Ao assumir a presidência do Banco Central, em junho de 2016, o economista Ilan Goldfajn encontrou um quadro sombrio. O país vivia a mais profunda recessão de todos os tempos, com desemprego recorde, e enfrentava uma crise política e moral que ameaçava paralisar a República. A inflação, de 8,9% ao ano, estava bem acima do teto da meta, de 6,5%. A taxa básica de juro, a Selic, usada como referência pelo mercado financeiro, alcançava 14,25% ao ano, a maior desde 2006, e o dólar comercial roçava R$ 3,70, refletindo as incertezas dos investidores. Em meio às adversidades, o nível de confiança de empresários e consumidores despencou, atingindo o mínimo histórico.
Hoje, vinte meses depois, a crise política e moral persiste, mas na economia, surpreendentemente, as nuvens começaram a se dissipar e os primeiros raios de sol surgiram no horizonte. A recessão ficou para trás, o desemprego recuou e o crescimento deverá alcançar entre 2,5% e 3% neste ano, segundo as projeções dos analistas. A inflação perdeu força e fechou o ano passado em 2,95%, abaixo do piso da meta, fixado em 3%, pela primeira vez desde que o sistema foi adotado pelo País, há quase 20 anos. Os juros caíram ao menor patamar da história, para 7% ao ano, e poderão cair ainda mais, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para terça e quarta-feira desta semana, se as previsões de mercado se confirmarem. O dólar baixou para R$ 3,20, uma queda de quase 15% desde meados de 2016, e a Bolsa de Valores, que antes parecia não encontrar o fundo do poço, agora bate seguidos recordes de alta, expressando a melhora das expectativas com o desempenho das empresas.
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Considerando o conjunto da obra, trata-se de um resultado que nem os analistas mais otimistas previam que fosse possível alcançar em tão pouco tempo. Como diz o economista Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e sócio da Mauá Capital, uma empresa de gestão de recursos, “se alguém do mercado dissesse que isso iria acontecer seria chamado de louco”.
Credibilidade
O mérito pelas conquistas na economia deve ser atribuído a toda a equipe econômica, comandada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Mas Goldfajn, com o apoio de seus colegas de diretoria do BC, tem boa parte da responsabilidade pelos resultados obtidos pelo governo. “O Banco Central tinha perdido completamente a credibilidade na administração anterior, submetido aos desígnios da então presidenta”, afirma o economista e escritor Edmar Bacha, um dos “pais” do Plano Real e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças, onde trabalhou com Goldfajn. “O Ilan conseguiu colocar a casa em ordem, num período muito curto e num cenário político complicadíssimo.”
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Pelos resultados que alcançou num ambiente hostil, Goldfajn foi eleito pela revista The Banker, ligada ao jornal britânico Financial Times, como “banqueiro central do ano” de 2018. Ganhou o título global, obtido pela primeira vez por um brasileiro, e o regional, na América Latina. O prêmio, anunciado no início de janeiro, celebra os dirigentes de bancos centrais que se destacaram ao estabilizar suas economias e estimular o crescimento. “É bom que o Brasil seja reconhecido lá fora não só no surfe e no futebol, mas também numa área técnica como a do Banco Central”, diz o cientista político Fernando Schüler, do Insper, uma escola de negócios, direito e engenharia de São Paulo.
Reservado, como convém ao cargo que ocupa, com a fala mansa e uma preocupação visível em não ferir suscetibilidades no governo, onde o sucesso alheio costuma despertar sentimentos inconfessáveis, Goldfajn, de 52 anos, celebra o feito com sobriedade. “É uma grande honra”, afirma. “Já tinha recebido dois prêmios no ano passado (o de melhor presidente de Banco Central na América Latina, concedido pela revista Global Markets, e a nota “A”, conferida pela revista Global Finance), mas dessa vez foi algo maior.”
Alguns analistas dizem que Goldfajn foi beneficiado pela redução dos preços dos alimentos no ano passado, que deu uma grande contribuição para o combate à inflação. Falam, também, que, com a recessão, o desemprego e a queda do consumo, o mergulho da inflação era questão de tempo. “Essa queda da inflação não foi um acaso. Já havia vários elementos contratados para ela ocorrer antes da entrada dele no Banco Central”, diz Tony Volpon, economista-chefe do banco suíço UBS, no Brasil, e ex-diretor da área internacional do BC na gestão Dilma.
No início de sua gestão, executivos do mercado também chamaram Goldfajn de “conservador” e criticaram a demora do BC em cortar os juros, diante do cenário recessivo. Ele acreditava que era melhor consolidar as expectativas antes de começar a reduzir os juros. No final, a inflação teve uma forte queda e o BC pôde, então, realizar uma política gradual de corte das taxas, cujos efeitos positivos se revelam agora em toda a sua extensão. “O nível de atividade estava fraco, mas a gente foi mais cauteloso e preferiu ancorar as expectativas antes de começar a flexibilizar os juros. No final, isso ajudou a quebrar a espinha da inflação e fechamos 2017 com um crescimento de cerca de 1%, quando se achava que seria de 0,5%”, afirma Goldfajn.
