Ainda antes de completar 10 dias de governo, em 9 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro disse que em sua gestão a Advocacia-Geral da União (AGU) iria reconsiderar o posicionamento sobre as prisões após condenações em segunda instância, se mostrando favorável às detenções. A postura marcava uma alteração em relação a diretrizes apresentadas pela AGU no governo Temer – em 2017, o órgão havia defendido que as prisões só poderiam ocorrer após o esgotamento de todos os recursos.
A mudança na postura da AGU foi idealizada por André Luiz de Almeida Mendonça, chefe do órgão desde o início do governo Bolsonaro. Segundo ele, a medida pode colaborar para que “pessoas que praticaram crimes, e crimes graves, efetivamente cumpram suas penas”. A zona cinzenta sobre as prisões para os condenados em segunda instância foi o que quase levou à libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro, após liminar do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), que acabou posteriormente derrubada por Dias Toffoli, o presidente da corte.
Mendonça conversou em janeiro com a Gazeta do Povo sobre as prioridades para a AGU nos próximos anos, a relação que espera ter com Bolsonaro e os presidentes de Câmara e Senado e também sobre a reforma da previdência. Ele falou também sobre os acordos de leniência, uma espécie de “delação premiada das empresas” que ganhou notoriedade com a operação Lava Jato, e é coordenada pela AGU.
O advogado-geral da União foi o 11º “ministro” anunciado por Bolsonaro durante o período de transição – a AGU detém status de ministério. Ele é servidor de carreira da instituição, em que trabalha desde 2000, e também tem formação em teologia – é pastor de uma igreja em Brasília.
LEIA MAIS: Como os Estados Unidos inspiram o pacote contra o crime de Sergio Moro
Quais as prioridades do senhor à frente da AGU?
Nossa gestão está pautada em quatro pilares. O primeiro deles é um assessoramento jurídico mais próximo dos gestores públicos, com o objetivo de dar segurança jurídica às políticas públicas nas diversas áreas de atuação do governo federal. Nosso objetivo é que essas políticas públicas estejam sempre respaldadas na Constituição e que sejam efetivas para o cidadão, que sejam capazes de realmente atender o interesse público, o interesse da sociedade.
O segundo pilar diz respeito a uma atuação mais proativa e mais próxima do Judiciário. Isso ampliará o diálogo entre os poderes, tanto por meio das petições quanto como nos despachos com os magistrados na defesa das causas de interesse da União. Implementaremos uma defesa técnica, capaz de traduzir juridicamente as questões e dar segurança para o juiz, para o desembargador, para o ministro do Tribunal decidir com justiça, com equidade, com bons fundamentos.
O terceiro pilar é uma atuação responsável e efetiva no combate à corrupção. Nós temos que responder às demandas que vêm da Controladoria-Geral da União, da Polícia Federal, às demandas do próprio Tribunal de Contas da União, todas aquelas que tratam da responsabilização por irregularidades. A AGU tem um papel fundamental nesses processos e vai dar mais efetividade ao ajuizamento de ações contra os investigados, especialmente com foco na recuperação de recursos desviados.
Por fim, como quarto pilar, vamos trabalhar com transparência. Será por meio do conceito de governo aberto que iremos praticar a transparência interna, na condução da instituição, e a transparência perante a sociedade, de forma ativa e passiva, quando o cidadão buscar informações sobre a AGU.
Permeando tudo isso, o diálogo. O Direito se constrói pelo diálogo, pelo poder de convencimento, pela forma como nós nos portamos e justificamos os nossos atos.
Qual a expectativa do senhor para a relação entre a AGU e o presidente Jair Bolsonaro?
Há uma soma de esforços muito grande, não só com o presidente Bolsonaro, mas com todo o governo, para que o Brasil dê certo. O presidente demanda de sua equipe respeito às leis, respeito à Constituição e isso é importante para a sociedade.
LEIA MAIS: Nos bastidores, ministros do STF conversam sobre prisão domiciliar para Lula
O presidente Jair Bolsonaro disse que a AGU vai rever sua posição sobre a prisão em segunda instância. Ele já conversou com o senhor sobre o assunto? O que está sendo planejado para isso?
