O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem uma nova obsessão: aprovar o que chama de PEC do Pacto Federativo. O objetivo da emenda constitucional – que ainda não tem prazo para ser apresentada oficialmente, mas é frequentemente citada pelo ministro – é acabar com as amarras do Orçamento Federal para permitir que os políticos decidam o que fazer com o dinheiro público arrecadado e destinado ao pagamento de despesas correntes e investimentos.
A ideia já havia sido cogitada pelo próprio ministro como um “plano B” em caso de não aprovação da reforma da Previdência, mas agora é apontada como uma das prioridades do governo. O problema é que sozinha, sem aprovação da reforma da Previdência e de outras medidas econômicas, a proposta não deve trazer crescimento econômico no curto prazo, nem mesmo alterar muito a forma como o dinheiro público é aplicado.
A ideia do ministro era que a proposta de emenda constitucional (PEC) do Pacto Federativo começasse a tramitar “o mais rápido possível”, segundo entrevista dada ao jornal O Estado de S. Paulo . Mas Guedes recuou e afirmou que quem dará o “timing” de envio do projeto serão os próprios políticos.
O ministro foi criticado, inclusive pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por querer colocar dois projetos tão complexos tramitando ao mesmo tempo no Congresso. E foi recomendado a esperar o avanço da reforma da Previdência.
A proposta, porém, segue guardada no bolso de Guedes para ser apresentada no momento mais oportuno, afirmou o próprio ministro na quarta-feira (13), em discurso na cerimônia de transmissão de cargo para o novo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. “Já somos maduros o suficiente para descarimbar o dinheiro”, disse Guedes.
Entenda o que é a PEC do Pacto Federativo
A nova PEC vai propor desfazer as chamadas “amarras” do Orçamento Federal. O objetivo é acabar as receitas vinculadas (que têm destino determinado) e com as despesas obrigatórias (as obrigações de pagar determinada despesa ou destinar determinada verba a uma área específica, como saúde e educação), além de desindexar o Orçamento (despesas com correção automática atrelada à inflação ou ao reajuste do salário mínimo). Também deixaria a cargo do Congresso e de governadores e prefeitos a definição sobre como alocar as receitas e pagar as despesas.
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Com isso, os parlamentares teriam de decidir todo ano o destino de todos os orçamentos da União, estados e municípios. “São os representantes do povo reassumindo o controle orçamentário. É a desvinculação, a desindexação, a desobrigação e a descentralização dos recursos das receitas e das despesas”, afirmou Guedes ao Estadão.
Justificativas do ministro
O ministro disse que a medida é necessária diante da dificuldade financeira dos estados. Ele também afirmou que quer “devolver o protagonismo orçamentário” para a classe política, que hoje tem “muitos privilégios, aposentadoria, salários, estabilidade, assessoria, moradia, uma porção de coisas”, mas “sem atribuições nem obrigações”.
Guedes disse, ainda, que os “governadores e prefeitos estão desesperados” por recursos. A proposta também cumpriria com a promessa de campanha de “mais Brasil, e menos Brasília”, delegando aos políticos e governadores o poder de montar o Orçamento, hoje uma função do Executivo.
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“Os políticos vão entender que, em vez de discutir R$ 15 milhões ou R$ 5 milhões de emendas, vão discutir R$ 1,5 trilhão de orçamento da União, mais os orçamentos dos municípios e dos Estados”, ressaltou o ministro na entrevista ao Estadão.
Por que a medida não pode funcionar
1. O aspecto político
A medida, porém, pode não funcionar. Primeiro, porque ela pode acabar não sendo aprovada, o que geraria um desgaste grande para a imagem do governo. Como se trata de uma PEC, precisa de aprovação de três quintos dos deputados e senadores, em votações em dois turnos nas duas Casas.
O senador Esperidião Amin (PP-SC), líder do bloco formado por PP-MDB-PRB, afirma que o ministro está jogando todo o ônus da decisão orçamentária para a classe política. “A proposta de conceder ao parlamento a autoridade e a responsabilidade plena sobre o Orçamento tem o viés nítido do parlamentarismo. Isso é próprio do sistema parlamentarista. E nós vivemos no mundo do presidencialismo”, afirmou o senador à Gazeta do Povo.
