Responsável pela condução dos processos da Lava Jato em primeira instância na Justiça Federal de Curitiba, o juiz Sergio Moro não costuma se manifestar sobre os casos que julga através da imprensa. O magistrado, porém, não deixa de emitir sua opinião e de dar “puxões de orelha” nos envolvidos no escândalo da Petrobras. Para isso, Moro costuma usar as sentenças dos processos que conduz para mandar recados e ressaltar sua posição sobre os casos julgados. A Gazeta do Povo separou 12 momentos em que isso ocorreu nas 30 sentenças publicadas por Moro até agora na Lava Jato. Veja:
1- Situação das contas no Rio de Janeiro
Em uma das sentenças mais recentes, que condenou o ex-governador do Rio de Janeiro a 12 anos de prisão, Moro afirmou que seria uma “afronta” aos cidadãos daquele estado permitir que o político recorresse da sentença em liberdade, devido à “ruína das contas públicas do governo do Rio de Janeiro”.
“Constituiria afronta permitir que os condenados persistissem fruindo em liberdade do produto milionário de seus crimes, inclusive com aquisição, mediante condutas de ocultação e dissimulação, de novo patrimônio, parte em bens de luxo, enquanto, por conta de gestão governamental aparentemente comprometida por corrupção e inépcia, impõe-se à população daquele Estado tamanhos sacrifícios, com aumento de tributos e cortes de salários e de investimentos públicos e sociais. Uma versão criminosa de governantes ricos e governados pobres.”
2 - Responsabilidade
Moro também deu um puxão de orelha duas vezes no ex-deputado federal André Vargas, condenado em dois processos da Lava Jato em Curitiba até agora.
“A responsabilidade de um Vice-Presidente da Câmara é enorme e, por conseguinte, também sua culpabilidade quando pratica crimes.”
Moro usou essa justificativa para aumentar a pena inicialmente imposta ao ex-parlamentar nos dois processos. Vargas era vice-presidente da Câmara dos Deputados quando foi cassado pelos colegas por quebra de decoro parlamentar por envolvimento com o doleiro Alberto Youssef.
3 - Vargas erguia o punho e recebia propina
Nas duas sentenças envolvendo André Vargas, Moro também relembrou o célebre episódio da abertura do ano legislativo de 2014, quando Vargas ergueu o punho em uma sessão do Congresso para protestar contra a prisão a condenação de José Dirceu e outros petistas. Ele fez o gesto quando estava ao lado do então ministro Joaquim Barbosa, relator do julgamento do mensalão.
“Rememoro aqui o gesto de afronta do condenado ao erguer o punho cerrado ao lado do então Presidente do Supremo Tribunal Federal, o eminente Ministro Joaquim Barbosa, na abertura do ano legislativo de 2014, em 04/02/2014, e que foi registrado em diversas fotos”, disse Moro. “O parlamentar, como outros e talvez até mais do que outros, tem plena liberdade de manifestação. Protestar contra o julgamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470 é algo, portanto, que pode e deveria ter sido feito por ele ou por qualquer um, muito embora aquela Suprema Corte tenha agido com o costumeiro acerto. Entretanto, retrospectivamente, contata-se que o condenado, ao tempo do gesto, recebia concomitantemente propina em contratos públicos por intermédio da Borghi Lowe”, justificou Moro.
“Nesse caso, o gesto de protesto não passa de hipocrisia e mostra-se retrospectivamente revelador de uma personalidade não só permeável ao crime, mas também desrespeitosa às instituições da Justiça.”
4 - Cunha traiu a confiança do povo
Na sentença que condenou o ex-deputado federal Eduardo Cunha a 15 anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, Moro criticou sua influência no Governo Federal. Segundo Moro, Cunha utilizou seu poder e influência como parlamentar “não para o fiel desempenho de suas funções, de legislar para o bem comum ou de fiscalizar o Poder Executivo, mas sim para enriquecer ilicitamente”.
