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| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Desde fevereiro, a agenda do relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) não bate com a agenda de dom Marcony, bispo auxiliar da Arquidiocese de Brasília. “Agora que ele mudou de gabinete, pediu novamente para eu benzer o local”, diz o sacerdote. “Às vezes, ele liga dizendo que pode dia tal, mas eu não posso porque nem sempre estou em Brasília. Tem vezes que eu ligo dizendo que posso, mas ele que não pode”.

Como todo fiel que busca a bênção do carro, da casa, o ministro Edson Fachin pediu uma oração própria para escritórios. Foi assim no início de 2015, quando o bispo concedeu uma benção no gabinete de Fachin, que havia acabado de virar ministro do STF. Ele voltou a fazer o mesmo pedido porque passou a ocupar a sala do ministro Teori Zavaski, ex-relator do caso, que morreu em um acidente de avião.

“Não podemos misturar as coisas, da primeira vez não tinha nenhuma questão de Lava Jato e ele pediu como um católico, que crê, e quer a benção de Deus no ambiente de trabalho, onde ele está todo dia com seu pessoal”, diz dom Marcony, que conheceu Fachin nas missas da Catedral de Brasília.

A Gazeta do Povo conversou com vários juristas com quem Fachin tem contato. E o que mais chamou atenção foi o título de “Papa Francisco do Direito”, sobre alguém cordial em meio a muitas polêmicas.

A pessoa certa, no lugar certo

Quando foi indicado ao STF, um vídeo em que defendia a ex-presidente Dilma Rousseff viralizou. Hoje, criticado tanto pela direita quanto pela esquerda, Fachin é considerado no meio jurídico como a pessoa certa, no lugar certo. “É um jurista extremamente qualificado e tem dado mostras de atuação independente como magistrado. Tem honrado, com luz própria, o legado de seriedade e independência do ministro Teori Zavaski”. O elogio vem de Curitiba, escrito com exclusividade para a Gazeta, pelo juiz federal Sergio Moro. Os dois têm em comum a Universidade Federal do Paraná — Fachin atuou como professor do curso de Direito e Moro ainda dá aulas, mas está licenciado.

Nas últimas semanas, Fachin tem dado mostras marcantes dessa independência. Aceitou — sem consultar o plenário — abrir inquérito contra o presidente da República, Michel Temer, afastou o senador tucano Aécio Neves do mandato e encaminhou as investigações contra Dilma e Lula para Sergio Moro, porque os dois petistas não têm mais foro privilegiado.

“O Fachin academicamente sempre foi conhecido como um jurista independente. Talvez por isso eu me identifique com ele no plano da autonomia intelectual e da independência pessoal, sem amarras políticas”, diz o jurista Fábio Medina Osório, que pediu demissão do cargo de ministro da Advocacia Geral da União por não concordar com a conduta do governo Temer justamente diante da Lava Jato. “Ele não mudou depois de virar ministro da Lava Jato. É um estudioso e, sobretudo, um ser humano fantástico. Um humanista”, diz Antônio César Bochenek, ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil e presidente do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário.

Quando completou 30 anos de magistério superior, Fachin passou uma temporada sabática em Londres, como professor da King’s College. Na Espanha, lecionou na Universidad Pablo de Olavide. “Há décadas, nos acompanhamos na vida acadêmica. É uma pessoa com grandes valores éticos, tem atuado com serenidade, rigor, lucidez e discrição”, elogia Flávia Piovezzan, secretária nacional de Direitos Humanos.

Sempre cotado para o STF

Amigo de trabalho, o ministro Marco Aurélio Mello conheceu Fachin ainda como advogado há alguns anos. Ele foi até a Suprema Corte falar sobre uma causa envolvendo a Usina Hidrelétrica de Itaipu. “Eu tive na primeira hora a melhor impressão”, diz o ministro, que meses depois recebeu uma carta de recomendação do nome de Edson Fachin para uma vaga aberta no tribunal. A carta era assinada por Renee Ariel Dotti, um dos maiores criminalistas do país, que hoje representa a Petrobras na Lava Jato, mas, naquela ocasião, Fachin não virou ministro.

“A primeira vez que surgiu o nome dele, ainda era governo Lula”, diz Marco Aurélio. “Hoje é um grande amigo. Eu só lamento ter migrado da primeira para a segunda turma (foi necessário depois que ele virou relator da Lava Jato). Sou um espectador quanto à atuação dele e estou na primeira fila para aplaudi-lo. Conversamos muito sobre futebol porque ele torce para o Coritiba e eu, para o Flamengo. Ele acompanha as partidas, tece considerações sobre o desempenho do time. Até quando o time perde, ele se mostra um tanto triste com a perda mas sempre admitindo que, no futebol, se ganha e se perde”, diz Marco Aurélio sobre um lado que poucas pessoas conhecem do ministro Fachin.

Vigilância constante

A rotina de relator da Lava Jato impede Fachin de seguir com hábitos considerados simples para um ministro da Suprema Corte. Ele tem viajado menos de avião para visitar a família, já não pode mais esperar o voo na fila de embarque no saguão, apenas na sala VIP do aeroporto, tem que ser um dos primeiros passageiros a entrar no avião e deixou de almoçar com os funcionários no bandejão do tribunal. Não por vontade própria, mas porque agora é um dos ministros mais vigiados do país. Tem equipe de segurança tanto em Brasília quanto no Paraná, onde vive sua família, e construiu uma carreira sólida como jurista e acadêmico na área de Direito Civil.