“Em nome do pacto federativo, estão sendo plantadas duas ideias controvertidas [a desvinculação e a descentralização do Orçamento]. Ele [Paulo Guedes] não faria isso se o país estivesse em uma situação econômico-financeira satisfatória. Mas como todo ano falta dinheiro para completar o Orçamento, ele decide passar o ônus para o Congresso”, completa Amin.
O líder da Oposição na Câmara, Deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), afirma que a “equipe econômica de Bolsonaro propõe isso em troca de votos para aprovar sua reforma da previdência”. “É uma dupla covardia”, completa o deputado.
Em outras palavras, enquanto o ministro Guedes defende estar devolvendo ao Parlamento seu protagonismo, parte dos parlamentares entende que a PEC na verdade joga um problema na mão deles.
Nem aliados do governo parecem muito animados. O líder do PSL – partido de Bolsonaro – no Senado, Major Olímpio (SP), sinalizou não estar alinhado à agenda de Guedes. Antes do recuo do ministro em relação ao prazo para enviar a proposta, o senador declarou que a prioridade da Casa no primeiro semestre são os projetos na área de segurança pública e combate à corrupção, e não a pauta econômica.
A ideia também pode dar errado do ponto de vista político se a PEC for apresentada durante a tramitação da reforma da Previdência, como queria Guedes. A revisão do pacto federativo pode contaminar o debate sobre a reforma da Previdência, a prioridade número 1 do governo.
“A questão é: faz sentido entrar isso agora? Estamos discutindo uma reforma da Previdência que não é trivial, que tem toda uma dificuldade por trás, que não é uma reforma pequena, que não é popular. Guedes colocar isso [a PEC do Pacto Federativo] como questão adicional de discussão agora neste semestre me parece um pouco fora de propósito”, disse Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, à Gazeta do Povo.
Ele acrescenta que, como a ideia de mexer no Orçamento havia sido ventilada pelo próprio ministro como um “plano B” em caso de não aprovação da reforma da Previdência, há uma contradição em colocar agora como um segundo plano A. “Dá ideia de uma falta de fé na [aprovação da reforma da] Previdência.”
Na terça (12), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, declarou ter receito de que governadores e prefeitos deixem de lado a articulação pela reforma e se concentrem na desvinculação. “Para um governador, desvincular o Orçamento do seu estado talvez resolva o problema dos quatro anos dele. E ele possa abrir mão da [reforma da] Previdência”, disse Maia.
“Só tenho medo que alguns foquem num tema e esqueçam o outro. No pacto federativo, eu acho que os parlamentares pensam em outra equação. A equação é: tirar recursos federais e jogar para estados e municípios. Você não consegue fazer isso se você não aprovar a [reforma] da Previdência, não aprovar uma nova reforma administrativa, reduzindo custo no Executivo, no Legislativo, no Ministério Público”, disse.
2. O aspecto econômico
Do ponto de vista econômico, a medida também pode não surtir o impacto necessário. Economistas e políticos concordam que o Orçamento Federal é muito engessado e que precisa de mudanças para dar mais liberdade para alocação de recursos em despesas que não são obrigatórias.
O problema é que descentralizar e desvincular o Orçamento não vai necessariamente liberar mais dinheiro. Os políticos vão ter de continuar destinando recursos para pagar os aposentados e os servidores. Existindo ou não vinculação formal dessas despesas, elas terão de ser pagas de qualquer forma. E a Previdência e o funcionalismo são os gastos que mais consomem caixa da União, estados e municípios.
Em 2018, por exemplo, o governo federal destinou R$ 586 bilhões ao INSS e R$ 298 bilhões ao funcionalismo (aqui incluídas as pensões e aposentadorias de servidores). Juntas, essas duas rubricas consumiram 65% de toda a despesa primária federal (aquela que não tem relação com a dívida pública), que foi de R$ 1,35 trilhão.
Se incluídos na conta despesas como abono salarial, seguro-desemprego e BPC (um benefício assistencial), o comprometimento chega a 74% da despesa primária. Mesmo que Paulo Guedes “desengesse” o Orçamento, o governo continuará tendo de fazer esses pagamentos. Se não o fizer, fatalmente será obrigado pelo Judiciário.
