Apesar das incertezas se a proposta de agenda liberal na economia seria realmente mantida depois das eleições, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, conseguiu carta branca do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), para montar uma equipe à sua imagem e semelhança. Os escolhidos pelo futuro ministro para comandar as estatais e os principais cargos vinculados ao seu ministério são economistas liberais, com experiência no mercado financeiro, capacitados a colocar em prática a pauta de privatizações e de reformas, defendida por Guedes. A grande questão agora é saber se a equipe vai conseguir tirar do papel a prometida guinada liberal.
A coesão do time de Guedes é um passo importante, mas não é garantia de que os projetos se tornarão realidade. Há entraves como o Congresso, a sociedade, o meio empresarial e, até mesmo, o Poder Judiciário. Todos eles já se posicionaram contra pautas liberais no passado recente. E os principais projetos a serem implementados pelo novo governo exigem negociação com os setores empresarial e político, além da própria aprovação no Congresso e, em muitos casos, o aval social.
Exemplos recentes mostram o tamanho do desafio
Dois exemplos recentes desses empecilhos são a reforma da Previdência e a privatização da Eletrobras, propostas durante o governo Temer. As duas pautas foram bastante contestadas por políticos, empresários e pela opinião pública antes mesmo das delações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS, que acusaram o atual presidente, Michel Temer (MDB), de corrupção, enfraquecendo o governo.
Outro exemplo é a judicialização dos processos de venda de estatais e suas subsidiárias. A Eletrobras tentou desde o início de 2016 vender suas seis distribuidoras de energia, mas, até novembro deste ano, só tinha conseguido se desfazer de quatros delas. Duas ficaram emperradas na Justiça, que barrou os certames seguidas vezes e só destravou agora, em dezembro. Ainda assim, há questionamentos sobre os leilões já realizados.
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Situação semelhante vive a Petrobras, que chegou a paralisar seu programa de desinvestimento após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski conceder uma liminar, no meio do ano, proibindo a venda de qualquer estatal e subsidiária sem a prévia aprovação do Congresso. Antes, isso era somente necessário para casos específicos, quase nunca para subsidiárias. A empresa e o governo buscam alternativas para driblar a decisão.
As dificuldades no meio do caminho da equipe econômica
O economista-chefe da Spinelli, André Perfeito, afirma que o novo governo vai ter bastante dificuldade para levar a agenda adiante. “A equipe econômica do Paulo Guedes tem um nível de coesão muito forte entre seus membros. Todos têm a mesma leitura do que precisa ser feito. E esse projeto já foi aceito (pela sociedade, com a eleição de Bolsonaro). Mas implantar uma agenda liberal desse jeito teria uma característica revolucionária no Brasil, pois tende a modificar a relação das empresas e das pessoas com o governo. E isso gera um desconforto.”
Perfeito acredita que uma proposta que deve passar sem problemas pelo Congresso é a da autonomia formal do Banco Central (BC), com mandatos fixos para seus diretores sem coincidir com o do presidente da República, que deixaria o banco bem menos suscetível à ingerência política.
As outras grandes medidas econômicas estudadas, em geral, teriam maior dificuldade, seja no meio político, empresarial e/ou social, avalia o economista.
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Ele cita como exemplo as propostas de mudar o foco do BNDES – reduzir o volume de empréstimos a juros baixos e fazer com que o banco foque mais em auxiliar o processo de privatizações – e a de acabar com os incentivos fiscais dados a determinados segmentos, via subsídios e desonerações. “Imagine a pressão que vamos ter (do setor empresarial) contra as medidas”, afirma Perfeito.
Nos outros casos, o próprio passado releva as dificuldades. A reforma da Previdência, uma das medidas mais aguardadas para começar o ajuste fiscal, enfrenta resistência entre os setores atingidos, além de demandar aprovação de 308 dos 513 deputados.
