A menos de dois meses da posse, a equipe econômica do governo Bolsonaro começa a mostrar a sua cara. Os nomes para os principais cargos do primeiro escalão já foram anunciados e revelam um time formado por economistas liberais, com experiência no setor financeiro, favoráveis à redução do Estado, privatizações e conscientes da urgência do ajuste fiscal. Eles estão sendo escolhidos e anunciados pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, que ganhou carta branca do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), para montar o seu time de confiança. Não à toa, o grupo é reflexo do seu mentor.
Guedes cercou-se de pessoas de seu círculo social, com capacidade para colocar em prática a guinada liberal na economia prometida para o próximo governo. Ele já anunciou os principais nomes que vão comandar o núcleo econômico: Roberto Campos Neto vai para o Banco Central (BC); Joaquim Levy para o BNDES; Roberto Castello Branco para a Petrobras; Pedro Guimarães para a Caixa Econômica Federal (CEF); Rubem de Freitas Novaes para o Banco do Brasil (BB); e Mansueto Almeida continua como secretário do Tesouro Nacional (leia no fim da matéria um perfil completo de cada um deles).
Em comum, todos eles são economistas liberais, em maior ou menor grau, e trabalharam em bancos públicos ou privados. Uma exceção pode ser feita para Mansueto Almeida, que é técnico de carreira do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mas, ainda assim, um defensor da política ortodoxa (controle dos gastos e da inflação), sendo considerado um dos maiores especialistas em contas públicas e defensor da reforma da Previdência.
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Três deles – Castello Branco, Levy e Rubem Novaes – são da mesma escola econômica de Paulo Guedes. Eles fizeram pós graduação em Economia na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, considerada o berço do liberalismo econômico. É a primeira vez que a equipe econômica terá tantos nomes ligados à Escola de Chicago. E um quinto nome pode ser adicionado a esse time: Campos Neto, que, apesar de não ter estudado em Chicago, é neto de Roberto Campos, um dos maiores expoentes do liberalismo econômico no Brasil.
Castello Branco e Pedro Guimarães já trabalharam juntos com Paulo Guedes. O futuro presidente da Petrobras comandou o grupo educacional Ibmec, fundado por Guedes. Já Guimarães trabalhou no BTG Pactual, também fundado por Guedes junto com outros nomes. Os dois são amigos de longa data do futuro ministro. Novaes, futuro presidente do Banco do Brasil, também é amigo de Guedes, desde os tempos que estudaram juntos em Chicago.
Equipe econômica mostra coesão
As nomeações mostram uma coesão na futura condução da matriz econômica do novo governo. Guedes quer que o seu time faça o ajuste fiscal, principalmente com a reforma da Previdência e corte de gastos, e diminua o tamanho do Estado, com privatizações e com as estatais estratégicas ficando somente com as funções essenciais e lucrativas.
Além disso, quer liderar uma abertura econômica e uma reforma tributária. Tudo com o objetivo de ter menos Estado, mais iniciativa privada, contas públicas em ordem e inflação sob controle.
O que os escolhidos vão fazer
Os novos economistas que estarão à frente da Petrobras, Banco do Brasil e Caixa são favoráveis à privatização. Castello Branco chegou a defender a venda total da petroleira em 2016, mas, agora, como presidente anunciado, afirmou que não vai chegar a tanto. Ainda assim, disse ser favorável à venda dos ativos de refino e distribuição da empresa, estratégia já colocada em prática na gestão Pedro Parente-Ivan Monteiro e interrompida somente por questões judiciais.
“A Petrobras desenvolve outras atividades que não são naturais e que não atraem retorno. O melhor exemplo disso é a distribuição de combustíveis. A estatal ainda é dona da BR Distribuidora. A BR é uma cadeia de lojas, no fim das contas. A competência da Petrobras é na exploração e produção de petróleo”, afirmou em entrevista ao Estadão após ser anunciado futuro presidente da Petrobras. Também disse ser totalmente a favor do livre mercado e contra política de controle preços.
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Guimarães e Rubem Novaes devem adotar posição semelhante na Caixa e no Banco do Brasil, respectivamente. Eles devem liderar a venda de áreas consideradas fora do business core do negócio e o enxugamento da estrutura dos bancos. A ideia é torná-los mais rentáveis e adequá-los às novas regras do setor, que exigem mais rigor da saúde financeira das instituições do mercado financeiro.
