Desde a deflagração da Lava Jato, em 2014, a operação já foi alvo de diversas ameaças e tentativas de abafar as investigações. Quase quatro anos depois, a força-tarefa em Curitiba continua com o alerta ligado em relação a possíveis decisões no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso Nacional que podem interferir nos casos investigados. Assuntos como prisão preventiva, colaboração premiada, foro privilegiado e prisão após condenação em segunda instância são acompanhados com atenção pelo Ministério Público Federal.
Para o procurador Carlos Fernando Lima, que atua desde o início das investigações na força-tarefa, os pontos mais cruciais são a restrição ao foro privilegiado e a prisão após condenação em segunda instância. Os dois assuntos estão no radar dos ministros do STF.
Foro privilegiado
Em relação ao foro, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, incluiu na pauta do dia 23 de novembro a ação que discute o alcance do foro privilegiado para políticos na corte. Até agora, quatro magistrados se manifestaram a favor de restringir o foro no tribunal.
Para Lima, se o STF seguir o entendimento do ministro Luis Roberto Barroso, relator do caso, de que a prerrogativa de foro no caso de parlamentares só vale para crimes cometidos após a diplomação, haveria um impacto positivo para a Lava Jato, com uma enxurrada de processos saindo do STF, onde a tramitação é mais lenta e complexa, para a primeira instância. “Muitos dos delitos que estão sendo investigados de corrupção são de fatos anteriores ao presente mandato, então deveriam, se prevalecida a tese [do Barroso], vir para o primeiro grau, o que geraria um boom nas investigações”, explica.
Especialistas acreditam que, por envolver uma previsão constitucional, o ideal seria que qualquer mudança partisse do Congresso Nacional, através de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Para o doutor em Direito Constitucional pela UFPR, Paulo Schier, a prerrogativa de foro, apesar de ser um instrumento democrático, não é cláusula pétrea e poderia ser alterada. “As imunidades parlamentares poderiam ser revistas. Não seria necessariamente bom para a democracia, mas poderiam ser revistas. Teria que ser o próprio Congresso Nacional através de emenda constitucional”, analisa.
“Me parece que hoje, obrigatoriamente, é necessário uma reforma à Constituição. O que o Supremo pode dizer é que só tem prerrogativa de foro para os crimes cometidos após a diplomação”, diz o doutor em direito e professor da PUC-PR Flavio Pansieri.
Há uma emenda constitucional, de autoria do senador Alvaro Dias (Podemos-PR), já foi aprovada pelo Senado e aguarda tramitação na Câmara dos Deputados. Para Lima, porém, é pouco provável que a pauta avance no Congresso. “Decidir pela manutenção do foro é uma decisão extremamente impopular, e decidir pela extinção do foro é uma decisão extremamente complexa”, analisa.
“Este medo que os políticos têm do Judiciário, eu me pergunto então porque eles deixam o cidadão comum nas mãos desse juiz, desse promotor. Para ele não serve, mas para o resto da população serve? Não entendo essa lógica”, provoca o procurador do MPF.
Prisão em segunda instância
Para Lima, outro ponto crucial para a Lava Jato é a manutenção do entendimento do Supremo de que a execução da pena pode acontecer a partir de uma decisão em segunda instância, por um colegiado. “Nós não queremos simplesmente processar as pessoas, o objetivo do Ministério Público é fazer com que as pessoas paguem pelos seus crimes conforme a lei. E, para pagar, precisamos aplicar as penas da lei”, diz.
Para especialistas, o STF errou ao mudar o entendimento sobre a execução da pena, já que a Constituição diz que a pena só pode ser executada após o trânsito em julgado da ação, o que ocorre depois de esgotados todos os recursos.
Para Pansieri, qualquer mudança nesse sentido deveria vir através de uma PEC, no Congresso. “Isso seria uma reforma constitucional que deveria vir por emenda à Constituição. Essa seria uma forma adequada para que você pudesse iniciar o cumprimento da pena já a partir da decisão em segundo grau e que não afrontaria a Constituição Federal”, diz.
“Isso representa uma violação em termos de direitos fundamentais que, não tendo reação, abre as portas para outras barbaridades, outras interpretações mais flexíveis em relação a Constituição”, alerta Schier.
