Em viagem ao Peru, onde participa de reunião do Grupo de Lima, que reúne 13 países para encontrar uma solução para a crise na Venezuela e de onde espera trazer para casa sua primeira vitória internacional importante, o chanceler Ernesto Araújo e seu grupo já ganharam duas quedas de braço no front interno nestes primeiros dias de governo: a nomeação de Filipe Martins como assessor especial da Presidência da República e a indicação de Alecxandro Carreiro para presidir a Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex). Ambos são quadros do PSL e encontram resistência na Esplanada.
Considerado inexperiente pelo general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, Martins tem 31 anos, é aluno de Olavo de Carvalho, colabora com o site Senso Incomum e ganhou fama na internet depois de acertar o resultado das eleições de 2016 nos Estados Unidos em 48 dos 50 estados americanos. Martins se aproximou do deputado reeleito Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e, antes de assumir um cargo na transição, trabalhava como assessor para assuntos internacionais do PSL.
Nos bastidores, Heleno se opunha à nomeação, mas Martins acabou nomeado, nesta quinta-feira (3), “assessor-chefe adjunto da assessoria especial do Presidente da República”. No tweet que anunciou seu embarque para Lima, Araújo referiu-se a ele como “Assessor Internacional da Presidência”. Na terça-feira (1º), logo após a recepção no Itamaraty, o chanceler se reuniu com Martins. Os dois viajaram juntos para o Peru.
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No dia seguinte, Martins participou de todos os encontros bilaterais que Jair Bolsonaro (PSL) manteve após ser empossado. O presidente reuniu-se com o secretário de estado americano, Mike Pompeo, com o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán e com o vice-presidente do parlamento chinês, Ji Bingxuan.
Já Carreiro, indicado para a Apex, enfrenta resistências em múltiplas frentes. Desconhecido entre os funcionários da agência, seu nome não agradou a Conferência Nacional da Indústria (CNI) e causa preocupação entre ministros e militares da Esplanada, também pela inexperiência. A Apex é responsável por promover exportações, investimentos e a internacionalização de empresas brasileiras. A remuneração do presidente do órgão é de R$ 50.534,19 mensais.
O indicado, que se formou em 2008 em comunicação social, atuou na liderança do PSL na Câmara entre 2011 e 2013 e desde então assessorava a secretaria nacional de portos, vai substituir o diplomata Roberto Jaguaribe, que já dirigiu o departamento de promoção comercial do Itamaraty, foi presidente do Instituto Nacional de Propriedade Indústria, ministro-conselheiro na embaixada do Brasil nos Estados Unidos e embaixador brasileiro em Londres e em Pequim.
Durante o período de transição, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou levar a Apex para seu “superministério”. Guedes chegou a declarar que a agência integraria sua pasta, mas o então indicado para as relações exteriores ganhou a queda de braço. Nesse contexto, interlocutores próximos do chanceler Ernesto Araújo avaliam que o ministro abriu um flanco de ataque contra sua gestão ao insistir no nome de Carreiro para a Apex.
Renovação dos quadros
O perfil de Martins e Carreiro reflete, em certa medida, o perfil do próprio chanceler, que é um “embaixador júnior” do Itamaraty, promovido ao posto apenas em junho do ano passado, e dos quadros aos quais Araújo pretende dar espaço no ministério. O chanceler defendeu mudanças na estrutura do Itamaraty ao dar posse ao novo secretário-geral da pasta, Otávio Brandelli, nesta quinta-feira.
Atualmente, o ministério enfrenta um inchaço nos níveis hierárquicos mais baixos em decorrência do grande número de admissões durante a gestão do ex-chanceler Celso Amorim, do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Os funcionários que ingressaram nesse período enfrentam um “funil” na carreira, que tradicionalmente recebe 30 novos diplomatas por ano, mas que em alguns anos chegou a receber 200 novos diplomatas.
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A primeira medida para enfrentar o quadro causou polêmica já na Medida Provisória (MP) que organizou a estrutura ministerial, a MP 870/2019. O artigo 71 da medida trouxe uma modificação na lei que regra o Itamaraty, criando exceções na hierarquia para “as nomeações para cargos em comissão e funções de chefia, incluídas as atribuições correspondentes, nos termos do disposto em ato do Poder Executivo”.
A medida foi interpretada por alguns como uma abertura do serviço diplomático a pessoas de fora do Itamaraty e causou rebuliço em grupos de diplomatas, mas o chanceler correu ao Twitter desmentir a interpretação e explicar que a mudança visa “otimizar a designação de servidores do Serviço Exterior para cargos em comissões e funções de chefia”, o que ele viria a reforçar um dia depois, em seu discurso de posse. Em jogo, está a possibilidade de o novo chanceler encontrar braços mais jovens que possam executar sua política externa, que encontra resistência nos altos escalões.
