O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, quer cortar as amarras do Orçamento federal. Por dois motivos, pelo menos: permitir que o governo tenha mais liberdade para usar o dinheiro público e, antes de mais nada, evitar que Jair Bolsonaro descumpra o teto de gastos já em 2019, primeiro ano de seu mandato.
Se levado adiante, o projeto de Guedes pode afetar gastos em educação e saúde e até o salário mínimo. Também está em estudo uma mudança de regras para turbinar a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que hoje é pouco efetiva.
O plano ganhou força com o impasse em relação à divisão dos recursos a serem arrecadados no megaleilão de áreas do pré-sal, estimados – para alguns, superestimados – em R$ 100 bilhões. O futuro ministro, que tem a meta ousada de zerar o déficit primário do governo já em 2019, contava com esse dinheiro para fechar as contas. Sem a garantia de que ele virá, busca alternativas.
Especialistas em contas públicas apontam há muito tempo a necessidade de “desengessar” o Orçamento brasileiro. Na avaliação do Tesouro Nacional, ele é provavelmente o mais rígido do mundo, com muitas receitas vinculadas (com destino predeterminado), despesas obrigatórias (muitas delas “indexadas”, com correções automáticas relacionadas à inflação, por exemplo) e cada vez menos verba disponível para gastos de livre escolha, como investimentos em obras, por exemplo.
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De acordo com estimativas do Ministério do Planejamento entregues à equipe de transição, cerca de 91% das despesas primárias da União – aquelas que não têm a ver com a dívida pública – são obrigatórias. Sem mudanças nas regras, estimam os técnicos, o porcentual chegará a 93% em 2019, 95% em 2020 e 98% em 2021. Quer dizer: sobrarão apenas 2% de despesas livres, e mesmo nessa minúscula fatia estão gastos que, se interrompidos, vão parar o funcionamento da máquina pública. Coisas como o pagamento das contas de luz e água das instalações públicas.
Para desatar nós, é preciso mudar Constituição. E desagradar muita gente
Desatar esses nós é tarefa complexa. Para desvincular receitas e desindexar despesas, como Guedes defende desde antes da eleição, é preciso mudar a Constituição. E isso exige a aprovação de três quintos dos parlamentares, com dois turnos de votação na Câmara e dois no Senado.
Também não é coisa das mais populares. Pois, no limite, significa liberar o governo para gastar menos em saúde e educação. E permitir que pensões, aposentadorias e outros benefícios fiquem abaixo do salário mínimo, ou, como alternativa, deixar que o salário mínimo aumente menos que a inflação.
O futuro ministro não declara quais são as obrigações que quer remover do Orçamento. O que ele e sua equipe sinalizam é que planejam algo de grandes proporções. E não há como imaginar uma grande desvinculação ou desindexação do Orçamento sem mexer em pelo menos alguns desses itens.
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“O Orçamento brasileiro é muito rígido e, com isso, o governo tem pouca capacidade de gerir o dinheiro, realocá-lo para áreas que estiverem precisando, fazer superávit primário [poupança para pagar juros da dívida]. Por isso, tentar reduzir a rigidez é correto do ponto de vista conceitual”, diz Fábio Klein, analista da Tendências Consultoria. “Mas é politicamente muito difícil. Porque pode significar perda de poder aquisitivo do salário mínimo e de benefícios assistenciais e previdenciários.”
Para ter sucesso, Guedes terá de inverter a lógica reinante no Congresso, que sempre atuou para reforçar as amarras do Orçamento. Em relatório recém-publicado sobre as perspectivas para o próximo governo, o Ministério da Fazenda apontou entre os “riscos de retrocesso” que pelo menos 20 projetos de lei em análise no Congresso “buscam vincular recursos, engessando ainda mais o Orçamento da União”.
Saúde e educação: despesas eram vinculadas, agora são indexadas
Até pouco tempo atrás, os mais conhecidos destinos de receitas “carimbadas” no Orçamento eram a saúde e a educação, que em 2017 receberam cerca de 10% das despesas primárias (não relacionadas à dívida) do governo federal, sem contar os gastos com pessoal dessas áreas.
Na prática, no entanto, elas deixaram de ser vinculadas (relacionadas a um porcentual da receita) e passaram a ser indexadas (variando conforme a inflação). Isso porque, até o ano passado, a União era obrigada pela Constituição a aplicar pelo menos 15% de sua receita corrente líquida em saúde e 18% da receita líquida de impostos (já descontadas transferências a estados e municípios) em educação. A regra mudou neste ano com o advento do teto de gastos. Mas, ao contrário do conjunto das despesas do governo, que, submetido ao teto, não pode crescer acima da inflação, os valores aplicados nessas duas áreas têm de, no mínimo, acompanhar a inflação.
