| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Os brasileiros estão tendo menos filhos e vivendo mais, o que faz crescer a população idosa e, dentro de poucos anos, isso passará a limitar a força de trabalho. Vários países já passaram por essa transição, que é alimentada pela maior participação da mulher no mercado de trabalho e pelos avanços na qualidade de vida.

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São fenômenos positivos sob vários aspectos, mas que também têm sérias implicações sobre nosso sistema previdenciário, que é de repartição simples, em que as contribuições de quem está na ativa bancam o benefício de quem já se aposentou. Com o passar do tempo, haverá cada vez mais gente recebendo benefícios da Previdência e menos trabalhadores para sustentá-la. Em 1980, o país tinha 9,2 pessoas em idade de trabalhar para cada idoso. Em 2020, serão 4,7 ativos por inativo. Em 2060, a relação será de apenas 1,6 por um.

“Minha neta terá um velhinho para chamar de seu”, diz Paulo Tafner, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e um dos principais especialistas em Previdência do país. Ele esteve em Curitiba na última terça-feira (20) para falar a empresários reunidos no Câmpus da Indústria, da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep).

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Paulo Tafner, especialista em Previdência: “Se o Brasil fosse um país rico, poderia se conformar em crescer só um pouquinho e manter sua riqueza. Mas não. O Brasil é um país medianamente pobre. Então nós vamos ficar velhos e pobres”. 

A questão é que, apesar da rápida transição demográfica, o Brasil ainda é um país relativamente jovem, mas já gasta com Previdência o mesmo que nações ricas e envelhecidas. E essa despesa cresce bem mais rápido que a quantidade de idosos. De 1988 para cá, a população com 60 anos ou mais aumentou 86%. O gasto com aposentadorias e pensões, em relação ao tamanho da nossa economia, disparou 256%.

MITO OU VERDADE:A reforma atinge mais quem recebe salário mínimo?

Apenas uma década atrás, o governo federal usava 37% de sua receita para pagar as despesas do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos e deficientes pobres. No ano passado, essas rubricas consumiram 53% da arrecadação. Se incluída a Previdência dos servidores da União, o comprometimento do caixa se aproxima de 60%.

A explicação, segundo Tafner, está na legislação, que permite a aposentadoria a pessoas que ainda têm plena capacidade de trabalho. De acordo com o pesquisador, um terço das mulheres que se aposentam por tempo de contribuição tem menos de 50 anos. E 40% dos homens conseguem o benefício com menos de 55.

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As regras, diz o pesquisador, já deveriam ter mudado. Mas não mudarão tão cedo. Na segunda-feira (19), um dia antes da palestra de Tafner na Fiep, o governo suspendeu a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reforma a legislação previdenciária, que não pode ser aprovada enquanto vigorar a intervenção federal no Rio de Janeiro.

Com regras defasadas e menos trabalhadores para sustentar cada aposentado, será preciso que cada um deles produza mais. Ou seja, que a produtividade do país cresça, e muito. Mas as perspectivas são sombrias.

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A Previdência consumirá uma fatia cada vez maior do Orçamento, deixando menos dinheiro para outras políticas públicas e os já baixíssimos investimentos federais (em 2019, por exemplo, o governo cortará R$ 14 bilhões de outras áreas para bancar gastos previdenciários que seriam poupados em caso de reforma). Ao mesmo tempo, a dívida pública caminhará mais rápido para a insolvência, mantendo lá em cima o custo do crédito e multiplicando os riscos de qualquer negócio. Resultado: a economia terá menos condições de crescer.

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“Se o Brasil fosse um país rico, poderia se conformar em crescer só um pouquinho e manter sua riqueza. Mas não. O Brasil é um país medianamente pobre. Então nós vamos ficar velhos e pobres. Estamos fazendo uma escolha trágica”, diz Tafner. Confira trechos da entrevista que ele concedeu à Gazeta do Povo e à Agência Fiep de Notícias:

Reforma mais dura

“Se o presidente eleito tiver um mínimo de responsabilidade fiscal e quiser o bem para o país, ele vai apresentar uma proposta de reforma da Previdência. E a reforma vai ter que ser dura, mais dura do que esta [abandonada pelo governo Temer]. Não teremos muito tempo de transição, por exemplo. Vai ter que ser uma transição curta. Vai ter que igualar muito rapidamente homem e mulher. Não vai ter a ‘mamatinha’ de 65 e 62 anos, vai ser tudo igual. É isso. Nós escolhemos um caminho ruim, um caminho de decisões radicais. Já perdemos muito tempo. A PEC estava pronta para ser votada desde junho do ano passado. Então significa adiar de junho de 2017 para provavelmente junho ou julho de 2019. Perdemos dois anos, e não um só.”

