A Operação Skala, deflagrada na quinta-feira (29) pela Polícia Federal e que tem como alvo pessoas próximas do presidente Michel Temer (PMDB), trouxe para o centro do esquema investigado no Porto de Santos um dos maiores conglomerados privados de operação portuária do Brasil: o Grupo Libra – num indicativo de que o suposto esquema de corrupção pode ser maior do que estava sendo investigado até agora.
Entre os presos desta quinta, está a empresária Celina Torrealba, uma das donas do Libra. Outros dois proprietários do grupo – Gonçalo Terrealba e Rodrigo Terrealba – tiveram a prisão decretada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Roberto Barroso, mas estariam no exterior.
O Grupo Libra é arrendatário de uma área de 100 mil m² no Porto de Santos há mais de 20 anos. Além de Santos, o conglomerado tem operações no Porto do Rio de Janeiro e de Imbituba (SC). O grupo também investe em aeroportos (como o de Cabo Frio, no estado do Rio), logística (armazenagem, movimentação, transporte e distribuição de cargas) , transporte fluvial, produção de azeites, negócios imobiliários, dentre outros.
Fatos anteriores ao mandato de Temer na Presidência
Com o Grupo Libra entre os alvos da operação, a PF dá indícios de que as irregularidades investigadas no terminal portuário de Santos não se referem apenas ao Decreto dos Portos, publicado por Temer no ano passado. Mas também a fatos anteriores à posse do peemedebista na Presidência.
No inquérito do STF sobre o Porto de Santos, a Polícia Federal inicialmente investigava se um decreto publicado por Temer em 2017, que prorrogou o prazo das concessões portuárias, favoreceu indevidamente empresas do setor, como a Rodrimar e o Grupo Libra.
Mas as suspeitas ligadas ao Grupo Libra começaram a aparecer antes disso, em 2016, quando uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelou que uma emenda incluída pelo ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB) na Lei dos Portos, que estabeleceu novas regras para a gestão de terminais portuários no país, possibilitou que o grupo fosse o único beneficiário de uma regra que permitiu a empresas em dívida com a União renovar contratos de concessão de terminais portuários. A Lei dos Portos foi sancionada em 2013 pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Ou seja, antes de Temer assumir a Presidência.
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A Lei dos Portos foi um dos tópicos da colaboração premiada do doleiro Lucio Funaro, apontado como o principal arrecadador de recursos para o grupo do PMDB da Câmara dos Deputados – grupo político do presidente.
“Essa MP [que posteriormente virou lei] foi feita para a reforma do setor portuário e ela ia trazer um grande prejuízo para o Grupo Libra, que é um grupo aliado de Cunha e, por consequência, de Michel Temer, porque é um dos grandes doadores das campanhas de Michel Temer”, disse o doleiro. “O Grupo Libra não ia poder renovar mais as suas concessões portuárias. Por quê? Porque tinha vários débitos fiscais inscritos em dívida ativa. E o que o Eduardo Cunha fez? Pôs dentro dessa MP uma cláusula que empresas que possuíam dívida ativa inscrita poderiam renovar seus contratos no setor portuário desde que ajuizassem arbitragem para discutir este débito tributário”, completou Funaro.
Libra tinha dívida de R$ 850 milhões em valores atualizados
Até 2008, o Grupo Libra tinha uma dívida acumulada de R$ 544 milhões – quase R$ 850 milhões em valores atuais, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Com base na emenda incluída na Lei dos Portos por Eduardo Cunha, a adesão do Grupo Libra à arbitragem foi publicada no Diário Oficial.
Por meio desse ato, o governo extinguia todas as ações na Justiça contra o grupo. No mesmo dia, foi publicada a renovação do contrato por mais 20 anos em condições excepcionais para o Grupo Libra, que teria de pagar um aluguel menor do que o negociado em 1998, quando ganhou a concessão.
Em troca da “manobra” de Cunha na MP dos Portos, o Grupo Libra teria pago propina em forma de doação oficial ao PMDB, segundo Funaro. Os empresários do Grupo Libra foram doadores oficiais para a campanha de 2014 de Temer.
Na prestação de contas da Direção Nacional do PMDB aparecem três doações de integrantes da família Torrealba. Os irmãos Ana Carolina Borges Torrealba Affonso e Rodrigo Borges Torrealba doaram R$ 500 mil cada para o partido de Temer. Já Zuleika Borges Torrealba, matriarca da família, fez uma doação de R$ 1 milhão para o diretório nacional. Além das doações ao PMDB nacional, os irmãos Gonçalo e Celina doaram, cada um, R$ 250 mil ao diretório do PMDB no Rio de Janeiro. As doações também são alvo de investigação no inquérito no STF, segundo informações do jornal O Globo.
A influência de Temer no Porto de Santos
Furaro disse, em seus depoimentos, que Temer “tem grande influência no porto de Santos”. Na delação, o doleiro confirma que Temer teve envolvimento a MP dos Portos, convertida em lei em 2013. Funaro cita o presidente como um dos beneficiários de valores pagos por Gonçalo Torrealba, dono do Grupo Libra, após a aprovação da medida, junto com os ex-presidentes da Câmara, Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves, ambos do PMDB.
Funaro também afirmou aos investigadores que os grandes investidores interessados no Porto de Santos eram o Grupo Santos Brasil e o Grupo Libra. Além disso, segundo a delação, as empresas Eldorado (do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Qesley Batista) e Rodrimar tinham interesse em ter um terminal no porto.
Segundo a delação de Funaro, Temer “tem um histórico de operar no Porto de Santos, tendo influência de indicar o presidente e outros cargos”. Disse, ainda, que Marcelo Azeredo, apontado junto com José Yunes e Wagner Rossi como um dos grandes operadores de Temer, foi indicado pelo presidente ao posto que ocupou em uma empresa ligada ao Porto de Santos. Rossi, antes de assumir o cargo de ministro da Agricultura, indicado por Temer, já havia ocupado cargos em órgãos ligados ao Porto de Santos.
Inquérito arquivado
Antes de deixar o cargo, o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou a pedir a reabertura de um inquérito no STF que investigava se a Rodrimar havia pago, no início da década de 2000, propina a Temer, então deputado federal.
O caso teve início quando Marcelo Azeredo, que presidiu a Companhia das Docas do Estado de São Paulo (Codesp) por indicação de Temer, enfrentou um divórcio litigioso com Erika Santos. A ex-mulher de Azeredo entregou à polícia planilhas nas quais relatava um esquema de corrupção no Porto de Santos. O nome do presidente aparecia nos documentos. O Grupo Libra também aparecia nas planilhas como pagador de propina.
Outro lado
O Grupo Libra divulgou nota para comentar a Operação Skala: “O Grupo Libra informa que já está prestando todos os esclarecimentos à Justiça, e que uma de suas acionistas já depôs à Polícia Federal. Maiores informações serão dadas após integral acesso aos documentos da investigação, o que, até o momento, não foi disponibilizado aos advogados da empresa”.
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