Para Lima, caso o entendimento atual do STF mude, seria criada uma lógica perversa em relação aos delatores no país. “No Brasil, pune-se aquele que colabora e isso acontece com as empresas também, nas leniências que nós fazemos”, diz o procurador.
Delação premiada
As delações premiadas também podem sofrer alterações que podem impactar na Lava Jato. O instituto da colaboração premiada tem sido amplamente utilizado no Brasil e acabou virando alvo preferido dos políticos depois das trapalhadas do ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, em relação ao acordo dos executivos da J&F. Os principais delatores acabaram presos e um ex-procurador da equipe de Janot está sendo investigado por ter atuado em nome da J&F antes de ser exonerado do Ministério Público.
“Parece que, após esse primeiro momento, nós precisamos refletir se o modelo brasileiro é ou não o mais adequado. Por exemplo, na Espanha não é possível se fazer a delação premiada com o sujeito preso, ele tem que estar em liberdade”, sugere Pansieri.
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Para Lima, essa restrição é inconstitucional. “O que eu estranho é que os criminalistas não tenham gritado contra a medida porque a colaboração é uma forma de se defender. Para nós é um auxílio à investigação, mas para eles é uma forma de se defender. Se você restringe a oportunidade de defesa você está restringindo um direito da cidadania”, diz o procurador.
Em entrevista à Gazeta do Povo, em junho, o advogado Adriano Bretas também defendeu que a colaboração premiada é um direito subjetivo do réu e não poderia ter esse tipo de restrição.
Schier, porém, faz uma outra consideração em relação ao uso das delações. Para ele, há um excesso no uso do instituto na Lava Jato. “É preciso ressaltar que apesar de [o instituto da delação] ter sido recepcionado [na legislação] sempre sofreu muitas críticas porque gera uma mercantilização do processo penal, ele transforma o processo penal e as garantias processuais em um mercado”, diz. “Acaba fomentando um processo inquisitorial. A partir do momento em que tem a delação você não vai formar os processos de prova como um todo, mas os juízes e Ministério Público vão buscar provas especificas para confirmar uma delação”, completa.
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Para Pansieri, uma eventual proibição de que presos possam fazer acordos aliada a uma mudança no entendimento do STF sobre a prisão após decisão em segunda instância teria impactos negativos na Lava Jato e em outras investigações criminais.
“Se mudarmos a interpretação quanto a prisão em segundo grau e não permitirmos mais a delação premiada para aqueles que estão presos preventivamente, nós efetivamente teremos a derrocada do modelo hoje vigente, porque certamente ninguém mais fará delação premiada para nada. O sujeito faz a delação não tanto pela prisão preventiva que ele cumpre, mas sim, após a análise das provas que existem contra ele, pela convicção da condenação e do cumprimento da pena em regime fechado”, diz o especialista.
Prisão preventiva
Lima também destaca que é importante prestar atenção no Congresso Nacional para evitar uma medida que pode prejudicar a Lava Jato: a mudança nos requisitos para a prisão preventiva. Segundo o procurador, há uma movimentação no Legislativo para aprovar uma alteração em que a prisão preventiva só poderia ser utilizada em casos de crimes violentos.
“Você dizer que prisão preventiva é só para crimes violentos, esquece, por exemplo, uma pessoa que está ameaçando uma vítima, mas é colarinho branco. Por que ele pode ameaçar e não ir preso? Que sistema é esse que permite que uma pessoa continue a fazer atos dessa espécie só porque o crime não é violento?”, questiona o procurador.
Os especialistas entendem que pode haver excessos nas prisões preventivas da Lava Jato e, por isso, é preciso discutir o assunto.
“A maior parte das críticas em relação as prisões preventivas na Lava Jato é que elas têm sido utilizadas como instrumento para forçar as pessoas a fazer delação. Primeiro você prende, cria uma situação de constrangimento, de pressão, para estabelecer uma condição desfavorável para o sujeito para forçá-lo a fazer colaboração premiada. Se é verdade, se a prisão preventiva está sendo utilizada dessa forma, temos um desvio do instituto de prisão preventiva, que não serve para isso”, diz Schier.
“Esse é um instrumento utilizado com uma amplitude acima do que eu entendo adequado, mas em especial, em pouquíssimos casos, para além do que se deveria, trazendo constrangimentos reais aos investigados”, argumento Pansieri.
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