“Renovação” foi uma das palavras de ordem das eleições de outubro e vai marcar a posse dos deputados federais e senadores que iniciam seus mandatos nesta sexta-feira (1º). Os números impressionam: entre os 54 senadores eleitos em 2018, 87% são novatos; na Câmara, 243 dos futuros parlamentares estrearão no Congresso.
A realidade, porém, nem sempre bate com o que os dados apontam. Grande parte dos novatos é composta por “herdeiros” de nomes tradicionais na política. Outros realmente novos acabam repetindo escândalos similares aos de seus antecessores. “A legislatura passada [2015-2019] teve, também, uma boa dose de renovação nos números. Mas, infelizmente, viu uma repetição das velhas práticas”, disse o deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG), que iniciará seu sexto mandato.
LEIA TAMBÉM: Senado tem maior disputa pela presidência desde a redemocratização; quem são os candidatos
Além disso, o complexo jogo disputado na Câmara e no Senado acaba fazendo com que, em muitos casos, os veteranos permaneçam dando as cartas e aos novos sobrem apenas papéis de coadjuvante.
Entre reais novidades e outros fatos que indicam que certas coisas permanecerão como sempre, a trajetória dos 513 deputados federais e 81 senadores será marcada por circunstâncias bem distintas entre si.
O que é novidade
Mais do que qualquer tema comportamental ou de segurança pública, a reforma da Previdência deve ser a principal agenda do Congresso em 2019. Embora o assunto em si não seja uma novidade – é discutido desde o governo Lula e centrou o debate econômico na gestão de Michel Temer – carrega como inovador o fato de que muitos deputados e senadores sejam abertamente defensores da proposta e tenham chegado ao Congresso declarando isso aos eleitores. A reforma que Jair Bolsonaro tentará emplacar pode ter um apoio ideológico no Congresso, e não apenas pragmático.
A ex-senadora Marina Silva teve uma votação pífia na eleição presidencial de 2018. Depois de acumular dois terceiros lugares seguidos em 2010 e 2014, ela teve que amargar uma pífia oitava colocação, atrás até mesmo do folclórico Cabo Daciolo (Patriota).
O vexame, porém, não foi repetido no Senado – a Rede conquistou cinco vagas. Mesmo que, depois da eleição, Alessandro Vieira (SE) tenha optado por migrar pelo PPS, as quatro cadeiras no parlamento garantiram musculatura ao partido de Marina, que passou a integrar, com protagonismo, um bloco com PDT, PSB e PPS. Na Câmara, o partido elegeu Joênia Wapichana (RR), a primeira mulher indígena a chegar ao Congresso.
LEIA TAMBÉM: Como será a eleição para presidente do Senado nesta sexta-feira
A vitória de Jair Bolsonaro na corrida presidencial, triunfo único na direita nacional, teve reflexos na formação do Congresso. Um número expressivo de parlamentares declaradamente de direita e conservadores vai compor o poder legislativo em 2019. Aí estão incluídos os membros do PSL de Bolsonaro, partido que foi de nanico a gigante, e também representantes do Novo, que terá seus primeiros integrantes no Congresso. Filiado ao DEM, Kim Kataguiri (SP) é outro representante da nova direita que chega ao legislativo.
Grupos que pregam qualificação e renovação na política conseguiram emplacar parlamentares de diferentes partidos no Congresso. A Rede de Ação Política Pela Sustentabilidade (Raps) teve 16 deputados federais eleitos – entre eles, Rodrigo Coelho (PSB-SC) e Tabata Amaral (PDT-SP).
O RenovaBR, apoiado pelo apresentador Luciano Huck, conseguiu a vitória de 16 membros na Câmara. E o Agora!, que também conta com o suporte de Huck, teve entre os vitoriosos o ex-ministro Marcelo Calero (PPS-RJ). Em entrevista à Gazeta do Povo, o deputado federal disse considerar que a renovação “foi um recado forte dado pelas urnas” e que seu objetivo é “combater a visão de que o Estado deve atender a interesses particulares”.
Calero admitiu que podem haver conflitos entre as diretrizes do partido e as propostas do Agora!, e ponderou: “eu ingressei no PPS com a promessa e o compromisso de manter minha independência, e isso foi respeitado pelo partido”.
LEIA TAMBÉM: Renan vence queda de braço no MDB e será candidato a presidente do Senado
A internet e as redes sociais não são novidades no Brasil há tempos, mas a influência que elas exercem ainda surpreende. As eleições de 2018 demonstraram bem o impacto, com a vitória de candidatos que preferiram o diálogo direto com os eleitores do que ação em meios convencionais – o presidente Jair Bolsonaro é o maior exemplo. A legislatura 2019-2023 deve ser repleta de transmissões em tempo real das atividades dos parlamentares e de mobilizações online contra os desmandos cometidos no Congresso.
Um grande número de parlamentares deixará a Câmara em direção ao Senado, e vice-versa. Entre os novos senadores estão os até pouco deputados federais Major Olímpio (PSL-SP), Marcos Rogério (DEM-RO), Jarbas Vasconcelos (MDB-PE) e Weverton Rocha (PDT-MA). Na mão oposta estão quatro agora ex-senadores: Aécio Neves (PSDB-MG), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Lídice da Mata (PSB-BA) e José Medeiros (Podemos-MT).