O que pode ser feito sem a PEC

“Diante da intervenção no Rio de Janeiro, não se pode mexer em coisas que estão definidas na Constituição, como idade de aposentadoria e tempo de contribuição. Mas a legislação ordinária, infraconstitucional, pode ser votada normalmente. E há muito o que fazer. Podem ser feitas mudanças na fixação do valor do benefício, nas regras de pensão, nos regimes próprios de previdência dos servidores da União, estados e municípios. Obviamente que não é uma reforma completa, mas são mudanças que teriam efeitos positivos. A regra 85/95, por exemplo, é uma regra de fixação do valor do benefício. Ela foi um erro, uma contrarreforma, cujo resultado foi aumentar a despesa, porque aumenta muito o valor do benefício. Quando ela foi aprovada, em 2015, calculei que aumentaria o gasto, no caso dos homens, em 15% até 2030. No caso das mulheres, aumentaria em 28%. Revogá-la já seria um bom começo.”

Riscos para a economia

“Lamento que tenhamos perdido a oportunidade de fazer uma reforma. É uma pena que a gente continue autorizando mulheres a se aposentar com menos de 50 anos, e homens com 52, 53 anos. Isso pode ser bom para uma pessoa, óbvio, mas é péssimo para o filho dela, o neto dela e o país, em todos os sentidos. Porque compromete a nossa capacidade de gerar riqueza. Quando dizemos que a Previdência vai consumir o Orçamento, significa duas coisas. Primeiro, que não haverá dinheiro para as demais políticas públicas e nem tampouco para investimento. Quando o governo investe num porto, aeroporto ou rodovia, provoca um efeito enorme de permitir e baratear o transporte de produtos, serviços e pessoas. Se o governo não faz isso, a capacidade de crescimento da economia é menor. O segundo ponto é que, sem reforma, a relação entre dívida pública e PIB sai do controle. Torna-se insustentável. O governo terá de pagar taxas de juros muito mais altas. E depois vai dar um default. Não vai pagar. Talvez as pessoas não saibam, mas quando fazem uma pequena aplicação, o banco pega esse dinheiro e aplica a maior parte em títulos públicos. Quando a Grécia deu calote, os credores eram alemães, em sua maioria. No Brasil, 90% da dívida está nas mãos de brasileiros. Se o governo der um calote, será nos brasileiros. Vai chegar para o funcionário da Petrobras, cujo fundo de pensão, o Petros, tem 80% do dinheiro aplicado no Tesouro, e falar: ‘Estava pensando em se aposentar ganhando R$ 15 mil? Não vai mais’.”

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Velhos e pobres

“Nós vamos terminar, no início da próxima década, o ciclo de expansão do número de pessoas em idade de trabalhar, conhecido como bônus demográfico. Então, além de não termos o investimento, também não teremos material humano para crescer. Uma saída seria aumentar a produtividade, mas não estamos nesse caminho. A gente faz péssimas escolhas, há muito tempo. Brasil e Japão tinham a mesma produtividade nos anos 1960. O Japão disparou e nós ficamos. Nos anos 1980, Brasil e Coreia do Sul tinham a mesma produtividade. A Coreia disparou, nós ficamos. E agora a China está nos ultrapassando. Se o Brasil fosse um país rico, poderia se conformar em crescer só um pouquinho e manter sua riqueza. Mas não. O Brasil é um país medianamente pobre. Então nós vamos ficar velhos e pobres. Estamos fazendo uma escolha trágica.”

Reforma impopular

“Eu nunca vi uma reforma da Previdência em que a população saia batendo palmas. Quando você tira o privilégio de alguém, para ele é uma perda. Ele é eleitor, ele vai para a rua. Mas o filho dele, o neto que ainda vai nascer, que seriam beneficiados por uma reforma, eles não têm voz, não têm expressão. Então, entre os que se manifestam, a grande maioria é contra uma reforma. Entretanto ela tem de ser feita. Se você fizer uma consulta popular entre as crianças de três a cinco anos que precisam tomar injeção para combater uma infecção, tenho certeza de que 99% vão dizer que não querem. Mas um pai ou mãe responsável, a despeito da opinião dos filhos, vão aplicar a injeção, se é esse o tratamento recomendado.”

A Previdência nas eleições

“Vamos ouvir muito discurso evasivo, populista, irresponsável durante a campanha eleitoral. Acho difícil que um candidato tenha chance de vitória falando que vai fazer uma reforma previdenciária. Por mais certo que esteja, ele tende a perder voto. O próprio presidente Lula, durante a campanha de 2002, jamais falou de reforma da Previdência. E no entanto, no primeiro ano de governo, ele fez uma reforma no setor público, que é base eleitoral dele.”