Na verdade, eu passei para ele essa informação. A gente tem dialogado com o Ministério da Justiça e Segurança Pública a esse respeito. A AGU tem o papel de interlocução com todos os ministérios e esse é um exemplo de construção conjunta, na qual a União vai adotar uma posição coordenada perante o Supremo, com o objetivo de garantir que pessoas que praticaram crimes, e crimes graves, efetivamente cumpram suas penas. Temos muita esperança de que o Supremo Tribunal Federal vá acolher essa tese.
Uma das críticas que outros membros do primeiro escalão do governo têm feito é a de que os ministérios precisariam ser “despetizados”. Como o senhor analisa isso, no contexto da AGU? A AGU também passou pelo processo de “petização” apontado por outros ministros?
O que mais importa é que tenhamos nas equipes ministeriais agentes comprometidos com a linha programática de atuação do atual governo e, ao mesmo tempo, dotados de expertise e experiência úteis ao grande trabalho que se pretende realizar em prol do país e da sociedade. Não é possível permitir que posicionamentos ideológicos se sobreponham àquilo que precisa ser feito ou reformado. A AGU passou, assim, por um processo de escolha de profissionais com esses predicados, para cumprir com excelência sua missão constitucional.
Qual a expectativa da AGU para os novos presidentes de Câmara e Senado [quando a entrevista foi realizada, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre ainda não haviam sido eleitos]? Que tipo de pauta o senhor gostaria de entregar para os presidentes das duas casas?
A AGU espera o que a sociedade espera: que sejam pessoas que ajudem a construir o Brasil, que tenham compromisso com o Brasil e sensibilidade com as causas da sociedade. Não me refiro apenas aos presidentes da Câmara e do Senado, mas a todos os parlamentares, os novos e os que foram reconduzidos. Que todos sejam capazes de fazer a leitura do que significou essa eleição. Uma eleição mais simples, mais barata, onde a comunicação direta com o eleitor foi fundamental. Todos nós, agentes públicos, precisamos entender que é preciso se comunicar com a sociedade. Ouvir, processar, entender o que pode ser feito, como pode ser feito. O Congresso tem o papel de ser a voz do povo interpretando isso.
LEIA MAIS: O que diz o projeto considerado antídoto ao ativismo judicial
O pagamento de honorários de sucumbência [remunerações adicionais pagas de acordo com causas ganhas] aos servidores da AGU desperta controvérsias. Por um lado, estimula a produtividade dos membros da categoria; por outro, pode levar ao pagamento de salários superiores ao teto do funcionalismo. Qual a opinião do senhor sobre isso?
Essa questão precisa ser avaliada com prudência. Não dá para discutirmos a partir de uma visão corporativista e nem de perseguição aos membros da AGU. Já pedi um estudo que aponte a real situação, mas os números que já tenho apontam para um ganho para o Estado. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por exemplo, em um ano, teve um acréscimo de recuperação de ativos em matéria de natureza fiscal de mais de R$ 10 bilhões. Isso significa um Banco do Brasil só em acréscimo de arrecadação, em função do estímulo que a questão dos honorários trouxe para os membros da carreira. Aumentou a efetividade, aumentou a arrecadação para o Estado.
O que se pode esperar em relação à atuação do senhor e da AGU nas discussões sobre a reforma da previdência? O INSS tem um procurador federal, Renato Vieira, como presidente.
A reforma da Previdência é uma necessidade para o país. As contas públicas não suportam mais o sistema previdenciário da forma como ele está. Nós precisamos ter um sistema mais justo, para hoje e para as futuras gerações. É preciso a sensibilidade de que não é um problema do governo. A reforma da Previdência é um problema que precisa ser resolvido em prol da sociedade brasileira, para a garantia da aposentadoria às futuras gerações.
A AGU esteve à frente de acordos de leniência com empresas envolvidas na Lava Jato. A atuação nesse tópico prosseguirá nos próximos anos?
Prosseguirá e, da nossa parte, se intensificará. Existem cerca de 20 negociações em andamento. Daremos continuidade a esse processo e queremos trazer mais agilidade a ele. É preciso também uma atuação mais efetiva à luz das provas que as empresas nos trouxeram. Nós estamos redimensionando a atuação da AGU nessa área, preparando uma articulação com outras instituições para que a gente possa ter uma atuação coordenada com a Polícia Federal, com o Ministério Público Federal (MPF), com a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) para otimizar esse instrumento tão importante para o combate à corrupção.