Fabiano Contarato (Rede-ES) é o primeiro homossexual a exercer mandato de senador. Ele liderou a disputa em seu estado, com mais de 1 milhão e 100 mil votos. Na Câmara, o representante LGBT será David Miranda (PSOL-RJ), que ficou com o mandato após a renúncia de Jean Wyllys (PSOL-RJ), também homossexual.
LEIA TAMBÉM: Quem são os candidatos à presidência da Câmara dos Deputados agora em 2019?
O PSDB foi um dos principais derrotados da eleição de 2018. O partido elegeu apenas 29 deputados federais, contra os 54 que conquistara em 2014. Terá apenas a nona maior bancada. No Senado, foram quatro cadeiras, duas a menos do que as obtidas em 2010, última ocasião em que foram eleitos dois parlamentares por estado.
Nomes que costumaram dar as cartas na política nacional estarão sem mandato a partir da sexta-feira. Entre eles, os emedebistas Romero Jucá (RR), Eunício Oliveira (CE), Roberto Requião (PR) e Edison Lobão (MA). Senadores de outros partidos também fracassaram, como Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e José Agripino (DEM-RN) – este falhou na tentativa de obter uma vaga de deputado federal.
O número de mulheres que comporá a Câmara dos Deputados a partir de 2019 será maior do que o da legislatura anterior. Foram eleitas 77 deputadas, contra as 51 vitoriosas de 2014. Entre elas, integrantes da direita, como Carla Zambelli (PSL-SP), da esquerda, como Áurea Carolina (PSOL-MG) e dos partidos de centro, como Tereza Nelma (PSDB-AL).
O que fica como está
Grupos de influência no Congresso, como os ligados a servidores públicos, ao agronegócio, ao setor industrial e a outros segmentos fortes mantiveram a força e emplacaram representantes na Câmara e no Senado. Houve ainda um crescimento no número de parlamentares ligados a carreiras militares e de segurança, impulsionados pela trajetória de Jair Bolsonaro.
Apesar de ter deixado a Presidência em 2010 e de estar preso desde abril do ano passado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve permanecer como um assunto constante no novo Congresso. Parlamentares do PT e partidos aliados já indicaram que “Lula livre” será uma das palavras de ordem de sua atuação. Já os adversários também devem citar Lula com frequência – no caso, para criticar o petista.
LEIA TAMBÉM: Como será a eleição para presidente da Câmara: veja regras
A derrocada de alguns dos seus medalhões não tirará do MDB a condição de um dos partidos mais fortes do Congresso. O partido terá a maior bancada do Senado e, na Câmara, terá 34 deputados e uma boa dose de influência. Além disso, com Renan Calheiros (AL), caminhará com favoritismo para continuar presidindo o Senado.
Filhos e netos de políticos tradicionais prosseguirão fazendo com que os nomes de suas famílias marquem presença no Congresso. Dois estreantes de Pernambuco, João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT), carregam o DNA dos ex-governadores Eduardo Campos e Miguel Arraes. O nome mais jovem do novo parlamento é também de uma herdeira: Luiza Canziani (PTB-PR), filha de Alex Canziani, que era deputado federal e em 2018 tentou, sem sucesso, uma vaga no Senado.
A corrida pelo comando de Câmara e Senado mostra que as negociações entre líderes ainda serão uma constante no parlamento. O PSL, que após a eleição de outubro, falou em presidir a Câmara, acabou apoiando Rodrigo Maia (DEM-RJ), na expectativa de ocupar um cargo na mesa diretora. No extremo oposto do campo ideológico do partido de Jair Bolsonaro, o PCdoB também vai com Maia – tudo para ter mais força ao longo da legislatura.
Apesar de, em dezembro de 2017, ter anunciado sua saída da vida pública, Tiririca (PR-SP) foi candidato mais uma vez e acabou eleito para o terceiro mandato. A ele se somarão nomes como Boca Aberta (PROS-PR), que tem circulado pela Câmara com a camisa do Londrina Esporte Clube, e Bibo Nunes (PSL-RS), apresentador de um programa de variedades no Rio Grande do Sul.
LEIA TAMBÉM: Salário, assessores, cotão, moradia, viagens… Saiba quanto custa um deputado
Rodrigo Maia e Renan Calheiros saem como favoritos para o comando de, respectivamente, Câmara e Senado. Se eleito, Maia pode emplacar quatro anos e meio consecutivos na chefia da Câmara. Já Renan foi presidente, em ocasiões anteriores, por cerca de seis anos.
A renovação pela qual o Senado passará não impedirá que a Casa continue sendo um destino quase certo de ex-governadores de estado. Sete deles foram eleitos em 2018: Jaques Wagner (PT-BA), Cid Gomes (PDT-CE), Jarbas Vasconcelos (MDB-PE), Eduardo Braga (MDB-AM), Jayme Campos (DEM-MT), Confúcio Moura (MDB-RO) e Espiridião Amin (PP-SC).
Temas que estão em discussão há várias legislaturas devem continuar na pauta dos novos parlamentares e senadores. Entre eles, a reforma política – com temas como o fim da reeleição, o financiamento exclusivamente público de campanhas e a adoção de novos sistemas para eleição de deputados. Outro que deve voltar ao debate é a redução da maioridade penal, defendida principalmente por integrantes da direita.
A ampliação da participação feminina na Câmara não se replicou no Senado. Sete mulheres foram eleitas para o Senado em 2018, mesmo número de 2010.
Deixe sua opinião