Os três desembargadores linha-dura do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) que vão julgar o ex-presidente Lula na segunda instância da Lava Jato no caso do apartamento tríplex, no próximo dia 24, não serão os únicos “adversários” que o petista encontrará em Porto Alegre (RS). A capital gaúcha tem um dos maiores “zoadores” do PT: o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB), que não costuma perder a oportunidade de provocar os petistas nas redes sociais usando humor, ironia ou acidez – em alguns casos evidentemente de forma exagerada e imprópria. E a troca de alfinetadas entre o prefeito e o PT por causa do julgamento de Lula já começou.
Ainda como deputado federal, cargo que exerceu até assumir a prefeitura em janeiro de 2017, Marchezan já costumava usar as redes sociais para ironizar o PT. Ele foi bem ativo na “gozação” de petistas durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016.
“O triplex caiu”
“Vamos dobrar a meta?”, Hitler eleito e outras zoações: o limite entre o humor e o mau gosto
Em seu Instagram, Marchezan “zoou” de Dilma ao pedir adesões a uma petição on-line pelo impeachment: “Estamos chegando a 1 milhão de assinaturas. Vamos dobrar a meta?”. Ele se referia à declaração da então presidente ao lançar uma nova etapa do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec): “Não vamos colocar meta. Vamos deixar a meta aberta, mas quando atingirmos a meta, vamos dobrar a meta”.
Quando Dilma efetivamente sofreu o impeachment, Marchezan publicou uma foto de Dilma, Lula e a ex-primeira-dama Marisa Letícia descendo a rampa do Palácio do Planalto com os seguintes dizeres: “O triplex caiu” – numa alusão ao apartamento que, um ano depois, iria levar Lula a ser condenado pelo juiz Sergio Moro – caso que agora está no TRF4, com sede em Porto Alegre.
Veja imagens dessas e de outras “zoações” de Marchezan Júnior com o PT
Em outros momentos, as postagens do então deputado ultrapassaram a linha da ironia e foram evidentemente inadequadas e de mau gosto. Ele publicou no Instagram uma foto do ditador nazista Adolph Hitler com a frase: “Eu também fui eleito democraticamente”. Era uma crítica ao argumento da então presidente e de seus defensores de que Dilma não poderia ser afastada da Presidência por ter sido eleita pelo voto popular. A comparação é imprópria porque Hitler instalou um regime totalitário na Alemanha, com perseguições e assassinatos sistemáticos e em massa daqueles que se opunham a ele.
Art. 5.º. Está permitido comemorar as festas de São João; se você pertence a certos partidos vermelhos, está proibido formar quadrilha
Marchezan muda de cargo, mas as provocações continuam...
Como prefeito, Marchezan continuou a usar as redes sociais para provocar o PT. Em maio do ano passado, o tucano publicou um vídeo gravado no subsolo da prefeitura de Porto Alegre em que ele ironiza Lula: “Estou aqui nos porões da prefeitura de Porto Alegre e me lembrei do Lula, porque antigamente aqui era uma cadeia. E é pra lá [a cadeia] que a gente espera que [seja o destino de] todas essas pessoas que pegaram dinheiro público e [o] transformaram em patrimônio privado”.
Assista ao vídeo gravado por Marchezan no porão da prefeitura de Porto Alegre
Em junho, o prefeito “editou” um de seus “decretos zoeiras”, que costuma divulgar de brincadeira em sua página de Facebook às sextas-feiras, proibindo integrantes “de certos partidos vermelhos (...) de formar quadrilha” nas festas juninas.
Também em junho, em outra publicação no Facebook, Marchezan usou uma expressão gaúcha muito conhecida para criticar os petistas: “PT é tri”. E logo depois complementou: “Terceiro tesoureiro do PT preso”.
... E os petistas passam a cair em suas provocações
O PT de Porto Alegre juntou cerca de 50 posts como esses. E pediu, em julho, que Ministério Público Estadual (MP) abrisse uma investigação contra Marchezan por suposta improbidade administrativa, abuso de poder e incitamento ao ódio político. A própria representação do PT ao MP, contudo, reconhecia sua fragilidade, pois os posts do prefeito haviam sido divulgados apenas em suas páginas pessoais nas redes sociais. Ainda assim, o partido argumentava que o uso que Marchezan fazia delas tinha um caráter oficial, de divulgação da prefeitura.
Renato [técnico do Grêmio] buscou informações de como acabar com o Real e já falou com a Dilma
À época, o prefeito acusou o PT de tentar censurá-lo. E, bem ao seu estilo, ironizou seus adversários nas redes sociais. “É mole? O PT – isso mesmo, o PT! – quer que o MP investigue minhas redes sociais alegando que eu ‘incito o ódio’ em minhas postagens. (...) Aqui você não verá ódio. No máximo um Despacito e um jantar ruim. Mas ódio, jamais!”
