A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski de proibir a privatização de estatais e suas subsidiárias sem que haja autorização prévia do Congresso deve tornar ainda mais difícil a venda de companhias controladas pelo Estado.
O governo Temer, por exemplo, prometeu privatizar diversas empresas estatais até o fim do mandato, entre elas a Eletrobras e a Casa da Moeda. Mas só se desfez de dez companhias em dois anos, sendo apenas duas vendidas (Celg D e NTS). As demais foram incorporadas ou liquidadas. Dificuldades como interesses políticos, tabu em torno do tema, burocracia, insegurança jurídica, apetite dos investidores e os próprios erros do Planalto dificultaram a agenda de privatizações de 2016 para cá – e, agora, mais um elemento foi adicionado para deixar o caminho mais árduo, seja para este ou o próximo governo.
Ministro do STF viu risco de “prejuízos irreparáveis” ao país com a venda de estatais
Na decisão liminar, Lewandowski afirmou que, diariamente, vem sendo noticiadas iniciativas do governo para acelerar as privatizações e que essa tendência de desestatizações pode causar “prejuízos irreparáveis” ao Brasil.
O ministro do STF resolveu, então, determinar que “a venda do controle acionário de empresas públicas, sociedades de economia mista e de suas subsidiárias ou controladas exige autorização prévia do Congresso”. Ele atendeu ação movida pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro, que alegaram inconstitucionalidade em trechos da Lei das Estatais.
A determinação do ministro foi baseada em artigo da Constituição que exige a criação de “lei específica” para formação de estatal. Para Lewandowski, o mesmo princípio deve se aplicado na hora de privatizar uma empresa. A decisão, apesar de ser de caráter provisório e precisar da aprovação do plenário do Supremo para tornar-se definitiva, já está em vigor desde a última semana – alterando o curso dos processos de privatização no Brasil.
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Necessidade de aprovação do Congresso pode dificultar as privatizações
Até então, o governo federal não precisava de autorização do Congresso para vender estatais, salvo casos vedados pela Constituição, pela lei que instituiu o Programa Nacional de Desestatização ou por marco regulatório de setores.
É o caso, por exemplo, da Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Eletrobras. Mas, mesmo nesses casos, era permitida a venda de subsidiárias e empresas controladas pelas estatais sem aprovação do Legislativo. Agora, todos os processos terão de ter aval o Congresso.
O professor de estratégia do Insper Sandro Cabral, especialista em privatizações, afirma que a decisão é republicana, mas vai tornar mais difícil o processo de venda de controle das estatais. Ele também diz que vai aumentar o “custo de negociação” para emplacar uma privatização entre os parlamentares. “Governos terão de investir um pouco mais nos ‘mimos’ para a base aliada.”
O diretor do Observatório das Estatais da FGV, Marcio Holland, destaca o aumento da insegurança jurídica. “[A decisão do Lewandowski] traz uma insegurança muito grande para o processo de privatização. No caso da Eletrobras, você está falando de 37 subsidiárias. Até então, a privatização de subsidiárias não precisava de autorização. Era uma decisão administrativa.”
O processo de privatização de seis subsidiárias da Eletrobras foi o primeiro afetado pela medida. O leilão estava marcado para 26 de julho e foi agendado sem o aval do Congresso, conforme permitia a legislação. Com a decisão de Lewandowski, a Eletrobras propôs aos seus acionistas postergar o prazo de privatização para até 31 de dezembro – à espera de uma mudança no entendimento do Supremo.
A Petrobras também avalia a situação, já que seu programa de desinvestimento (ou seja, venda total ou parcial de suas subsidiárias) pode ser afetado. A expectativa da companhia é que o governo consiga reverter a decisão de Lewandowski.
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Governo Temer já tinha dificuldades para emplacar privatizações
Mas, mesmo antes da decisão do ministro, o governo Temer já encontrava dificuldade para emplacar sua agenda de privatizações. O caso mais emblemático é o da Eletrobras. A ideia inicial do governo era vender a companhia de energia para fazer caixa. Um projeto de lei autorizando a venda foi enviado ao Congresso (no caso da Eletrobras já era necessário o aval legislativo). Mas o governo não teve força política para aprovar o projeto – ainda mais em ano eleitoral – e o caso está parado.
