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| Foto: Daniel Caron/Gazeta do Povo

A ruidosa decisão da ditadura cubana de romper a parceria que garantia o envio de médicos ao Brasil abriu o caminho para que o governo de transição retomasse o debate em torno de uma proposta da campanha de Jair Bolsonaro (PSL) para a saúde: a criação da carreira de médico de Estado. Essa carreira seria “uma das maneiras que os países têm de fazer uma proposta para essas pessoas poderem ir para os locais de difícil provimento”, como declarou à imprensa no último dia 20 o futuro ministro da Saúde, deputado federal Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS).

A criação da carreira é apresentada no programa que Bolsonaro apresentou à Justiça Eleitoral como um mecanismo “para atender as áreas remotas e carentes do Brasil”. O contraponto com o Mais Médicos, criado em 2013 na gestão de Dilma Rousseff (PT) e marcado pela presença dos médicos cubanos, fica claro – algo que se reforça com outro trecho do programa de Bolsonaro, em que se diz que “nossos irmãos cubanos serão libertados” e que os profissionais “passarão a receber integralmente o valor que lhes é roubado pelos ditadores de Cuba”.

A sugestão, porém, existe desde antes do Mais Médicos. Propostas para a criação da carreira de médico de Estado tramitam pelo Congresso Nacional desde a década passada. Com algumas variações, os textos têm um núcleo comum: a definição de um plano de carreira para médicos contratados pela União que prestariam serviços em municípios por todo o país.

Uma das proposições é assinada por Ronaldo Caiado (DEM-GO), que elaborou o documento – uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) – quando era deputado federal. Atualmente o democrata é senador e, em 1º de janeiro, assume o cargo de governador de Goiás. A inspiração vêm de carreiras jurídicas, como as de promotores e procuradores, que dispõem de bons salários e, com isso, conseguem atrair profissionais de alta capacitação. À Gazeta do Povo, a equipe do futuro ministro Mandetta disse que a proposta que o governo Bolsonaro pretende endossar é similar às que correm no Congresso.

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O tema desfruta de certo grau de unanimidade. “Essa é uma das diretrizes da Comissão Pró-SUS do Conselho Federal de Medicina (CFM). É dessa forma que se consegue levar os médicos para os lugares mais remotos. Além disso, é um encaminhamento para a criação de um sistema de saúde em rede”, apontou o médico Donizetti Giamberardino Filho, membro do CFM e diretor do hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba.

“Para os municípios, a proposta é muito interessante. Até porque pagar os salários dos médicos é o principal problema dos prefeitos”, acrescentou o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Glademir Aroldi. Deputado federal e médico, Geraldo Resende (PSDB-MS) lembrou que quando a PEC elaborada por Caiado começou a tramitar na Câmara, recebeu mais assinaturas do que as 171 obrigatórias para esse tipo de matéria. Resende e Giamberardino afirmaram ainda que, se essa proposta tivesse vigorado no passado, o Mais Médicos não teria sido necessário.

Gaveta

Apesar do consenso, a proposta não conseguiu ser efetivada pelo Congresso. A PEC de Caiado encontra-se paralisada desde 2016 e outras iniciativas similares correm pelo Senado sem burburinho.

O que explica a falta de concretização de uma proposta aparentemente consensual é, resumidamente, a questão orçamentária. Se o Mais Médicos custou R$ 3,1 bilhões apenas em 2017, uma carreira de cunho permanente e instituída em todo o país tende a causar impactos ainda maiores aos cofres públicos.

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“Para que uma proposta como essa vingue é necessário, além da lei, um orçamento específico para a carreira, o que sempre é uma dificuldade. As oposições que surgem ao tema existem apenas por essa ótica. Não são apresentadas propostas alternativas”, disse Giamberardino, do CFM.

Aroldi, ex-prefeito de Saldanha Marinho (RS), lembrou que o Mais Médicos – ainda que alvo de críticas por um viés ideológico e pelo privilégio à contratação de cubanos – acabou sendo aprovado por prefeitos justamente por garantir a presença dos profissionais sem trazer custos às gestões municipais.

Agora vai?

O fato de a criação da carreira dos médicos de Estado figurar no programa de Bolsonaro – bem como o “empurrãozinho” dado pelo governo cubano ao romper com o Mais Médicos – tem ampliado o otimismo quanto à possibilidade de a ideia sair do papel nos próximos anos. “A classe ficou satisfeita com a proposta do presidente eleito, mas ainda espera pra saber direito o que virá”, declarou Giamberardino. “O Mandetta é ‘apaixonado’ por essa sugestão. E o Congresso vai precisar se debruçar sobre isso e apresentar uma alternativa à sociedade”, acrescentou o deputado tucano Resende.

Também médica, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RS) apontou que a proposição dos médicos de Estado “é uma ideia do Congresso, não do Bolsonaro” e que o fato de ela estar na oposição ao presidente eleito não a levaria a votar contra a iniciativa. A parlamentar, no entanto, não crê que o assunto voltará à pauta do Legislativo: “com a PEC do teto [que limita a expansão dos gastos públicos] e a disposição do Paulo Guedes [futuro ministro da Economia] em privatizar tudo, eu acho que isso não entrará em debate”.

Para a aprovação de uma PEC, como a de Ronaldo Caiado, são necessárias duas votações favoráveis, tanto na Câmara quanto no Senado, e em dois casos com o “sim” de dois terços dos parlamentares em ambas as casas.

Principal queixa

A saúde costuma liderar pesquisas de opinião sobre os principais problemas do Brasil. Em junho, o Datafolha identificou que 18% dos brasileiros consideravam a área a pior do país e 41% apontaram que o tema deveria ser a principal prioridade do presidente que venceria as eleições de outubro.

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