O combate à corrupção é um dos discursos que levaram o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) a se eleger presidente da República no último domingo (28). E a expectativa até agora é otimista em relação ao cumprimento dessa promessa. A grande cartada de Bolsonaro é o convite feito a Sergio Moro, o juiz da Lava Jato em Curitiba, para assumir o Ministério da Justiça. Ele tem encontro marcado com o presidente eleito na manhã desta quinta-feira (1º), no Rio de Janeiro. Apesar das evidências, a interlocutores, Moro teria dito que “não há nada decidido” - o novo governo teria sinalizado com a criação de um plano anticorrupção e contra o crime organizado, um pedido do magistrado.
A pasta deve ganhar status de superministério, acumulando as funções de Justiça, Segurança Pública, Transparência e Controladoria-Geral da União, e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), este último hoje ligado ao ministério da Fazenda. Ou seja, se aceitar o posto, o juiz também terá a responsabilidade de chefiar o combate à criminalidade – outra bandeira da campanha de Jair Bolsonaro.
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Em nota, o magistrado se disse honrado com a indicação e que pensaria no assunto. A colunista Sonia Racy, do jornal O Estado de S. Paulo, já dá como certo que Moro aceitará o convite. Por sua atuação judicial, o juiz é visto como linha-dura. Partiram dele decisões que levaram à cadeia figuras importantes da política e do meio empresarial, como Lula, Marcelo Odebrecht e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.
O prestígio do juiz da Lava Jato reforçaria o discurso do presidente eleito de combater a corrupção. Perguntado sobre a possível nomeação de Moro, com quem trabalhou durante os anos de operação Banestado e Lava Jato, em Curitiba, o procurador da República Carlos Fernando Lima disse que não imagina “facilmente” a transição de Moro para um cargo no governo Bolsonaro.
“O cargo de ministro da Justiça é administrativo, implicaria na saída dele da carreira de magistrado. Já é uma decisão muito mais complexa e difícil porque um juiz como ele está acostumado a ter uma intendência e uma atuação distante de qualquer tipo de atuação politica. E quando se vai para o Executivo você passa a ser o executor das ordens do presidente, é uma situação muito difícil”, ponderou o procurador.
Caso Moro aceite o cargo, vai precisar abrir mão da carreira de juiz e pedir exoneração ao Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4). Se Bolsonaro resolver juntar novamente os Ministérios da Justiça e da Segurança Pública, Moro passaria de juiz da Lava Jato para chefe dos investigadores. O movimento pode dar força ao discurso petista de perseguição política a líderes do partido.
Prova de fogo
Apesar da possível nomeação de Moro para o ministério, o discurso anticorrupção de Bolsonaro passará por pelo menos um teste já no ano que vem. Em setembro termina o mandato da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ela pode ser reconduzida ao cargo por mais dois anos pelo presidente, mas Bolsonaro já deu indicativos de que não pretende mantê-la no cargo. Em abril deste ano, Dodge denunciou Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo crime de racismo.
Tradicionalmente, o nome do procurador-geral é escolhido pelo presidente com base em uma lista tríplice elaborada pelo Ministério Público, mas Bolsonaro já disse que “não se compromete” a fazer a indicação desta forma. Caso queira indicar outro nome – o que é permitido pela Constituição –, o presidente eleito pode comprar briga com os procuradores e fragilizar o discurso de combate à corrupção.
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“Eu creio que obviamente seria importante que ele observasse a lista tríplice oferecida pela classe. Essa é uma tradição recente que vem do governo do PT e creio que deve ser assumida como costume constitucional no Brasil”, disse o procurador Carlos Lima, que deixou há pouco tempo as investigações da Lava Jato em Curitiba. “Voltar ao período dos engavetadores-gerais da República não é conveniente. Qualquer nome que esteja fora dessa lista já vai entrar com essa pecha”, ressalta.
Ainda durante a campanha, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, criticou Bolsonaro por não se comprometer em indicar um procurador-geral com base na lista tríplice.
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“Essa posição não se coaduna com quem teve 50 milhões de votos e foi para as ruas obter esse apoio popular dizendo que vai apoiar a Lava Jato e o combate à corrupção. Um dos pilares de ter funcionado bem a Lava Jato é a independência do MPF. Não existe independência do MPF com essa conceituação que foi colocada pelo deputado”, declarou em entrevista à Folha de S. Paulo. Interlocutores próximos a Bolsonaro dizem que ele pode optar por um nome da Justiça Militar para o cargo.
O procurador-geral da República tem, entre suas atribuições, investigar e processar autoridades com prerrogativa de foro – inclusive o presidente da República. Durante seu mandato como procurador-geral, Rodrigo Janot enviou à Câmara duas denúncias contra o presidente Michel Temer (MDB), por exemplo. As duas foram afastadas pelos deputados e só devem voltar a tramitar na Justiça quando Temer perder a prerrogativa de foro.
Medidas contra a corrupção
Aliada à troca no comando do Poder Executivo está a taxa alta de renovação no Congresso. A Câmara dos Deputados teve a maior renovação em 16 anos (47,3%). Para Lima, é fundamental que novas medidas de combate à corrupção sejam discutidas no Congresso Nacional a partir do ano que vem.
“Em termos de combate à corrupção, a gente espera um avanço significativo na parte legislativa. Nós sabemos que o futuro ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni (DEM) foi o relator das 10 Medidas Contra a Corrupção e creio que agora uma das pautas mais importantes desse governo são justamente medidas contra a corrupção”, diz o procurador.
“Agora é esperar para ver o empenho do Executivo nessas propostas”, ressaltou. O procurador diz esperar que propostas legislativas de combate à corrupção sejam discutidas já no começo da próxima legislatura. “Espero que logo de início, mesmo porque todo governo tem um período de lua de mel [com o Congresso] e não é, necessariamente, extenso”, diz.
Entre as medidas mais urgentes para o combate à corrupção, Lima cita três: o fim do foro privilegiado, uma reforma política que aumente a transparência e a democracia interna nos partidos políticos, e o aperfeiçoamento dos acordos de leniência – espécie de delações premiadas realizadas por pessoas jurídicas.
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