Fora aposentadorias, pensões e salários, as despesas que mais consomem o caixa dos governos são os gastos mínimos constitucionais exigidos para saúde e educação e despesas com benefícios assistenciais e subsídios. Tirando os subsídios, são todos gastos difíceis de cortar pelo caráter popular.
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“É ilusório você achar que vai ter uma desvinculação total e os gastos não vão precisar mais serem feitos do jeito que são feitos hoje. Você vai ter que definir uma parte do Orçamento para pagamento da Previdência, do funcionalismo e um gasto minimamente estável para educação e saúde. Tem uma estrutura que é naturalmente engessada e não tem muito como mudar. Não é como o setor privado que você pode fechar uma fábrica, demitir quando você quiser”, explica o economista Sérgio Vale.
Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, diz que "não adianta dizer que dá noite para o dia que vai desengessar X ou Y do Orçamento". Ele afirma que é preciso ter também um "plano de revisão de gastos" para que as mudanças no Orçamento surtam efeito.
Sergio Vale diz que, do ponto de vista de crescimento econômico, seria mais importante o governo começar a pensar em outra reforma: a tributária. O economista diz que as reformas tributárias e previdenciária são as duas medidas com maior potencial para fazer a economia crescer. Uma terceira medida seria a reforma do Estado, com mudanças na regra do funcionalismo.
“Faz algum sentido econômico neste momento desvincular o Orçamento, sendo que a gente precisa de outras questões mais relevantes? Essa é uma questão que é importante”, ressalta Vale.
Outro crítico da PEC do Pacto Federativo é o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman. “Para mim, é palavreado vazio, até que o ministro diga concretamente a tradução disso em termos de medidas econômicas. Primeiro, acho que essa medida não passaria. Em segundo lugar, hoje, mais de 80% das receitas líquidas do governo vão para a Previdência, gastos com pessoal, BPC e abono. Assim, eliminar vinculações ajudaria pouco”, disse ele ao jornal “O Estado de S. Paulo”. “O problema maior não vem das vinculações, mas do peso da Previdência e dos gastos com pessoal.”
Entenda a problema por trás do Orçamento
Atualmente, o Orçamento Federal tem dois tipos de despesas. As obrigatórias precisam ser necessariamente pagas, mesmo que a União não tenha dinheiro e precise se endividar para isso. Elas englobam gastos com folha de pagamento, Previdência, saúde, educação, subsídios, subvenções, abono, seguro-desemprego e benefícios assistenciais. A obrigação de pagamento está prevista na Constituição ou em leis específicas.
Há, ainda, as receitas vinculadas, ou seja, arrecadações que têm um destino já definido, normalmente para alguma despesa obrigatória, e despesas que são indexadas – precisam ser reajustadas automaticamente a partir de um indicador, normalmente inflação ou salário mínimo.
As despesas discricionárias, por sua vez, são os gastos com investimento e custeio da máquina pública (alugueis, luz, etc.). O governo tem a liberdade sobre decidir quanto e como gastá-los. Mas é uma liberdade limitada: se o governo não pagar a conta de luz de prédios e instalações públicas, por exemplo, em pouco tempo a máquina pública estará paralisada.
O problema no Orçamento é que ele ficou muito engessado, ou seja, muitas receitas têm destino específico e a grande maioria das despesas são obrigatórias. Com isso, sobra pouco dinheiro para os gastos discricionários.
Segundo dados do Tesouro Nacional, 89,52% das despesas da União em 2018 eram obrigatórias. Além das já citadas folha de pagamento, Previdência e benefícios sociais (como BPC, abono salarial e seguro-desemprego), entram nessa conta despesas com saúde, educação, subsídios e subvenções. Somente 10,48% das despesas da União em 2018 eram discricionárias – e dentro desse porcentual também estão os gastos com custeio da máquina, que não são obrigatórios, mas necessários para funcionamento do governo.
O Orçamento chegou a esse ponto tanto pelas regras impostas ao longo do tempo, com mínimos constitucionais e vinculações, quanto pelo descontrole das contas públicas, com o governo gastando mais do que arrecada.
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