Outra reforma, a tributária, se vier a atingir a arrecadação dos estados, deve ser rechaçada por governadores. O tema privatização ainda é um tabu, principalmente em se tratando as estatais mais conhecidas, e deve ter oposição no Congresso. E abertura comercial deve ter resistência interna (empresários) e externa (Mercosul).
Mas outras medidas também importantes para melhorar o ambiente de negócio e o controle das contas públicas devem ser mais fáceis de serem implantadas. Seriam elas: redução de ministérios, simplificação tributária, atração de investimento estrangeiro e manutenção do tripé macroeconômico, além da autonomia do BC.
Ainda assim, Perfeito acredita que manter a administração fiscal em dia, com as contas públicas sob controle e um estado enxuto, será uma grande dificuldade devido a todo o aparato público.
O que fazer para tirar do papel a guinada liberal
Mas, apesar de todas as dificuldades, é possível tirar do papel as principais pautas da nova agenda econômica. Para isso, o novo governo vai precisar de uma estratégia: partir para o embate, usando a opinião pública e o capital político de Bolsonaro junto à população para forçar a aprovação das medidas, ou lançar mão do poder negociação e diálogo com o Congresso e com os demais atores envolvidos.
No caso da Previdência, o filho do presidente eleito, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), deu a entender que a primeira opção será escolhida. Ele afirmou durante evento nos Estados Unidos, segundo áudio relevado pelo Estadão, que será preciso explorar a votação maciça que seu pai teve nas eleições e as redes sociais para aprovar a reforma. Durante a campanha, ele já havia dito que um dos erros do governo Temer foi demorar em usar os canais de comunicação para alertar a sociedade sobre a importância da medida. Quando Temer percebeu o erro, analisa Eduardo, a oposição já tinha emplacado um movimento contra.
O cientista político e diretor de Relações Governamentais da Barral M. Jorge Consultoria, Juliano Griebeler, afirma que o modelo de governo prometido por Bolsonaro – o de negociar direto com as bancadas temáticas do Congresso, e não o de coalização, em que se negociava com os caciques dos partidos e oferecia ministérios em troca de apoio – será um desafio.
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“Nova forma de governo pode dar certo, mas tem alguns poréns: a escolha de trabalhar com bancadas faz com que você não tenha uma visão única sobre a proposta do governo. São bancadas temáticas. Imagine quando for votar a Previdência. Nem todos dentro da bancada pensam igual. Ignorar as lideranças partidárias pode não dar o apoio necessário para as reformas serem aprovadas, principalmente as PEC (que mudam a Constituição)”, explica Griebeler.
O cientista político defende que o governo defina bem quem serão os seus interlocutores e que os escolhidos tenham trânsito entre os parlamentares. Ele também cita a importância de trabalhar bem os textos antes de apresentá-los aos parlamentares e a sociedade, respeitando essa ordem. “No governo Dilma (Rousseff), os parlamentares ficavam sabendo dos projetos pelo jornal. Isso é ruim para a negociação”, afirma.
Outro cuidado que Bolsonaro e os demais membros do governo deverão ter para não atrapalhar a agenda econômica é ficar longe de escândalos de corrupção.
Já Perfeito lembra que, no caso da negociação com o meio empresarial, tudo é uma questão de “preço”, ou seja, de manter os “juros em um patamar baixo”. “Mas existe uma dificuldade muito grande que é a economia, que ainda está muito parada.”
Nem 8, nem 80
No final das contas, Marcel Balassiano, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do FGV IBRE, acredita que a guinada liberal não vai ser “nem 8 nem 80”, ou seja, deve ficar no meio termo, com algumas medidas aprovadas.
Só que, até isso acontecer, Perfeito afirma que é possível ter uma situação “cabo de guerra”, em que os envolvidos, principalmente o Congresso e o setor empresarial, vão ficar medindo forças com o governo e a equipe econômica para saber até onde é possível puxar a corda para o seu lado.