmara, que já foi secretário de Políticas de Previdência Social, e Pedro Nery, do Senado – endossam a interpretação do governo.
“Por questão política, os sindicatos estão procurando pelo em ovo para se posicionar contra a reforma”, diz Rolim. Nery avalia que a redação da PEC pode melhorar: “Como deu um pouco de confusão, quem sabe relator e governo ajustem o texto para ficar claro”.
Como será feita a contribuição
Para a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a inclusão da contribuição no texto constitucional tem a intenção de “abrir as portas para exigir dos agricultores e agricultoras familiares contribuição previdenciária mensal, com valor mínimo pré-fixado para cada membro da família”.
Hoje os agricultores familiares pagam ao INSS o equivalente a 2,1% do que faturam com a venda de sua produção, e essa contribuição vale para a aposentadoria de toda a família. A desconfiança da Contag tem origem na versão anterior da reforma, já abandonada pelo governo, que criava uma contribuição individual para os agricultores, de até 5% do salário mínimo, semelhante à dos Microempreendedores Individuais (MEI).
“Não está claro se a contribuição sobre a comercialização da produção continuará valendo para o grupo familiar ou se passará a ser individual”, diz Adriane Bramante, professora de Direito Previdenciário da CERS e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
Benedito Brunca, subsecretário do RGPS, rebate: “Não haverá mudança. A contribuição está definida no parágrafo oitavo do artigo 195 da Constituição, que não é alterado pela PEC”.
O que acontece com empregados rurais e contribuintes individuais
Ainda que não mexa com agricultores familiares, modalidade que representa cerca de 95% de todas as aposentadorias de trabalhadores rurais, a reforma realmente altera as regras para os outros 5% – os empregados rurais e contribuintes individuais do campo. Eles serão equiparados aos trabalhadores da cidade e, após período de transição, poderão se aposentar somente após os 62 (mulheres) e 65 anos (homens).
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