Antagonista
Segundo quem conviveu com ele ao longo de sua carreira, Goldfajn se coloca com frequência como uma espécie de “antagonista” das visões predominantes entre os analistas.”O Ilan questiona muito o ‘inconsciente coletivo’ do mercado”, diz o economista Daniel Gleizer, diretor de investimentos da BW, a empresa responsável pela gestão de recursos da família Moreira Salles, e ex-colega de Goldfajn na diretoria do BC e no Itaú. “Ele é uma pessoa de fino trato, bem humorada, mas de convicções firmes e bem estruturadas”, afirma o economista Armínio Fraga, ex-presidente do BC e sócio da Gávea Investimentos, uma empresa de gestões de recursos e participações, que chegou a dividir um apartamento com Goldfajn em Brasília, quando ele participou de sua equipe na instituição, no fim do governo Fernando Henrique.
De acordo com Goldfajn, o mais difícil até agora foi enfrentar as turbulências do mercado em três momentos distintos: após a eleição do presidente americano Donald Trump, no final de 2016, após a aprovação do Brexit pela Grã Bretanha, que definiu sua saída da União Europeia, em março de 2017, e após as denúncias do empresário Joesley Batista, da JBS, contra o presidente Michel Temer, em maio do ano passado. “Tivemos de intervir no mercado para manter a normalidade”, diz.
Com a proximidade das eleições, que deverão aumentar as incertezas dos investidores, Goldfajn não terá vida fácil em 2018. A eventual alta dos juros americanos poderá contribuir para agravar a situação. Mas ele parece determinado a garantir uma travessia tranquila para o País em meio às turbulências. “O Banco Central é um órgão técnico, com autonomia ‘de facto’, e vamos tentar trabalhar independentemente de onde a política vai nos levar”, afirma. “Esse cenário benigno no mundo não vai continuar para sempre. A gente não sabe quando, mas em algum momento o juro vai subir lá fora.” Agora, pelos resultados que alcançou até o momento, Goldfajn mostrou que reúne as credenciais necessárias para acertar outra vez a calibragem da política monetária.
Paixão pelo Flamengo
O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, deixou uma carreira de sucesso no setor privado e teve de vender suas ações do Itaú Unibanco, do qual era economista-chefe, para assumir o cargo, em junho de 2016. Abriu mão dos ganhos polpudos recebidos no banco em troca de um salário bruto de R$ 30.940,70. Como mora com a família em São Paulo, onde se fixou em 2009, ao ser contratado pelo Itaú, recebe também um auxílio-moradia de R$ 5.995,06, que usa para custear um apart-hotel, na Asa Norte, região nobre de Brasília. Em geral, fica na cidade de terça a quinta-feira e na segunda e na sexta-feira costuma despachar na sede regional do Banco Central em São Paulo, onde também passa os fins de semana com a mulher Denise, uma psicanalista com quem está casado há 27 anos, e os três filhos.
Nascido em Haifa, em Israel, Goldfajn é brasileiro, registrado na embaixada do Brasil em Tel Aviv. Mudou com a família para o Rio de Janeiro, onde nasceu seu irmão mais novo, quando tinha 13 anos, no início do processo de redemocratização do país, no final da década de 1970. Seus pais, ambos judeus de famílias de origem polonesa, viviam no Rio e haviam emigrado nos anos 1960 para Israel, onde também nasceu sua irmã mais velha. Desde cedo, porém, Goldfajn falava o português em casa e não teve problema com a língua ao chegar ao país. Ele não se considera religioso, embora afirme respeitar as “tradições” judaicas.
No Rio, Goldfajn adquiriu a paixão pelo Flamengo e pelo futebol, que costumava praticar nos fins de semana até sofrer uma crise ciática, em abril de 2017, devido a uma hérnia de disco, tratada com uma série de sessões de fisioterapia (veja o quadro ao lado). Estudou no Liessin, um colégio da comunidade judaica, e fez o curso de economia na UFRJ e o mestrado na PUC-RJ, onde teve como orientador o economista Dionísio Dias Carneiro (1945-2010), que ele diz ter marcado sua atuação profissional, “não tanto pelo aspecto técnico, mas pelo amor que tinha pelo conhecimento, pelo prazer do debate”.
Entre 1991 e 1999, morou nos Estados Unidos, onde fez o dourado no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Teve como orientadores os economistas Rudiger Dornbusch (1942-2002), que produziu vários trabalhos sobre o Brasil, e Stanley Fisher, ex-vice-presidente do Fed, banco central americano, e ex-presidente do Banco Central de Israel. Em tempos de polarização política no País, ele prefere não revelar com qual escola econômica se identifica mais. “Faço um esforço enorme para tentar não me enquadrar e poder conversar com todo mundo.”
Em 2000, ao voltar ao Brasil, assumiu a diretoria de Política Econômica do BC a convite do então presidente da instituição, Armínio Fraga, que ele afirma ter tido também grande influência em sua vida profissional, e voltou a morar no Rio, até mudar para São Paulo, há nove anos, onde mora até hoje.
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