Marchezan costuma postar no Facebook vídeos em que ele próprio cozinha. Também são comuns os posts com vídeos do prefeito dançando o hit caribenho Despacito em eventos públicos, inclusive com outros secretários municipais – atitude que o torna alvo de críticas por supostamente não respeitar o cargo.
Veja uma dessas performances de Marchezan dançando Despacito
Noutra postagem feita logo depois, ilustrado por uma foto do prefeito pensativo, ele escreveu: “Momentos de tensão. Olá, pessoal. Estou aqui redigindo o decreto de final de semana com muita cautela pra não correr o risco de ferir os sentimentos de certas lideranças que ficaram incomodadas com meu bom humor e meu Despacito”.
Mais recentemente, em dezembro, outra “zoação” de Marchezan com o PT no Facebook, por ocasião da final do Mundial de Clubes da Fifa, em que o Grêmio iria disputar o título com o Real Madrid. O prefeito publicou: “Renato [técnico do Grêmio] buscou informações de como acabar com o Real e já falou com a Dilma” – numa clara ironia em relação aos resultados ruins da ex-presidente na economia.
Prefeito pede Exército nas ruas e pisa no calo do PT
O julgamento de Lula no TRF4 não passou batido na tensa relação entre Marchezan e o PT. No último dia 3, o prefeito encaminhou um pedido para que o presidente Michel Temer (PMDB) autorizasse o envio de tropas do Exército e da Força Nacional para o dia do julgamento.
No Facebook, o prefeito argumentou que a “ocupação” de Porto Alegre programada pelo PT e seus simpatizantes para o dia 24 representa “iminente perigo à ordem pública e à integridade dos cidadãos porto-alegrenses”. Em entrevista à Gazeta do Povo, Marchezan voltou a alfinetar o PT e seus integrantes que respondem a processos criminais: disse que o pedido de tropas era uma resposta a algumas lideranças de “quase de dentro do presídio”.
O PT considerou o pedido de Marchezan uma “provocação” ao propor o uso das Forças Armadas contra o partido e os movimentos sociais que o apoiam. Os petistas, afinal, se orgulham de ter lutado contra a ditadura militar (1964-1985). Lula foi preso político e Dilma, torturada.
A presidente nacional do partido, senadora Gleisi Hoffmann (PR), contra-atacou: “Se paira alguma ameaça sobre os cidadãos de Porto Alegre, é o autoritarismo do prefeito, evocando fantasmas de um tempo de exceção e de arbítrio”, escreveu ela, assegurando que as manifestações a favor de Lula serão pacíficas. Dias depois, porém, o próprio PT admitiu a possibilidade de haver conflitos em Porto Alegre – mas ressaltou que, se isso ocorrer, será por causa de “adversários infiltrados”.
Ainda assim, o argumento petista de que o pedido de tropas é uma provocação tem sua razão de ser. O prefeito não é responsável pela Brigada Militar, como é chamada a PM no Rio Grande do Sul. A Brigada, por sua vez, não manifestou ser incapaz de promover a segurança no dia do julgamento de Lula.
Além disso, o próprio ministro da Defesa, Raul Jungmann, descartou a necessidade de forças federais e lembrou que a Constituição é clara ao estabelecer que esse pedido teria de ser formulado pelo governador do estado, José Ivo Sartori (PMDB).
Marchezan não esconde quem o inspira: o MBL
O prefeito de Porto Alegre não esconde qual é sua inspiração para usar a “zoeira” para criticar o PT: o Movimento Brasil Livre (MBL), um dos grupos que organizou as manifestações a favor do impeachment de Dilma. Nas redes sociais, a tática de críticas irônicas é uma das marcas do MBL.
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Num vídeo publicado em seu Facebook, Marchezan reconheceu que é influenciado pelo movimento e, como de costume, alfinetou o PT. “Sigo os conselhos do MBL. Tu quer que eu siga os conselhos de quem? Do Zé Dirceu, que vinha dar palestra aqui pro PT sobre ética? Dos tesoureiros do PT que estão todos presos? Dos presidentes do PT que estão presos? Da [antiga] executiva nacional do PT, que quase toda está presa, e da atual [direção], que está quase toda processada? Dos dois últimos presidentes investigados? Eu vou seguir os conselhos do MBL porque eu gosto [do movimento]. Acho que eles foram importantes, como outros movimentos, em tirar aquela quadrilha que assumiu o PT e assumiu o Brasil.”
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