O magistrado também criticou Cunha pelo recebimento de propinas enquanto ocupava o cargo de deputado federal.
“Não pode haver ofensa mais grave do que a daquele que trai o mandato parlamentar e a sagrada confiança que o povo nele deposita para obter ganho próprio.”
5 - Tentativa de intimidação
Na mesma sentença, Moro não deixou barato o que interpretou como tentativa de Cunha de intimidar o presidente Michel Temer, arrolado como testemunha de defesa no processo. “O condenado, mesmo preso preventivamente e respondendo à presente ação penal, buscou intimidar e constranger o Exmo. Sr. Presidente da República e com isso, aparentemente, provocar alguma espécie de intervenção indevida da parte dele em favor do preso”, lembrou Moro. Segundo o magistrado, Cunha continuou com o modus operandi de extorsão, ameaça e chantagem para tentar se livrar da condenação.
Moro também repreendeu o ex-deputado e usou como argumento para a manutenção da prisão o fato do parlamentar ter usado o cargo de presidente da Câmara dos Deputados para tentar evitar sua cassação – motivo que levou ao afastamento do mandato a mando do STF.
6 - Mensalão e Petrolão
Nas sentenças, Moro também classificou como “perturbador” o fato de réus da Lava Jato terem recebido propina do esquema ao mesmo tempo em que eram julgados no Mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal. No caso de uma das sentenças que em que condenou o ex-ministro José Dirceu, por exemplo, Moro escreveu: “O mais perturbador, porém, em relação a José Dirceu de Oliveira e Silva consiste no fato de que praticou o crime inclusive enquanto estava sendo processado e julgado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470, havendo registro de recebimento de propina, no presente caso, até pelo menos 23/07/2012”.
O mesmo argumento foi usado para aumentar as penas de Pedro Correa e João Cláudio Genu.
“Nem o processo e o julgamento pela mais Alta Corte do País representou fator inibidor da reiteração criminosa, embora em outro esquema ilícito.”
Esse trecho foi utilizado nas três sentenças contra Dirceu, Genu e Correa.
7 - Profissionais de marketing: cuidado!
Ao condenar os marqueteiros João Santana e Mônica Moura na Lava Jato, Moro fez um alerta aos demais profissionais da área: saibam de onde vem o dinheiro para pagar pelos serviços de marketing.
“Está na hora de profissionais do marketing eleitoral assumirem a sua parcela de responsabilidade por aceitarem receber dinheiro não-registrado e de origem e causa criminosa em campanhas eleitorais.”
8 - Prejuízo à democracia
Em algumas sentenças, Moro argumentou que a conduta dos réus trouxe prejuízo à democracia para aumentar a pena dos condenados.
“A corrupção também gerou impacto no processo político democrático, contaminando-o com recursos criminosos, o que reputo especialmente reprovável. Talvez seja essa, mais do que o enriquecimento ilícito dos agentes públicos, o elemento mais reprovável do esquema criminoso da Petrobras, a contaminação da esfera política pela influência do crime, com prejuízos ao processo político democrático”, disse o magistrado.
“A corrupção com pagamento de propina de milhões de dólares e tendo como consequência a afetação do processo político democrático merece reprovação especial.”
O argumento foi usado nas sentenças de João Santana e Mônica Moura, e na sentença referente à corrupção na Diretoria de Serviços da Petrobras.
9 - Obstrução da Justiça
O ex-senador Gim Argello foi denunciado pelo MPF por cobrar propina para impedir que empresários fossem convocados a depor na CPMI da Petrobras no Congresso. Ao sentenciar o ex-parlamentar, Moro deu um puxão de orelha pela atuação dele na CPMI.
“O condenado, ao invés de cumprir com seu dever, aproveitou o poder e oportunidade para enriquecer ilicitamente, dando continuidade a um ciclo criminoso.”
Moro ainda considerou um agravante o fato de as propinas terem sido usadas no processo eleitoral de 2014.
