As novas regras que o governo propõe para a Previdência Social vão deixar um pouco mais difícil a tarefa de ganhar o teto do INSS – hoje de R$ 5.839,45 – na aposentadoria. Mas mesmo sob as regras atuais conseguir um benefício desse tamanho é quase impossível, até para quem contribuiu a vida toda sobre o valor do teto.
Menos de 0,1% dos aposentados pelo INSS ganham valor equivalente ao teto, segundo cálculo feito pela Gazeta do Povo a partir de dados da Previdência Social disponíveis ao público. Em 2014, último ano em que é possível estimar esse número, no máximo 13.040 pessoas – ou 0,07% de um total de 17,9 milhões de aposentados na época – recebiam valores iguais ou superiores ao teto*.
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A existência de aposentadorias e pensões mais altas que o teto, um aparente contrassenso, se deve a benefícios antigos – que não podem ter seu valor reduzido – ou a determinações judiciais. Em termos absolutos, são poucos casos. Mas chamam atenção. O mais recente Boletim Estatístico da Previdência Social mostra que, em dezembro de 2018, o INSS pagou pouco mais de 4,7 mil benefícios (aposentadorias, pensões e outros) de valor superior a sete salários mínimos da época – isto é, R$ 6.678 ou mais. Desses, 54 benefícios passavam de 30 salários mínimos, ou R$ 28.620.
Duas razões principais impedem a grande maioria dos segurados do INSS de conseguir benefício equivalente ao teto: 1) a aplicação do fator previdenciário, que limita o valor de aposentadorias consideradas precoces; e 2) os reajustes acima da inflação feitos pelo governo no valor desse teto.
1) O fator previdenciário
No INSS, o ponto de partida do cálculo do benefício é a média dos salários de contribuição. Entram na conta os 80% maiores salários desde julho de 1994 e são desconsideradas as remunerações restantes, mais baixas – o que favorece o trabalhador, pois os salários menores, típicos de início da carreira, não influenciam no cálculo.
Para que consiga uma média próxima à do teto, no entanto, o segurado precisa ter contribuído sobre o valor máximo durante todo esse período dos maiores salários. E, para isso, precisa ter recebido remunerações no mínimo iguais ao teto. Algo fora do alcance da grande maioria dos trabalhadores.
Feito o cálculo da média, entra na jogada o fator previdenciário, em vigor desde 1999. Quanto mais jovem for o trabalhador e – portanto – maior a sua expectativa de vida no momento da aposentadoria, maior é o desconto provocado pelo fator.
Pela tabela atual, um homem que tenha contribuído ao INSS por 35 anos – o mínimo exigido na aposentadoria por tempo de contribuição – só consegue fator igual ou superior a 1 (que garante benefício igual à média dos salários ou superior a ela) se tiver 65 anos de idade ou mais. O contribuinte pode ser mais jovem, mas aí precisa de mais tempo de trabalho – 60 de idade e 42 de contribuição, por exemplo.
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O comum, de todo modo, é que os trabalhadores se aposentem tão logo completem o tempo mínimo de contribuição, ou pouco depois, mesmo que isso resulte em um corte no valor do benefício.
Um homem que consegue completar a contribuição mínima aos 55 anos de idade, por exemplo, estará sujeito a um fator 0,682 pela tabela de 2019, o que significa um desconto de 31,8% em relação à média salarial. Para uma mulher com 30 anos de contribuição e 52 de idade, o fator será de 0,613, equivalente a um desconto de 38,7%.
Nos dois exemplos acima, mesmo que os trabalhadores alcançassem média salarial equivalente ao teto atual do INSS, receberiam bem menos – ele teria direito a uma aposentadoria de R$ 3.982,50 e ela, a R$ 3.579,58.
Independentemente do desconto provocado pelo fator, conseguir média salarial equivalente ao teto está fora de questão atualmente, como mostra o tópico abaixo.
2) As mudanças no valor do teto
Quem sonha em receber o teto do INSS na aposentadoria precisa, antes de mais nada, contribuir sobre o teto. Isto é, ter um salário equivalente a esse limite ou superior, pois para quem ganha acima dele o desconto de 11% é feito apenas sobre a faixa salarial correspondente ao teto.
