A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, retirou da pauta da corte o julgamento de uma ação que questiona se o Congresso pode instituir o parlamentarismo por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC). O assunto havia sido pautado por ela para ser discutido na sessão plenária do dia 20 de junho. A assessoria de imprensa do STF não informou os motivos para a decisão da ministra.
O sistema de governo presidencialista adotado no Brasil está previsto na Constituição de 1988. Para alterar esse sistema de governo, portanto, seria necessário alterar o texto constitucional. Em vários momentos de crise, a discussão sobre o parlamentarismo ressurge. O sistema, porém, já foi rejeitado duas vezes em consultas à população, em 1963 e em 1993.
Para o cientista político David Fleischer, a discussão acaba ganhando corpo por causa da fraqueza do governo atual, do presidente Michel Temer (PMDB). “O problema é que o presidente Michel Temer está extremamente enfraquecido. Se não fosse um presidente muito fraco isso não ia acontecer”, explica.
O próprio presidente já cogitou levar a proposta do parlamentarismo adiante, e não faz muito tempo. Há menos de um ano, Temer negociava nos bastidores a tramitação de uma PEC para alterar o regime de governo no Brasil. A iniciativa já tinha como pano de fundo a crise política e o desgaste dos grandes partidos e de seus pré-candidatos às eleições de 2018. O ex-ministro e senador José Serra (PSDB) chegou a embarcar na ideia e defender a mudança. Ele chegou a conversar com o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) sobre a instalação de uma comissão especial sobre o tema.
O parlamentarismo difere do presidencialismo na divisão de forças entre os poderes Executivo e Legislativo. No primeiro caso, as ações executivas de governo são exercidas pelo primeiro-ministro, cuja nomeação precisa do aval da maioria parlamentar, e cabe ao presidente da República a representação do Estado, por exemplo, em questões internacionais. No presidencialismo, essas duas atribuições se concentram nas mãos do presidente da República.
Vantagens e desvantagens
Para o professor de direito constitucional da PUC-PR, Flavio Pansieri, o parlamentarismo tem como vantagem permitir uma maior oxigenação dos líderes em momentos de crise. “O parlamentarismo é um modelo em que as crises politicas e institucionais são dissipadas de forma mais rápida. Não se sobrevive em um governo parlamentarista com uma crise institucional mais intensa”, explica.
Para ele, entretanto, o conflito entre grupos ideológicos diferentes não deixa de existir e, assim como no caso do presidencialismo, é necessário formar coalizões para governar. “Tanto quanto no presidencialismo ele também precisa de maiorias parlamentares. Não muda muito a lógica interna porque você vai continuar com coalizões”, afirma Pansieri.
Mudança é necessária?
Para o cientista político Masimo Della Justina, não há necessidade de mudar o sistema de governo para solucionar a crise política no país. “O governante tem que saber agir na época de crise e na época de bonança. Não é quando o governo ou o setor público é testado que a gente vai correndo mudar o sistema”, defende.
Para ele, a discussão sobre a instituição do parlamentarismo já foi superada em 1993, quando houve um plebiscito para ouvir a população sobre o tema. Na ocasião, 55,5% dos eleitores votaram pela manutenção do presidencialismo no Brasil, contra 24,8% que disseram preferir o parlamentarismo. Outros 19,5% votaram branco ou nulo.
Discussão no STF
Nas duas tentativas de implantar o parlamentarismo no Brasil, a população foi ouvida e rejeitou a proposta. O que está em discussão no STF é se o regime de governo pode ser alterado pelo Congresso através de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), sem ouvir a população.
O ministro Alexandre de Moraes é relator do processo. O caso chegou à corte em 1997, por meio do então deputado federal Jaques Wagner (PT-BA). Na época, Wagner questionou o fato de a PEC tramitar na Câmara e destacou que em 1993 o parlamentarismo foi rejeitado em plebiscito pela população brasileira.
Para uma PEC ser promulgada, precisa do aval de três quintos dos deputados e senadores em votação de dois turnos. No entanto, enquanto permanecer a intervenção federal no Rio de Janeiro, o Congresso não pode alterar a Constituição.
Para Pansieri, é possível que a mudança venha através de uma PEC, mas é imprescindível ouvir a população. “Eu acredito que ela pode vir por uma PEC, mas para garantir a legitimidade democrática que me parece adequada, o ideal seria a convocação de um referendo”, defende. “O referendo é uma condição nesse momento. O sistema exige uma discussão muito ampla”, completa.
Não há previsão sobre quando o caso vai voltar à pauta do STF. A pauta de julgamentos é definida pela presidente da Corte, ministra Carmen Lucia.