O juiz Sergio Moro elogiou recentemente os governos do PT, de forma indireta, para dizer que não há problema que não possa ser superado pelo país. Segundo ele, a corrupção pode ser combatida do mesmo modo que a desigualdade social foi enfrentada e reduzida nas últimas décadas por meio, por exemplo, de programas de transferência de renda e das cotas nas universidades. Moro não citou nominalmente o PT, mas o período coincide com as gestões de Lula e Dilma Rousseff (2003-2016). Além disso, essas políticas públicas foram marcas do petismo.
Mas será que Moro está certo? O Brasil conseguiu mesmo reduzir a pobreza e a desigualdade nas gestões do PT?
A resposta para a pobreza é sim, sem sombra de dúvida. Mas há controvérsia quando se fala em desigualdade. Os números oficiais indicam que houve redução na distância entre ricos e pobres. Mas novos estudos põem em dúvida esses dados e indicam que a desigualdade se manteve praticamente estável, com pouca variação.
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Dados oficiais dizem que pobres ganharam participação no bolo da renda nacional; e ricos perderam
Uma das formas que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento, mensura a desigualdade é por meio do cálculo da parcela da riqueza nacional apropriada pelos 50% de brasileiros mais pobres, pelos 40% que têm rendimentos intermediários e pelos 10% mais ricos da população.
Segundo o Ipea, em 2001 os 50% mais pobres ficavam com 12,60% da renda nacional. Os 40% intermediários e os 10% mais ricos se apropriavam, respectivamente, de 39,96% e 47,44% da riqueza brasileira.
Em 2015, os 50% mais pobres ficaram com 17,7% (um crescimento de 5,1 pontos porcentuais em relação a 2001). Os 40% intermediários ampliaram sua participação no bolo em 1,04 ponto porcentual, chegando a 41% da riqueza do país. Já os 10% mais ricos perderam uma fatia de 6,24 pontos porcentuais na renda nacional, caindo de 47,44% para 41,2% no período.
Para fazer os cálculos, o Ipea utiliza informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada todos os anos pelo IBGE. E os novos estudos questionam justamente se o uso desses dados mostra com precisão a desigualdade brasileira. Isso porque entrevistadores do IBGE têm dificuldades para obter dados reais da renda da parcela mais rica da população, que tende a omitir rendimentos. E, quando o IBGE consegue alguma informação, têm de confiar na declaração do entrevistado.
Pesquisa internacional contesta os dados: desigualdade se manteve quase estável
Uma nova abordagem que tem crescido entre os estudiosos é acrescentar às análises tradicionais dados da Receita Federal, mais precisos para apurar a renda real da população. É o que fez, por exemplo, um estudo do irlandês Marc Morgan, discípulo do economista francês Thomas Piketty, um dos mais renomados pesquisadores da desigualdade.
Publicado em setembro pelo World Wealth and Income Database, o estudo de Morgan revela que a parte da renda nacional apropriada pelos mais pobres é menor do que se imaginava e cresceu bem menos do que mostram os dados oficiais.
Segundo a pesquisa de Morgan, a parcela dos 50% mais pobres do país ficava com apenas 11,27% da riqueza brasileira em 2001. O porcentual aumentou para 12,25% em 2015 (um crescimento de apenas um ponto porcentual, contra os 5,1 da pesquisa do Ipea).
Os 10% mais ricos, por sua vez, também aumentaram sua participação na renda nacional durante os governos do PT: de 54,34% para 55,33%. Quem perdeu espaço, portanto, foram os 40% de renda intermediária: eles tinham 34,39% da renda nacional em 2001 e ficaram com 32,42% em 2015.
Uma coisa é certa: a pobreza diminuiu
Apesar da dúvida sobre os avanços que o país teve no combate à desigualdade, a diminuição da pobreza e da miséria que ocorreu nos governos do PT é inquestionável, por qualquer critério que venha a ser usado para definir qual é a renda que caracteriza uma pessoa pobre ou miserável.
Um dos indicadores, do Banco Mundial, mostra que o país tinha 43,8% de sua população vivendo na pobreza em 2004. Já em 2015, o porcentual de pobres havia caído para 22,1% dos brasileiros.
Outro dado do Banco Mundial é que o porcentual de miseráveis no país era de 11% em 2004 e caiu para 8,9% em 2014.
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Por que a desigualdade não cai?