Já Levy, à frente do BNDES, deve liderar uma mudança na política da empresa, já iniciada no governo Michel Temer, até pela crise fiscal: menos financiamento e mais participação na venda de ativos. Os projetos de privatização, total ou parcial e via venda ou concessão, envolvem o BNDES, responsável por conduzir os processos desde as fases de estudo até a modelagem do certame e, depois, assinatura do contrato.
De Mansueto Almeida será esperada uma continuidade na gestão das contas públicas e na condução das reformas econômicas ao lado de Paulo Guedes, já que a Secretaria do Tesouro é vinculada ao ministério da Fazenda (futuro Economia).
Roberto Campos Neto, no Banco Central, vai dar vida a um projeto que seu falecido avô sempre sonhou: ele vai propor a independência formal do Banco Central, com mandatos de presidente e diretores não coincidentes com o de presidente da República.
Se colocada em prática todas essas expectativas, haverá uma guinada na condução econômica. Os governos petistas recentes ficaram marcados por propostas intervencionistas, normalmente lideradas por economistas desenvolvimentistas e heterodoxos, defensores da participação do estado na economia, no fomento aos investimentos e no estímulo ao consumo e das estatais como empresas com função social e motoras do desenvolvimento socioeconômico.
Guedes com carta branca
Os nomes anunciados também mostram que Paulo Guedes tem carta branca para definir a equipe econômica, como era prometido por Bolsonaro. É o economista quem divulga, através de notas oficiais, os nomes do escolhidos, e não Bolsonaro. Os ministros, por exemplo, são anunciados pelo presidente em suas redes sociais. No caso da área econômica, Bolsonaro só vai indicar formalmente os escolhidos para aprovação no conselho (caso do BB e da Caixa) e para sabatina no Congresso (caso do BC), porque a legislação assim exige.
A terceirização da economia para Guedes aconteceu antes mesmo de Bolsonaro vencer a eleição. O economista foi anunciado para cuidar do plano econômico de Bolsonaro ainda na pré-campanha e logo virou o principal fiador da guinada liberal do futuro governo do capitão da reserva. Em pouco tempo, foi apelidado pelo próprio Bolsonaro de “posto Ipiranga”, uma maneira de o deputado dizer que não entende da área e que as decisões são tomadas por Guedes.
1.º ESCALÃO: Todos os nomes já anunciados para o governo Bolsonaro, incluindo área política
Uma prova disso é a indicação de Levy para o BNDES. Ele foi ministro da Fazenda do segundo governo de Dilma Rousseff (PT). Acabou ficando somente 11 meses no cargo, pois suas ideias ortodoxas iam contra ao que pretendia para a economia a própria presidente Dilma e Nelson Barbosa, na época ministro do Planejamento e que acabou tomando o lugar de Levy quando ele caiu.
Desde que o nome de Levy passou a ser cogitado para o governo Bolsonaro, a escolha foi questionada por essa ligação ao PT. Mas a palavra final foi de Guedes, quem bancou a nomeação. “Ele [Guedes] é que está bancando o nome Joaquim Levy. Ele tem um passado com a Dilma, sim, teve 10 meses, tem um passado com o governo Cabral, mas nada tem contra sua conduta profissional. Assim sendo, eu endosso Paulo Guedes”, afirmou Bolsonaro em declaração à imprensa após a nomeação de Levy para o BNDES.
Mas nem tanto poder assim
A carta branca não significa, porém, que a direção de tudo o que será feito na economia é tirada somente da cabeça de Guedes: o próprio Bolsonaro já admitiu conversar com o Paulo Guedes para flexibilizar algumas pautas que considera difícil de serem aprovadas no Congresso e para levar adiante ideias que defende e não abre mão, como a abertura da “caixa-preta” do BNDES.
Ainda assim, o pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV Marcel Balassiano afirma que Paulo Guedes está com “poderes bastante consistentes nesta fase de transição e, provavelmente, continuará no governo”, o que indica um próximo mandato “bem forte pró-privatização e livre mercado”.
Mas o pesquisador alerta que, apesar dos superpoderes, Guedes é um ministro, e que no seu caminho e de sua equipe econômica estão o Congresso e a sociedade, que podem barrar algumas pautas liberais.
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