A previdência dos servidores abocanha uma fatia cada vez maior dos orçamentos estaduais. Sem medidas para limitar os gastos com aposentados e pensionistas, quem pagará a conta serão os funcionários públicos da ativa. A conclusão é de um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Parte da solução passa por mudanças na legislação previdenciária. A reforma da Previdência aprovada em maio por uma comissão especial da Câmara dos Deputados dava prazo de seis meses para os estados atualizarem suas regras ou então se submeterem à lei federal. Mas, com pouco apoio no Congresso, é pouco provável que a reforma avance.
Segundo o trabalho do Ipea, as despesas dos estados com servidores em atividade aumentaram 50% em dez anos, já descontada a inflação, chegando a R$ 202 bilhões em 2016. Mas os gastos com aposentadorias e pensões cresceram ainda mais, cerca de 66%, para R$ 141 bilhões. Com isso, a previdência, que em 2006 consumia 38% de todos os gastos com pessoal, passou a responder por 40,5% da folha no ano passado.
A situação é mais crítica em estados como o Rio de Janeiro e Minas Gerais, onde aposentadorias e pensões já comprometem metade da folha. No Rio Grande do Sul, o recordista, a proporção é de 59%.
Estudos anteriores do próprio Ipea revelaram que o aumento dos gastos dos estados com funcionários da ativa se deveu, fundamentalmente, a aumentos de salário, uma vez que os contingentes de servidores ficaram relativamente constantes nesses dez anos.
As despesas com os inativos tiveram “um motor a mais”, dizem os pesquisadores. Além dos reajustes no valor dos benefícios, elas foram impulsionadas pelo rápido crescimento do número de aposentados, consequência do envelhecimento da população, e pelo grande número de servidores com direito a aposentadoria especial.
Déficit
Um relatório publicado em setembro pela Secretaria de Previdência Social do governo federal revelou que a pior situação entre os regimes próprios de previdência do setor público é a dos estados, que receberam nota média 0,583 numa escala de zero a um. O mau desempenho se deve principalmente ao critério de equilíbrio, que leva em conta endividamento, relação entre ativos e inativos, solvência financeira e outros.
No ano passado, os estados registraram, juntos, um déficit de R$ 84,5 bilhões, 10% maior que o rombo de 2015. Num horizonte de 75 anos, o déficit atuarial da previdência das unidades da federação é de R$ 4,6 trilhões, ou 74% do Produto Interno Bruto (PIB).
O resultado atuarial é a diferença entre as receitas (incluindo bens e direitos) e despesas projetadas para um regime de previdência durante determinado período. Quando há déficit, os cofres públicos precisam cobrir a diferença.
Ajuste
O ajuste já começou. Como a crise econômica derrubou a arrecadação dos estados e eles não têm como controlar o fluxo de novos aposentados e pensionistas, o aperto na folha está sendo feito em cima do pessoal da ativa.
No acumulado de 2015 e 2016, o desembolso das 27 unidades da federação com aposentadorias e pensões aumentou 6%. Para compensar, os estados reduziram em 4% os gastos com servidores em atividade. Assim, a despesa total com a folha ficou praticamente estável nos mesmos dois anos.
O processo não deve parar por aí. Os autores do estudo do Ipea veem as administrações estaduais “no limiar de importantes transformações estruturais”. Para eles, o avanço dos gastos com pessoal visto na última década, muito acima do crescimento da economia e da arrecadação, “é um processo claramente insustentável”.
Os pesquisadores apontam que o crescimento do número de aposentados e pensionistas deve se manter ao longo da próxima década, ao passo que há pouco espaço para aumentar o gasto com os servidores que estão em atividade, porque vários estados beiram ou já ultrapassaram os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
“A resultante mais provável destes dois vetores será alguma combinação de redução nos quadros de servidores e militares estaduais ativos (já estagnados há quase uma década) e/ou nos salários reais desses servidores”, apontam os técnicos do Ipea. E isso deve afetar o serviço público: “Parece sensato supor que as reduções previstas nos números de servidores ativos – notadamente aqueles em áreas finalísticas, como saúde, educação e segurança públicas – possam vir a prejudicar significativamente a capacidade de provisão de bens públicos pelos estados”.
Alternativas
Uma alternativa é adiar a aposentadoria dos servidores públicos, um dos objetivos da reforma da Previdência. A nova legislação proposta pelo governo Temer eleva de 55 para 62 anos a idade mínima de aposentadoria das mulheres que trabalham no serviço público, e de 60 para 65 anos a exigência para os homens. Mas nem a base aliada parece disposta a votar a reforma, ainda mais com a aproximação das eleições de 2018.
Outra opção, segundo o Ipea, é baratear a reposição dos funcionários que se aposentam, o que passa por uma contenção dos salários ou, então, pela contratação de serviços na iniciativa privada.
Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, estudioso da situação financeira dos estados, “não há solução dentro do Orçamento”. Os regimes previdenciários estaduais, segundo ele, têm de receber um tratamento semelhante ao dos fundos de pensão.
“Para fechar a conta, é preciso tirar esses regimes do Orçamento”, afirmou, em entrevista publicada em outubro pela Gazeta do Povo. “Capitalizar os fundos de previdência com ativos disponíveis que sejam viáveis, criar contribuições patronais complementares e cobrar contribuições mais elevadas dos servidores ativos e inativos.”
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