Mas mesmo quem sempre fez a contribuição máxima não consegue, hoje, alcançar uma média salarial equivalente ao teto atual. Isso porque reajustes acima da inflação que o governo promoveu ao longo do tempo afastaram esse teto da média salarial dos trabalhadores mais bem pagos.
Desde o início da década, o limite máximo tem sido corrigido pela inflação medida pelo INPC, de forma a acompanhar a evolução do poder de compra, mas no passado houve reajustes bem superiores. No início de 2004, por exemplo, o valor do teto subiu 34,2%, ante um INPC de 10,4% no ano anterior.
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Do início do Plano Real, em julho de 1994, até janeiro de 2019, o INPC variou 509%. No mesmo período, o teto subiu 902%. Caso o limite tivesse acompanhado rigorosamente a inflação de lá para cá, hoje ele seria de aproximadamente R$ 3,5 mil.
“O teto de contribuição foi elevado muitas vezes com a finalidade de aumentar a arrecadação de benefícios. Para ganhar o teto atual, alguém teria que ter sempre contribuído sobre ele, mas isso é impossível porque antes o teto era menor”, explica o consultor legislativo Pedro Fernando Nery, autor do livro “Reforma da Previdência: Por que o Brasil não pode esperar”, escrito em parceria com Paulo Tafner.
A média dos 80% maiores salários de contribuição de alguém que tenha contribuído pelo teto em todos os meses de junho de 1994 a janeiro de 2019 – já corrigida pelo INPC, conforme prevê a lei – é de pouco mais de R$ 5,3 mil. Um tanto abaixo do teto que entrou em vigor neste ano, de mais de R$ 5,8 mil.
Mesmo sem o desconto do fator previdenciário, portanto, o benefício não chega ao teto atual. Isso vale inclusive para quem se aposenta pela regra 86/96. Ela permite aposentadoria integral – isto é, no valor da média dos 80% maiores salários de contribuição – e sem aplicação do fator a mulheres que atinjam 86 pontos na soma de anos de idade e de contribuição e homens que somem 96 pelo mesmo critério.
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Para ganhar valor equivalente ao teto, o trabalhador que sempre fez a contribuição máxima teria de obter fator previdenciário superior a 1, situação em que o fator eleva o benefício. Ou seja: seria preciso esperar mais para se aposentar. Um homem com 64 anos de idade e 39 de contribuição, por exemplo, está sujeito a um fator de 1,097. No caso dele, uma média salarial ligeiramente superior a R$ 5,3 mil corresponderia a um benefício igual ao do teto estabelecido em 2019.
Essa possibilidade – de conseguir fator previdenciário superior a 1, que levaria a um benefício maior que a média salarial – ficará mais remota caso a reforma da Previdência seja aprovada. As regras de transição propostas pelo governo impedem, na maior parte dos casos, que o trabalhador consiga benefício superior a 100% da média. Terminada a transição, no entanto, esse direito será restabelecido, segundo o governo.
Aposentado por invalidez pode receber acima do teto
Um caso excepcional, explica Nery, é o dos aposentados por invalidez que necessitem de cuidador, que por lei têm direito a um adicional de 25%. Esse adicional é pago na íntegra mesmo que, com ele, o benefício supere o teto.
Essa situação deve se tornar mais frequente porque, em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu estender o adicional de 25% a todos os aposentados que dependam do cuidado de terceiros, mesmo que não recebam o benefício por invalidez.
*Contatados pela Gazeta do Povo, INSS e Secretaria de Previdência Social não informaram a quantidade de aposentados que recebe valor equivalente ao teto ou superior a ele. Os dados disponíveis ao público – nos boletins estatísticos mensais e nos anuários da Previdência – apresentam apenas o número de beneficiários divididos por faixas do piso beneficiário, isto é, o salário mínimo. Com base no cruzamento de dados, foi possível estimar a quantidade de pessoas que recebiam o teto ou mais em 2014. Naquela época o salário mínimo (o piso previdenciário) era de R$ 724. E o teto, de R$ 4.390,24 – cerca de 6,06 pisos previdenciários. Como um total de 13.040 pessoas recebiam seis pisos ou mais (a partir de R$ 4.344), pode-se dizer que esse é o número máximo de pessoas recebendo o teto ou acima dele naquela ocasião.
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