Até há pouco tempo, o restaurante de funcionários do Supremo Tribunal Federal era uma extensão do gabinete de Edson Fachin. Ele ia com assessores e juízes auxiliares almoçar no bandejão. Já deixou de almoçar com outros ministros em ambientes mais requintados para comer no restaurante dos funcionários. Existe quem diga que a qualidade da comida até melhorou depois que o ministro virou consumidor assíduo de lá. No cardápio: carne, frango, salada e suco — tinha que ter suco sempre.

“Quem bebe da fonte que jorra na encosta, não sabe do rio que a montanha guarda”. A frase da poetisa paranaense, Helena Kolody, é uma das que o ministro Edson Fachin mais gosta. Reflete que, apesar da mudança em sua vida, nada disso quebrou a personalidade afável e centrada do ministro, que gosta de literatura, palpita sobre futebol e é conhecido pela maneira erudita, formal com que se expressa a cada voto. São dele algumas das manifestações mais complexas durante os julgamentos.

Antes de virar relator da Lava Jato, o ministro sempre tinha tempo de ler dois ou três livros ao mesmo tempo. Ele, inclusive, já escreveu mais de 15 obras. Mas, desde que assumiu um papel de destaque nesse momento conturbado do Brasil, o tempo corre mais rápido para Fachin. A maior parte acaba dominada pela investigação, ainda que o ministro continue a relatar outros casos. Quando o trabalho se intensifica, Edson Fachin sai de casa e despacha de seu gabinete em Brasília até aos sábados.

“Gaúcho-paranaense”

Fachin nasceu em Rondinha, no interior do Rio Grande do Sul, mas a família se mudou para Toledo, no Paraná, quando ele tinha 2 anos. Veio de uma casa humilde, filho único de uma professora e um agricultor. Foi morar na capital, Curitiba, apenas aos 17 anos para estudar. Hoje tem 59 anos. É mestre e doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

No momento, o livro de cabeceira fala sobre a importância da família. “Arroz de Palma”, de Francisco Azevedo, argumenta que a receita de família não se copia, se inventa. “A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia”, diz Azevedo.

Se Fachin já não viaja tanto ao Paraná, quem vem mais a Brasília é a esposa dele, Rosana Amara Girardi Fachin, desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná, amiga de faculdade, com quem o ministro tem duas filhas e dois netos. Camila é mãe de Bernardo, de 6 anos, e médica pediatra. Melina teve Flor, hoje com 3 anos, e herdou o legado do pai como advogada. “Ele é apaixonadésimo pela esposa”, brinca um conterrâneo muito observador e que prefere não revelar o nome.

Fachin se casou com Rosana antes da formatura, há 38 anos, e mantém um olhar apaixonado. Ela o acompanhou em Brasília no Senado quando o ministro, que nunca tinha sido magistrado, queria ver a indicação confirmada para o tribunal. Hoje, a esposa continua ao seu lado na capital federal — seja numa palestra em universidade ou em jantares da magistratura.

Fachin não tem muito tempo de ver televisão. Além de ler muito jornal, o ministro se informa pelas ondas do rádio sempre ligado no carro. Conhece os repórteres pelo nome. Inclusive, traço marcante de sua personalidade, ele gosta de chamar todos pelo nome e olhar bem nos olhos.

Um homem obstinado

Em janeiro de 2016, num discurso na OAB do Paraná, o ministro aconselhou os advogados que atuem com prudência e firmeza. A Lava Jato já existia, mas Edson Fachin ainda não era o relator. “Ele foi um advogado e hoje é ministro do STF. Ele sabe como separar isso muito bem”, observa o presidente da OAB Paraná, José Augusto Noronha, com quem Fachin topou o desafio de completar a Maratona de Nova York, em 1999, quando tinha cerca de 40 anos. “Isso mostra o tamanho da força e determinação que tem esse homem. Foi um momento ímpar. Tudo que ele se dispõe a fazer tem começo, meio e fim”.

Quando o ministro Teori morreu, Fachin estava na Alemanha fazendo um curso de férias. Voltou para o Brasil, onde acompanhou o sepultamento e a missa de sétimo dia do amigo. Dentre os 11 ministros da Corte, é o magistrado com o perfil mais próximo do ex-relator da Lava Jato: reservado, rigoroso e da geração mais moderna do tribunal. Mas, apesar das várias coincidências, e até da vontade declarada dos outros ministros para que ele fosse mesmo o relator, a escolha se deu por um sorteio. Ainda que para muitos não tenha significado sorte.

Quis o destino que o novo relator da Lava Jato, o maior escândalo da política, fosse o ministro que ocupou, em 2015, a vaga aberta na aposentadoria de Joaquim Barbosa, relator do mensalão, que estreou a linha de grandes julgamentos da Suprema Corte em que dezenas de pessoas são acusadas num mesmo caso de corrupção na política e no meio empresarial.

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