Incertezas e atritos
A preocupação nos bastidores se desenrola em um momento de incertezas no Itamaraty. O nome Ernesto Araújo vinha causando apreensão no Ministério por sua admiração pelo presidente Donald Trump, por sua rejeição do globalismo e pela linguagem forte, considerada pouco diplomática, que o então indicado exibia em seu blog “Metapolítica”.
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Diplomatas e analistas temiam que o novo governo levasse o Brasil a abandonar o que consideram o maior ativo do país na política externa, a promoção do multilateralismo, e a entrar em conflito com parceiros tradicionais, como a China, o Mercosul e países árabes. Eventuais atritos preocupam outras pastas cujo sucesso depende da atração de investimentos para o Brasil e exportadores de carne e de grãos.
O discurso de posse do novo chanceler, nesta quarta-feira (2), não acalmou os ânimos de quem estava preocupado. Sem fazer menções à China, maior parceiro comercial do Brasil, ou ao Mercosul, destino de grande parte das exportações de industrializados nacionais, o chanceler defendeu um resgate da identidade nacional brasileira e que lembrar-se da pátria “não é lembrar-se da ordem liberal internacional, não é lembrar-se da ordem global, não é lembrar-se do que diz o último artigo da Foreign Affairs ou a última matéria do New York Times”.
O chanceler cutucou os críticos: “não deixem o globalismo matar a sua alma em nome da competitividade. Não acreditem no que o globalismo diz quando diz que para ter eficiência econômica é preciso sufocar o coração da pátria e não amar a pátria”. Mas, ao seu modo, Araújo sinalizou para eles. “Um dos instrumentos do globalismo, para abafar aqueles que se insurgem contra ele, é espalhar que, para fazer comércio e negócios, não se pode ter ideias nem defender valores. Nós provaremos que isso é completamente falso”, disse.
Embora seja crítico do globalismo – e sirva a um governo que deu sinais de que pretende priorizar negociações bilaterais –, o chanceler declarou que vai “investir o renovado esforço também nas negociações multilaterais, especialmente na OMC [Organização Mundial do Comércio]”.
Entre as medidas que anunciou estão renovar e redinamizar a Apex; multiplicar o setor de promoção comercial do Itamaraty por quatro; e desburocratizar os setores de promoção comercial de todas as embaixadas. “Vamos trabalhar sem descanso para promover o comércio agrícola, a indústria, o turismo, a inovação, a capacitação tecnológica, os investimentos em infraestrutura e energia”, afirmou.
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Divergências no campo conservador
Em seu discurso de posse, Araújo atacou duramente a agenda moral que prevalece em organismos internacionais. “O globalismo se constitui no ódio, através das suas várias ramificações ideológicas e seus instrumentos contrários à nação, contrários à natureza humana, e contrários ao próprio nascimento humano”, disse.
“Aqueles que dizem que não existem homens e mulheres são os mesmos que pregam que os países não têm direito a guardar suas fronteiras, são os mesmos que propalam que um feto humano é um amontoado de células descartável, são os mesmos que dizem que a espécie humana é uma doença e que deveria desaparecer para salvar o planeta”, completou.
Ainda há muitas dúvidas sobre como Araújo pretende se contrapor à promoção do aborto, da ideologia de gênero e de outras agendas permissivas na arena global. No início de dezembro, pelo Twitter, o então indicado anunciou que o Brasil se desligaria do Pacto Global de Migração – uma resolução da Assembleia Geral da ONU sem efeitos vinculantes. O novo governo também tem feito um esforço de aproximação com os Estados Unidos e Israel, dois países que acabam de deixar a Unesco.
Essa postura causa preocupação na pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos. Membros da equipe querem estreitar os canais de comunicação com o Itamaraty, porque avaliam que os tratados internacionais de direitos humanos são benéficos e que há espaço para a defesa da agenda pró-família em organismos internacionais.
Um membro da transição manifestou apreensão de que o Brasil pudesse querer seguir a decisão de Israel e Estados Unidos de deixar a Unesco, e um secretário-adjunto da pasta chegou a dizer que todos os tratados internacionais são, na verdade, pró-família, mas que grupos de pressão agem de má-fé para fazer avançar agendas permissivas.
A divergência reflete uma cisão no campo conservador mundial, que em geral está de acordo que grupos de pressão usam comitês de tratados e organismos internacionais para defender agendas permissivas, como a transformação do aborto em um direito humano. Mas, enquanto os críticos mais vocais do globalismo têm reagido a isso questionando a legitimidade da Organização das Nações Unidas (ONU) e de suas agências, outras lideranças conservadoras têm proposta uma volta à letra e a intenção original dos tratados de Direitos Humanos como forma de conter o ativismo progressista.
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