Além dos apelidos, os políticos que recebiam recursos da Odebrecht tinham padrinhos dentro da empresa. Marcelo Odebrecht conta em um de seus depoimentos que a solução foi encontrada para evitar conflitos internos sobre atender ou não determinada solicitação, uma vez que o político podia ter atendido algum negócio da empresa e atrapalhado outro. O ex-presidente do grupo afirmou que as relações desses padrinhos eram baseados em um tripé: institucional, relação pessoal e dinheiro. Marcelo conta que se surpreendeu porque em alguns casos, como o do ex-diretor Cláudio Melo Filho, as relações eram apenas financeiras e não pessoais, como alardeavam os executivos.
A definição dos padrinhos era feita pelo presidente do grupo, cargo que Marcelo ocupou de 2008 até junho de 2015, quando foi preso pela Lava-Jato. Ele explicou aos investigadores que essa sistemática foi criada porque às vezes as áreas de negócios tinham interesses diferentes em determinadas regiões e sobre os político e, por isso, era preciso ter um acerto antes da decisão do pagamento. Segundo ele, até 300 pessoas tinham condição de tratar de doações, por isso era preciso haver essa figura do padrinho. “Não é que pagasse tudo, mas não se teria acerto sem passar pelo blessing (benção em inglês) do padrinho”, afirmou.
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Nesse depoimento, Marcelo cita poucos exemplos de padrinhos, mas revela que no caso de pagamentos para o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) e até para adversários dele a movimentação só era autorizada após passar por Benedicto Júnior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura. “No Rio, por exemplo, a relação, principalmente com o governo Sérgio Cabral, era com o Júnior. Então, ninguém faria uma doação a Sérgio Cabral ou aos candidatos contra o Sérgio Cabral sem alinhar com o Júnior”, disse Marcelo.
Segundo o ex-presidente da Odebrecht, o ex-diretor Airton Reis era padrinho do senador Edison Lobão (PMDB-MA), enquanto que os repasses para o ex-ministro Jaques Wagner (PT-BA), a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), o ex-senador Gim Argello (PTB-DF), passavam por Cláudio Mello Filho, ex-diretor de Relações Institucionais. No caso do ex-ministro Geddel Vieira Lima, Cláudio era quem apadrinhava a maior parte das demandas, mas Geddel tinha interlocução direta também com Emílio Odebrecht e poderia recorrer diretamente a ele.
Marcelo fez questão de pedir para complementar o depoimento para relatar que muitas vezes os executivos afirmavam possuir uma relação pessoal com os políticos para se valorizar dentro das empresas. Ele afirma que as delações vão mostrar que em muitos casos vai se mostrar que a relação não era pessoal, mas apenas financeira. Marcelo cita exatamente ocaso de Cláudio Melo Filho. Quando prestou o depoimento, em 12 de dezembro, os anexos apresentados por este ex-diretor tinham vazado e Marcelo disse ter ficado surpreso com algumas informações.
“Quando começar a ver os relatos de todos os colaboradores, eu e vários outros líderes vamos ver que esse cara vendia uma relação, mas que na verdade era movida a dinheiro, ou mais movida a dinheiro do que ele dizia que tinha. E tem esse caso. Eu, pessoalmente, fiquei surpreso. Não tive acesso a colaboração de outros. Meus advogados tiveram acesso aos acordos de leniência, mas não tem pessoal. Eu tive surpresa com essa colaboração que saiu do Cláudio. Em alguns casos ele vendia uma relação pessoal que se mostrou diferente do que acabou sendo”, afirmou Marcelo.
O ex-presidente da Odebrecht afirmou aos investigadores que houve pagamentos por meio de doação oficial que eram decorrente de propina, enquanto que também havia repasses via caixa dois que não tinham ilegalidade na origem.
“Caixa dois é aquele círculo vicioso que se criou. A ilicitude eleitoral está no caixa dois, mas a ilicitude da origem não necessariamente está no caixa dois. Caixa dois acabou ficando uma conta em que os candidatos não queriam se expor, outro não queria que expunha tanto, o candidato às vezes pedia. Apesar de ilicitude eleitoral, podia ter caixa um que era decorrente de propina e caixa dois que não era decorrente de propina”, afirmou Marcelo.
Ele conta que no cargo de comando da companhia cuidava apenas das campanhas presidenciais. Mas acabava por acompanhar também as doações oficiais para que elas ficassem dentro de limite estabelecido e com repasses equilibrados entre as principais legendas. De acordo com ele, 3/4 do que era pago por caixa um ficava com PT, PSDB e PMDB. Para fazer a diferenciação entre quem ajudava mais a empresa usava-se o caixa dois.
Marcelo relata que havia uma preocupação da empresa para que a contabilidade oficial não fosse contaminada pelas operações paralelas. Por isso, evitava-se fazer pagamentos diretos pela empresa. Ele disse que ficou “chateado” quando descobriu no início da Lava-Jato a celebração de dois contratos com uma empresa de fachada ligada ao esquema.
“Se fosse algo ilícito, você fazia por caixa dois, não misturava com a contabilidade oficial. Se você vai pagar uma coisa que não tem respaldo, que é fictício, você não faz na contabilidade oficial. Tanto é assim, que quando começou processo da Lava-jato e começamos as investigações internas, eu fiquei bem chateado porque a gente descobriu dois pagamentos que tinham passado, que eram dois únicos pagamentos da área industrial que foram para aquelas empresas de fachada. Não era para ter, porque se era para ter algum tipo de pagamento, independente de qual é, não podia ter ali”, afirmou Marcelo.
Outra forma de pagamento era por meio de acertos para que outras empresas fizessem doações. O caso mais conhecido é do grupo Petrópolis, dono da Cervejaria Itaipava. Marcelo estimou em “dezenas de milhões” os repasses feitos dessa forma e desconhecer como era feita a compensação posteriormente.
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