Para ter a liberdade de gastar menos em saúde e educação, portanto, Paulo Guedes terá de modificar a regra do teto de gastos, que também está na Constituição.
Há despesas bem maiores que essas. Os principais gastos obrigatórios do governo são Previdência e funcionalismo, que, em 2017, responderam por 43,2% e 22,2% das despesas primárias, respectivamente.
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A questão é que não há como deixar de pagar salários, aposentadorias e pensões. Em termos de pessoal, o governo pode deixar de repor os que se aposentam, mas os resultados demoram um pouco mais a aparecer. Também pode deixar de dar aumento para o funcionalismo, o que tem impacto mais rápido mas é delicado do ponto de vista político e pode gerar questionamentos na Justiça – tanto que as recentes tentativas de postergar reajustes naufragaram.
Para limitar ou conter os gastos previdenciários, há que se mudar as regras de concessão ou de cálculo dos benefícios. Ou seja, reformar a Previdência, o que já é um dos principais planos de Guedes. Mas a mudança na lei pode demorar, e mesmo que saia tem efeito inicial relativamente pequeno.
Por que o salário mínimo infla os gastos federais
É por ter pressa que o “superministro” quer fazer as tais desvinculações e desindexações o quanto antes. Aí entra o salário mínimo. Nos últimos anos, ele tem sido corrigido pela inflação (medida pelo INPC) do ano anterior mais o crescimento do PIB de dois anos antes, o que na maior parte das vezes significa algum ganho real na remuneração.
A questão é que o salário mínimo é o piso dos benefícios pagos pela Previdência, do Benefício de Prestação Continuada (BPC, para onde vão pouco mais de 4% das despesas primárias), do seguro-desemprego (3% das despesas primárias) e do abono salarial (1,3%).
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Qualquer aumento do mínimo, portanto, tem forte impacto sobre os cofres públicos. Cada R$ 1 a mais significa um acréscimo de pouco mais de R$ 300 milhões nas despesas, segundo os técnicos do Orçamento. Se confirmado, o reajuste de R$ 48 previsto para 2019 custará perto de R$ 15 bilhões.
O governo Bolsonaro não deu sinais de que planeje desrespeitar a lei que ainda rege os reajustes do mínimo, válida até 2019. O que ele pode fazer é instituir uma nova regra de 2020 em diante. Ou, antes, mudar a legislação para que o salário mínimo deixe de ser o menor valor possível dos benefícios citados acima. É sugestão frequente nas propostas de reforma da Previdência que aparecem a cada pouco, mas obviamente impopular.
Sugestão do governo Temer: turbinar a DRU
O governo dispõe, desde os tempos de Fernando Henrique Cardoso, de uma ferramenta para desengessar os gastos, a DRU. Hoje ela permite o uso livre de 30% de taxas e contribuições sociais (como PIS/Cofins) e de intervenção econômica (como a Cide) que, originalmente, teriam destino certo.
O problema é que a DRU é pouco eficiente, principalmente no que se refere a recursos da Seguridade Social. Num primeiro momento, ela desvincula dezenas de bilhões de reais de contribuições destinadas a essa área (que reúne Previdência, Assistência Social e Saúde); em seguida, no entanto, o Tesouro têm de aportar um volume ainda maior de dinheiro para cobrir o déficit da Seguridade.
Assim, em 2017, a DRU deveria ter desamarrado R$ 119 bilhões em gastos federais. Mas, na prática, em termos líquidos, só desamarrou R$ 15,5 bilhões, ou 13% do previsto. Muito pouco, perto do universo das despesas primárias, que somaram R$ 1,279 trilhão no ano.
No documento que entregou à equipe de transição, o Ministério do Planejamento do governo Temer faz uma sugestão para melhorar esse quadro. Fazer com que a DRU não incida mais sobre os recursos da Seguridade e, por outro lado, ampliar sua incidência sobre as demais fontes de receita, incidindo “sobre todos os recursos vinculados a órgão, fundo ou despesa e destinados à esfera fiscal”. Ela passaria a incluir, entre outras coisas, as receitas com concessões, permissões, compensações financeiras, dividendos da União, operações com ativos e outros.
Nessa nova configuração, que o Planejamento chama de “DRU Geral”, uma desvinculação de 15% seria suficiente para liberar pouco mais de R$ 18 bilhões em gastos, mais do que a atual DRU de 30% consegue efetivamente remanejar. Uma DRU Geral ainda maior, de 25%, por exemplo, deixaria livres cerca de R$ 30 bilhões.
As informações que vêm da equipe de transição é de que Paulo Guedes tomou conhecimento dessa sugestão, e pensa em fazer uma DRU Geral ainda mais potente que a sugerida pelo time do atual governo.
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