A Polícia Civil do Rio de Janeiro prendeu nesta terça-feira (12) dois suspeitos de participarem do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, dois dias antes de o crime completar um ano, em 14 de março. Ambos são ligados à Polícia Militar.
Às 5 horas, uma equipe reduzida composta de integrantes da Delegacia de Homicídios e do Ministério Público do Rio cumpriu mandados de prisão em endereços dos suspeitos: o policial militar reformado Ronnie Lessa, 48 anos, e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, 46 anos. Ambos negam participação no crime.
Segundo a denúncia, Lessa disparou os tiros que mataram Marielle, e Queiroz dirigiu o carro que interceptou o da vereadora, de onde partiram os disparos.
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O delegado titular da Delegacia de Homicídios do Rio, Giniton Lages, disse em entrevista que as investigações do caso, ocorrido há 363 dias, ainda estão no início. Mas a segunda fase já foi deflagrada, com a expedição de ao menos 34 mandados de busca e apreensão que visam determinar se há mandantes para o crime e qual a motivação exata do assassinato.
As investigações apontam que os homens que atiraram não saltaram do veículo no momento dos disparos. Em momentos da perseguição, segundo o delegado, houve grande distanciamento entre os dois carros, o que indicaria que os suspeitos tinham segurança do local da emboscada.
O homens usaram “toucas ninjas”, que cobrem o rosto e deixam apenas os olhos à mostra, e uma segunda pele para ocultar tatuagens. Nenhuma das três testemunhas da cena conseguiu reconhecer os assassinos, e as imagens das câmeras de tráfego e segurança na cidade – algumas delas apresentadas pela primeira vez nesta terça, sem explicação para a retenção – não forneceram elementos para identificação.
De acordo com a Promotoria, “a empreitada criminosa foi meticulosamente planejada durante os três meses que antecederam o atentado”.
Motivação: diferenças ideológicas
Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público, Marielle foi morta em razão de sua militância em favor dos direitos humanos. Os investigadores identificaram ainda que Lessa, o policial reformado responsável pelos disparos, fez pesquisas sobre a rotina de Marielle e sobre eventos de que ela participaria semanas antes do crime.
Ele também teria pesquisado sobre outras figuras da esquerda, como o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), próximo a Marielle. De acordo com o delegado Lages, a motivação de Lessa foi torpe. “Ele revela diferenças ideológicas de forma violenta”, afirmou.
Ainda não está claro, no entanto, se o crime foi articulado espontaneamente pelo policial militar reformado ou se ele foi pago por um mandante para assassinar Marielle.
Além da prisão, o Ministério Público solicitou suspensão da remuneração e do porte de arma de Lessa. Também foi pedido à Justiça indenização por danos morais das famílias das vítimas e pensão em favor do filho de Anderson até ele completar 24 anos – o menino tem dois anos hoje.
Os dois presos passariam a noite na Delegacia de Homicídios do Rio, para onde foram levados após serem detidos.
Operação Lume
A operação desta terça foi a primeira com a participação do Ministério Público do Rio, por meio do Gaeco, grupo de combate ao crime organizado. Essa unidade investiga principalmente crimes relacionados às milícias no Rio.
A ação foi batizada de Lume, em referência ao Buraco do Lume, praça no centro do Rio em que parlamentares do PSOL costumam se reunir para falar de seus mandatos toda sexta-feira. Marielle tinha um projeto no local chamado Lume Feminista.
“É inconteste que Marielle Francisco da Silva foi sumariamente executada em razão da atuação política na defesa das causas que defendia”, diz a denúncia.
Vizinho de Bolsonaro
Lessa foi preso em sua casa, no condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, onde o presidente Jair Bolsonaro tem casa. Os trechos da denúncia divulgados até a conclusão desta reportagem não mencionam o presidente. O delegado também confirmou que um dos filhos do presidente namorou a filha de Lessa, mas afirmou que o fato não interfere na motivação do delito.
Também foi preso em flagrante Alexandre Motta, amigo de Lessa. Em sua casa, foram achadas peças para 117 fuzis M-16 (faltando apenas o cano) e 500 munições em caixas de papelão. O armamento foi apreendido.
O advogado de Motta, Leonardo da Luz, diz que ele é amigo de infância de Lessa e guardou as caixas sem saber o que tinha dentro. “Foi uma surpresa para ele”, afirmou, acrescentando que não sabe quantas caixas Motta guardou e nem por quanto tempo. A polícia achou ainda R$ 112 mil que seriam de Lessa, sendo R$ 50 mil na casa dele e R$ 62 mil no carro do suspeito.
Tentativa de queima de arquivo?
De acordo com o jornal O Globo, Lessa entrou na lista de suspeitos após ser vítima de uma emboscada, em 28 de abril, 30 dias depois do assassinato da vereadora. A suspeita era que pessoas envolvidas no crime teriam tentado promover uma queima de arquivo; a hipótese, no entanto, foi descartada.
Ronnie Lessa chegou a ser homenageado na Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) com uma moção de louvor apresentada pelo deputado Pedro Fernandes Filho, avô de Pedro Fernandes Neto (PDT), atual secretário estadual de educação.
Em 1998, ao propor a moção, o parlamentar afirmou que o policial era digno da homenagem por “honrar, permanentemente, com suas posturas, atitudes e desempenho profissional, a sua condição humana e de militar discreto mas eficaz”.
O delegado Giniton Lages disse que 47 policiais participam das investigações do caso. Ao menos 230 testemunhas foram ouvidas, 33 linhas telefônicas tiveram o sigilo quebrado e 533 gigabytes de dados foram coletados. O inquérito tem 29 volumes, dos quais 16 continuam sob sigilo. Somados os volumes, o inquérito tem 5.700 páginas.
Execução
Marielle foi morta em 14 de março de 2018 por volta das 21h40, quando voltava de um debate sobre racismo e cultura negra no Brasil. Ao menos dois carros seguiram a vereadora da porta do local do debate, na Lapa, até o bairro do Estácio, também no centro.
Um carro emparelhou com o da vereadora e pelo menos 13 tiros foram disparados. Os tiros – de pistola 9 milímetros – atingiram Marielle na cabeça e Anderson nas costas. Uma assessora que também estava no veículo sobreviveu. A execução ocorreu no primeiro mês da intervenção federal na segurança pública do Rio, decretada pelo então presidente Michel Temer.