A solução foi vender seis subsidiárias da Eletrobras, processo que até a última quarta-feira (27) não precisava de autorização do Congresso. Só que o governo demorou tanto para executar essa solução que, agora, ela também corre o risco de não sair do papel.
A falta de objetividade do governo Temer é apontada como um dos motivos para muitas das privatizações prometidas não terem saído do papel. “O governo toma a decisão de privatizar sem ter feito um estudo prévio. Depois que ele anuncia a privatização é que vai fazer estudos técnicos e avaliações. Só após isso ele envia esse material para o TCU [Tribunal de Contas da União], que vai descobrir problemas. Então, volta tudo desde o início”, explica Holland.
“Quando o governo [Temer] anunciou a privatização de diversas empresas, houve uma euforia no mercado. Mas, depois, todo mundo viu que era espuma. Não houve estudo e análises. Todo mundo se perguntava: como vai ser a privatização das companhias, por leilão ou licitação? Não havia modelagem operacional definida. Então fica essa fragilidade inclusive para convencimento social”, completa o diretor do Observatório das Estatais da FGV.
Cabral, do Insper, acrescenta que faltou ao governo Temer disposição para impor essa agenda a aliados. “O governo está no modo de sobrevivência. Fica difícil para ele concentrar energia em um programa de privatização, que é um processo naturalmente difícil. Ele precisa gastar energia. Isso significa contrariar aliado, comprar briga.”
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Pressões políticas e burocracia também tornam o processo lento
Além das falhas do próprio governo no processo, pressões políticas atrapalham as privatizações, já que as estatais acabam sendo vistas por muitos políticos como “cabides de emprego”. “Quando você privatiza, você está tirando indicações políticas, uma série de benefícios. A tendência é a resistência [de políticos]”, diz Cabral. Parte dos políticos também se aproveita do fato de o tema ser um tabu, com muita gente associando a desestatização à ideia de desmonte do Estado, para ganhar o apoio popular na luta contra qualquer privatização.
Outra dificuldade do processo, essa válida para qualquer governo, é a burocracia. Em geral, primeiro há o planejamento da privatização – que envolve a aprovação da ideia dentro do próprio governo, análise sobre a situação financeira da empresa, os motivos da desestatização e o arcabouço jurídico envolvido no negócio. Depois de aprovado internamente, vem a estruturação do projeto, normalmente a parte mais demorada. Ou seja, estudos e análises técnicas antes da publicação do edital, definição da modelagem operacional e consultas públicas. Publicado o edital, há rodadas de negociação com potenciais investidores, audiências públicas e análise dos órgãos de controle antes de ser feita a venda.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também mudou recentemente os critérios de acompanhamento das desestatizações. Desde a última semana de junho, o poder público precisa enviar para análise do TCU todas as informações sobre o processo com antecedência mínima de 150 dias da data de publicação do edital. Isso aumentou o prazo para que uma privatização seja concluída.
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E, apesar de contar com muitas fases, são comuns os questionamentos jurídicos durante o processo, seja do TCU, de classes sindicais, órgãos reguladores ou de empresas que querem comprar o ativo.
Há, ainda, a questão do apetite dos investidores. “Por exemplo: agora o mercado de ações está em baixa, com vários IPOs de empresas privadas sendo cancelados. O mesmo vale para as possíveis privatizações. Se o mercado de ações estiver em baixa, tende a ser baixa a demanda pelas empresas a serem privatizadas”, afirma Fabiano Pompermayer, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Um exemplo é o leilão de concessão da Lotex, loteria conhecida pelo jogo da “raspadinha” da Caixa Econômica Federal. O prazo de entrega de envelopes com lances acabou na terça-feira (26) e nenhuma proposta foi apresentada. O leilão estava marcado para acontecer no dia 4 de julho.
Governo federal tem 144 estatais
Atualmente, o governo federal tem 144 estatais, dez a menos do que em 2016. As principais são Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil, BNDES, Caixa e Correios, que possuem, juntas, 97 subsidiárias. As outras companhias são 18 estatais dependentes de recursos da União para funcionar e 29 que não dependem necessariamente de aportes públicos, mas que normalmente recebem investimentos do governo.