Durante a campanha eleitoral, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) ameaçou retirar o Brasil da Organização das Nações Unidas (ONU). Voltou atrás logo depois. Mas deixou sua opinião sobre a entidade internacional: chamou-a de “reunião de comunistas”. Por sua influência direta, o governo Temer acaba de anunciar a desistência do país de ser sede da Conferência do Clima das Nações Unidas em 2019.
Além disso, o futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tem sido um crítico da ONU, do “globalismo”, do “alarmismo climático” e do “marxismo cultural” nas relações internacionais. Mas, paradoxalmente, um dos grupos mais fortes dentro do futuro governo tem ligação estreita com as Nações Unidas: as Forças Armadas.
Pelo menos oito militares escolhidos pelo presidente eleito para cargos importantes do novo governo foram “boinas-azuis” (ou “capacetes-azuis”), apelido dado aos integrantes das missões de paz das Nações Unidas em função da cor dessa parte de seu fardamento. Essas operações são autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU e constituídas por vários países para pacificar, estabilizar e reconstruir nações em conflito.
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Quem são os boinas-azuis de Bolsonaro
No governo Bolsonaro, os “boinas-azuis” são o vice-presidente (general Hamilton Mourão); os futuros ministros da Segurança Institucional (general Augusto Heleno); da Secretaria de Governo (general Carlos Alberto dos Santos Cruz); da Defesa (general Fernando de Azevedo e Silva); das Minas e Energia (almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior); e da Infraestrutura (ex-capitão Tarcísio Gomes de Freitas); o futuro chefe da Secretaria de Comunicação (Secom), o general Floriano Peixoto Vieira Neto; e o novo comandante do Exército (general Edson Leal Pujol).
Especula-se inclusive que a escolha de Bolsonaro por “boinas-azuis” teria relação com outras habilidades exigidas para essas operações além do planejamento militar: capacidade de gestão, de resolução de conflitos e de suporte a ações sociais. As missões de paz, além de buscar promover a segurança do país, desarmando possíveis rebeldes e guerrilheiros, também costumam dar sustentação a ações sociais e de desenvolvimento econômico levadas adiante por vários organismos das Nações Unidas.
Ala militar tem posições mais alinhadas às da ONU do que outros setores do futuro governo
Não é apenas o fato de terem sido boinas azuis que sugere a proximidade da ala militar do futuro governo com algumas posições da ONU contrárias às que vêm sendo defendidas por outros grupos dentro da futura administração Bolsonaro.
Uma dessas posições é a transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém – o que na prática significa reconhecer essa última cidade como a capital israelense. A ONU considera uma violação do direito internacional a declaração unilateral de Israel de que Jerusalém é sua capital “indivisível”. Isso porque, pelo tratado internacional de criação de Israel e da Palestina, Jerusalém Ocidental é considerada a capital do Estado judaico e Jerusalém Oriental, do Estado árabe.
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Sobre esse assunto, o futuro vice-presidente, general Mourão, mostra-se reticente em relação à mudança da representação diplomática brasileira de uma cidade para a outra. Segundo ele, isso poderia atrair o terrorismo jihadista para o Brasil.
O vice de Bolsonaro também disse, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, que não resta dúvida de que existe aquecimento global e que não acredita que isso seja uma “trama marxista” para sufocar as economias ocidentais. Mas, na mesma entrevista ele ponderou: “vamos falar do outro lado da moeda: o ambientalismo é utilizado como instrumento de dominação indireta pelas grandes economias. Quando você coloca amarras no nosso país por meio de um ambientalismo xiita, de ONGs, você tolhe um pouco o potencial que o país tem”.
O que cada boina azul de Bolsonaro fez na ONU
A ligação do general Mourão com a ONU vem da década de 1990. Ele participou da Terceira Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola, que atuou para pacificar o país africano entre 1995 e 1997, após uma guerra civil. Mourão inclusive foi condecorado com a Medalha das Nações Unidas.
Dos oito boinas-azuis do governo Bolsonaro, contudo, o que teve o papel mais importante na ONU foi o general Santos Cruz, futuro ministro da Secretaria de Governo. Quando foi anunciado como integrante do primeiro escalão da gestão de Bolsonaro, Santos Cruz inclusive estava em Bangladesh ministrando um treinamento de oficiais para missões de paz das Nações Unidas.
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A relação de Santos Cruz com a ONU tem mais de uma década. Entre 2007 e 2009, ele foi comandante militar da missão de paz para a estabilização do Haiti, encabeçada pelo Brasil. Esse trabalho levou Santos Cruz a outra missão ainda mais importante, na República Democrática do Congo. O país africano vive uma guerra que, desde 1998, matou cerca de seis milhões de pessoas – o maior número de mortes num conflito bélico desde a II Guerra Mundial.
O general brasileiro comandou as tropas da ONU no Congo entre 2013 e 2015 – período em que, pela primeira vez na história das Nações Unidas, uma missão dessa natureza foi autorizada a perseguir, prender e matar rebeldes (e não apenas proteger os civis).
Mesmo fora do comando militar no Congo, Santos Cruz continuou influente na ONU. Além do treinamento em Bangladesh, em dezembro de 2017 ele assinou o relatório oficial “Melhorando a Segurança das Forças de Paz das Nações Unidas” – no qual apresenta uma série de sugestões para conter o aumento de mortes de integrantes das missões da organização.
Já o general Augusto Heleno – um dos principais conselheiros de Bolsonaro – foi o primeiro comandante militar da missão de paz da ONU no Haiti – que, por sua vez, foi a primeira operação das Nações Unidas chefiada pelo Brasil. Heleno esteve à frente das tropas internacionais entre 2004 e 2005.
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Além de Augusto Heleno e Santos Cruz, também estiveram na Missão de Paz no Haiti, em diferentes ocasiões, o ministro da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva (esteve no país caribenho entre 2004 a 2005); o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas (engenheiro-chefe da missão entre 2005 e 2006); o comandante do Exército Edsol Leal Pujol (comandante no Haiti de 2013 a 2014); e o futuro chefe da Secretaria de Comunicação, Floriano Peixoto Vieira Neto (comandante militar das forças de paz entre 2009 e 2010).
Vieira Neto também integrou diversos grupos de trabalho de reconstrução de países de vários organismos multilaterais internacionais (Usaid, Pnud, Caricom, BID, Banco Mundial). Ele também é membro do Painel Independente de Alto Nível da ONU para Operações de Paz.
Outro militar do primeiro escalão de Bolsonaro que integrou os quadros da ONU é o futuro ministro das Minas e Energia, almirante Bento Costa Lima de Albuquerque Junior. Ele foi observador militar das Nações Unidas na Guerra da Bósnia, na década de 1990. Também teve cargo em outro fórum multilateral internacional: foi diretor-geral da Junta Americana de Defesa da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Moro defende que Brasil cumpra compromisso com a ONU
Futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro é outro integrante do governo Bolsonaro que defendeu que o Brasil cumpra um compromisso assumido com as Nações Unidas. Na sexta-feira (30), Moro cobrou a aprovação pelo Congresso do Projeto de Lei 10.431/2018, que permitiria ao governo brasileiro cumprir resoluções da ONU que determinam o congelamento de bens de organizações consideradas terroristas pela organização internacional.
Segundo o futuro ministro, se o Congresso não aprovar o projeto até fevereiro, o Brasil será suspenso do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi), órgão ligado à ONU que busca prevenir e combater o terrorismo e a lavagem internacional de dinheiro.
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