O processo de privatização da Eletrobras, maior companhia de energia elétrica da América Latina e uma das maiores estatais nas mãos do governo, deve ficar somente para 2020. O novo governo ainda está discutindo a melhor modelagem para a venda de ações e para o projeto de lei que vai permitir à empresa operar suas hidrelétricas a preço de mercado. A expectativa, porém, era que a privatização ocorresse ainda neste ano, já que a União precisa gerar receita e a própria estatal precisa de dinheiro para recuperar sua capacidade de investimento.
A informação foi divulgada pela secretária-executiva do Ministério de Minas e Energia (MME), Marisete Pereira, ao jornal Folha de S.Paulo, e depois confirmada pela Gazeta do Povo junto ao ministério. O MME é a pasta responsável pela Eletrobras. Segundo o ministério, a capitalização (venda de ações) segue sendo uma das prioridades do governo, mas a modelagem está sendo rediscutida pela nova equipe, assim como o projeto que vai mudar o regime de cotas da hidrelétrica. O objetivo é garantir a segurança jurídica do processo.
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A previsão é enviar ainda neste ano o projeto de lei que vai prever a capitalização da companhia e a saída do regime de cotas. Porém, isso só deve acontecer no meio do ano ou no segundo semestre. Depois, o Congresso ainda vai discutir o tema e, se tudo der certo, aprovar o projeto. Com isso, a venda de ações da companhia, que só pode ocorrer após a aprovação pelo Congresso, deve ficar para 2020. Até lá, a Eletrobras segue sendo uma companhia estatal.
Motivos para o adiamento
O analista da Toro Investimentos Lucas Carvalho afirma que a demora chega a ser natural devido à complexidade do processo, que envolve negociações em várias esferas do governo e, depois, necessita da aprovação do Congresso. Mas Carvalho diz que o sentimento do mercado é de certo pessimismo, pois quanto antes sair a privatização, melhor para a recuperação financeira da empresa.
Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, diz que são dois os principais motivos para o adiamento da privatização para 2020. O primeiro é o impacto que a mudança do regime de cotas para o livre mercado pode trazer na inflação.
“Hoje, nas suas hidrelétricas, a Eletrobras só pode cobrar preço de custo, que é de no máximo R$ 60 por megawatt-hora. Se a mensuração for trocada [do regime de cota] para o de preço de mercado, é possível que esse megawatt-hora possa subir até R$ 200. Isso vai acabar sendo repassado para o consumidor. E a energia tem peso de 3,55% no IPCA [inflação oficial]. O governo tem interesse em aparar essas arestas para diminuir o impacto ao consumidor e na inflação”, explica Arbetman.
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O segundo motivo seria uma ação ainda em julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre empréstimos compulsórios sobre o consumo de energia.
De 1961 a 1993, os consumidores pagavam uma taxa sobre a tarifa de luz para o desenvolvimento do setor elétrico nacional. Depois, a Eletrobras ressarciu os consumidores. Só que os consumidores entraram na Justiça pedindo correção. A Eletrobras alegou, então, que a União precisa pagar metade da correção que a estatal deve aos consumidores (pessoas físicas e jurídicas), porque a estatal foi obrigada pela União a cobrar essa taxa. Ao todo, são R$ 16,6 bilhões em jogo.
“O governo reconhece a importância [da capitalização] para dar liquidez [à Eletrobras], mas está reticente mexer [na estatal] agora por causa do impacto na inflação [que à mudança do regime de cotas para o livre mercado] pode causar e no fato de ele ainda estar esperando saber se as indenizações ficarão só a cargo da Eletrobras ou se vai dividir o custo. Esses dois fatos contribuem para esse atraso [na privatização da companhia]”, diz Arbetman.
Capacidade de investimento
Enquanto todas essas questões não são resolvidas, a capacidade de investimento da Eletrobras segue comprometida. “Mesmo que ela tenha esse monopólio de distribuição de energia, ela não consegue ser saudável o suficiente. O máximo que ela vai conseguir fazer [em 2019, sem a capitalização] é manter seu caixa, com ajuste da conta para o consumidor pagar. Não enxergamos fôlego financeiro para a Eletrobras ser uma empresa saudável que volte a investir neste ano”, diz Rodrigo Franchini, estrategista de produtos da empresa de assessoria de investimentos Monte Bravo.
Ele lembra que nem o governo federal tem capital para aplicar na companhia. “A empresa não vai conseguir crescer na mão do governo. Governo não tem competência nem saldo em caixa para fazer alguma coisa pela Eletrobras”, completa Franchini.
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Arbetman acrescente que o adiamento da capitalização é um baque para a estatal tanto na questão de preço, ou seja, do valor de mercado e das ações da companhia, quanto dos custos operacionais, já que ela vai ter de continuar vendendo energia pelo preço de custo. “O principal revés para a firma é que logo que fosse feita essa capitalização, ela ia poder ter ganhos até 3,5 vezes maiores operando suas hidrelétricas a preço de mercado. Mas isso vai ficar para 2020.”
Como será a ‘venda’ da Eletrobras
Em evento nos Estados Unidos na quinta-feira passada (7), o ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, deu algumas pistas sobre como será a venda de ações da companhia.
Ele afirmou que a Eletrobras será capitalizada em modo semelhante ao feito com a Embraer no passado. A companhia de aviação teve seu capital pulverizado e se tornou uma corporation, ou seja, ela não tem um acionista controlador. Na época, 55% das ações ordinárias (com direito a voto) foram colocadas à venda e a União ficou com uma golden share, ação especial que lhe dava direito a veto sobre questões estratégicas.
Mas o ministro não disse se o processo vai ser exatamente o feito com a Embraer. O que o MME divulga é que está em estudo o governo ter uma golden share da Eletrobras e limitar a 10% das ações para voto em assembleia por acionista.
Mas ainda faltam muitos detalhes sobre a privatização. Uma frase do ministro no evento nos Estados Unidos chegou a causar ruído no mercado. Ela afirmou que a Eletrobras não seria “privatizada”, e sim “capitalizada”. Isso fez com que as ações da companhia despencassem no dia, pois gerou dúvidas em analistas: a União vai ou não vender o controle? Se sim, é possível chamar de privatização. Caso contrário, o governo só iria captar recursos no mercado para a companhia.
Os analistas ouvidos pela reportagem acreditam que a União vai sim deixar o controle da estatal. Mas Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos, explica que a golden share e o limite para 10% das ações ordinárias para os acionistas são duas travas que o governo está estudando para não perder o domínio sobre a companhia.
Ao limitar o número de ações que dão direito a voto, o governo evita que um único acionista se torne o dono da estatal de energia e, ao mesmo tempo, com a golden share, faz com que a União continue tendo papel relevante em decisões estratégicas.
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