Os dados indicam que o Brasil reduziu o número de pobres porque eles passaram a ganhar mais (a taxa de pobreza é medida por um valor de renda que traça uma linha: quem está abaixo é pobre e quem está acima não é). Por outro lado, a taxa de desigualdade é um indicador que relaciona um grupo (os mais pobres) a outro (os mais ricos). Nesse caso, é possível que a renda dos dois aumente e que a desigualdade não caia – o que parece ter ocorrido no país.
A pesquisa de Marc Morgan não explica as razões que fizeram com que a distribuição de renda tivesse se mantido estável. Seria preciso aprofundar os estudos.
À época da divulgação do estudo, especialistas levantaram várias hipóteses, que são pontos que os governos do PT não enfrentou. A tributação brasileira é fortemente baseada no consumo e não na renda; e isso beneficia os mais ricos (que gastam uma parcela menor da renda com consumo). Os altos juros beneficiam quem tem sobra de capital para investir no mercado financeiro. Os mais ricos conseguem aplicar seu dinheiro em setores mais dinâmicos da economia.
Estudo do Banco Mundial divulgado em novembro dá outros indicadores, sobretudo no papel do Estado em reduzir, manter ou ampliar a desigualdade.
Segundo a pesquisa, o governo brasileiro gasta muito para incentivar o setor privado por meio de isenções tributárias, créditos subsidiados e gastos diretos com empresas. Essas despesas correspondem a duas vezes o custo de todos os programas de assistência social e manutenção do emprego.
O Banco Mundial diz ainda que a Previdência Social, que consome uma parcela cada vez maior do orçamento federal, também beneficia principalmente a classe média e os mais ricos – que têm mais acesso ao mercado formal de trabalho. Outra conclusão do estudo é que os salários do funcionalismo público federal são excessivamente altos e contribuem para manter a desigualdade.
Uma das sugestões do Banco Mundial é que o Brasil direcione esforços para estruturar uma rede de proteção social mais coordenada.
Aliás, o Bolsa Família – o principal programa de transferência de renda das gestões petistas – é tratado pelo Banco Mundial como um exemplo (ainda que insuficiente) por sua eficiência de gasto.
Política de cotas reduziu a desigualdade no acesso ao ensino superior
Outro exemplo de política pontual que teve sucesso nos seus objetivos foram as cotas nas universidades – caso citado por Sergio Moro, bem como os programas de transferência de renda. As cotas efetivamente contribuíram para reduzir a desigualdade no acesso ao ensino superior, sem promover a queda no nível educacional dos formandos.
A reserva de vagas nas universidades para pobres e negros começou de forma pontual em algumas instituições de ensino superior antes dos governos do PT. Porém, foi somente em 2012 (já na gestão Dilma) que o Congresso aprovou a destinação obrigatória de 50% das vagas em todas as universidades federais para alunos da rede pública e, dentro desse segmento, de uma parcela de cadeiras para negros, pardos e índios.
Dados do Ministério dos Direitos Humanos mostram que, entre 2013 e 2015, as cotas permitiram o ingresso de 150 mil estudantes negros no ensino superior.
De acordo com o Ministério da Educação, em 1997 o porcentual de jovens negros e pardos (entre 18 e 24 anos) que cursavam ou haviam concluído um curso do ensino superior era, respectivamente, de 1,8% e 2,2%, respectivamente. Em 2013, houve um salto para 8,8% e 11%.
O crescimento também pode ser explicado pela melhora na renda das famílias de negros e pardos, de modo que eles podem ter tido uma educação melhor para passar no vestibular ou condições financeiras para custear uma faculdade paga (esses porcentuais incluem negros e pardos em universidades públicas e privadas). Porém, as cotas inegavelmente contribuíram para que mais negros e pardos ingressassem e concluíssem o ensino superior.
Cotistas têm desempenho similar ou até melhor do que o dos demais estudantes
Outras pesquisas também rechaçam a crença de que, com a política de cotas, a qualidade da educação superior nas instituições federais iria despencar – já que supostamente os alunos cotistas seriam menos qualificados.
Um estudo analisou as notas de cerca de 1 milhão de alunos que fizeram, entre 2012 e 2014, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) – prova necessária para que o formando das universidades possa obter o diploma. A pesquisa concluiu que o desempenho de formandos que ingressaram no ensino superior por meio de programas de inclusão social (não apenas cotistas, mas também beneficiários do Prouni e do Fies) é igual ou até mesmo superior do que o de seus demais colegas.
O estudo, divulgado neste ano, foi realizado pelo professor Jacques Wainer, do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); e pela professora Tatiana Melguizo, da Rossier School of Education da University of Southern California (EUA).
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