10 - Ousadia
Ao condenar o publicitário Ricardo Hoffmann a 12 anos de prisão, Moro destacou a ousadia ao corromper o então vice-presidente da Câmara dos Deputados, André Vargas – também condenado no mesmo processo. “A culpabilidade do acusado deve ser valorada negativamente, uma vez que corrompeu não somente um parlamentar federal, mas também o vice-presidente da Câmara dos Deputados, o que representa elevada ousadia e desprezo à lei”, disse Moro.
11 - Sociedade não deveria correr o risco de ter criminosos como parlamentares
Ao condenar o ex-deputado federal Luiz Argolo na Lava Jato, Moro reforçou a necessidade de manter a prisão do político para impedir que ele pudesse assumir eventualmente um mandato na Câmara dos Deputados novamente.
“A necessidade da prisão cautelar decorre ainda do fato de João Luiz Argolo ter sido eleito como suplente de deputado federal. Em liberdade, pode, a depender das circunstâncias, assumir o mandato parlamentar, o que seria intolerável. Não é possível que pessoa condenada por crimes possa exercer mandato parlamentar e a sociedade não deveria correr jamais o risco de ter criminosos como parlamentares.”
12 - Recomendação a empreiteiras
Ao sentenciar os executivos de empreiteiras envolvidos no escândalo da Pterobras, Moro aconselha as empresas a procurarem o MPF e outros órgãos responsáveis por acordos de leniência para “acertar sua situação junto aos órgãos competentes”.
“Este Juízo nunca se manifestou contra acordos de leniência e talvez sejam eles a melhor solução para as empresas considerando questões relativas a emprego, economia e renda.”
“Como consignei anteriormente, o Grupo Odebrecht, por sua dimensão, tem uma responsabilidade política e social relevante e não pode fugir a elas, sendo necessário, como primeiro passo para superar o esquema criminoso e recuperar a sua reputação, assumir a responsabilidade por suas faltas pretéritas. A iniciativa depende muito mais da Grupo Odebrecht do que do Poder Público”, disse Moro em uma das sentenças, referente a executivos da Odebrecht.
O mesmo trecho também pode ser encontrado nas sentenças de executivos da Engevix, Galvão Engenharia, Mendes Junior, OAS e Camargo Correa.
*Bônus: Homenagem a Teori Zavaski
Não são apenas puxões de orelha que podem ser encontrados nas sentenças de Moro na Lava jato. Na sentença referente ao processo do ex-deputado federal Eduardo Cunha, por exemplo, o magistrado aproveitou a oportunidade para homenagear o falecido ministro do Supremo tribunal Federal e relator da Lava Jato na Corte, Teori Zavaski.
Moro afirmou na sentença que o “legado de independência e de seriedade do Ministro Teori Zavaski não será esquecido”.
“A presente sentença e a prisão consequente de Eduardo Consentino da Cunha constituem apenas mais uma etapa de um trabalho que foi iniciado e conduzido pelo eminente Ministro Teori Zavaski.”
Moro ainda destacou a importância da decisão de Zavaski de afastar Cunha da presidência da Câmara e o mérito da Casa, que posteriormente cassou o mandato do parlamentar. “Necessário reconhecer também o mérito posterior da própria Câmara dos Deputados que, sucessivamente, cassou o mandato parlamentar de Eduardo Consentino da Cunha”, disse Moro.
Zavaski era relator da Lava Jato no STF, mas em janeiro deste ano faleceu em um acidente de avião em Angra dos Reis. O acidente ocorreu na mesma época em que Zavaski trabalhava mesmo no recesso judiciário para analisar a colaboração premiada dos executivos da Odebrecht, que acabou sendo homologada pela presidente da Corte, Carmen Lúcia, após sua morte.
Julgamento do Marco Civil da Internet e PL da IA colocam inovação em tecnologia em risco
Militares acusados de suposto golpe se movem no STF para tentar escapar de Moraes e da PF
Uma inelegibilidade bastante desproporcional
Quando a nostalgia vence a lacração: a volta do “pele-vermelha” à liga do futebol americano