Eduardo Cunha foi preso em outubro de 2016, mas nunca saiu do radar da classe política em Brasília. Mesmo detido no Complexo Médico Penal, em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, ele sempre mandou recados claros sobre o quanto sabia. É só lembrar da lista de 41 perguntas que queria fazer ao presidente Michel Temer (PMDB) – e quase metade acabou vetada por Sergio Moro – e também da nota escrita por ele dizendo que o próprio Temer agendou uma reunião com a Odebrecht e participou da decisão sobre a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Essas ameaças veladas somadas à especulação sobre um eventual acordo de delação premiada bombástica e o próprio estilo provocador de Cunha, a quem é atribuída uma fala sobre se tornar o responsável pela queda de dois presidentes do Brasil, explicitam o interesse em mantê-lo calado. E não seria uma exclusividade de Temer, mas foi justamente o presidente que acabou gravado dando aval para comprar o silêncio de Cunha.
A mesada para ‘comprar’ o silêncio de Cunha apareceu em um diálogo entre Joesley Batista, dono da JBS, e Temer, gravado pelo próprio empresário e entregue aos investigadores da Lava Jato. “Tem que manter isso, viu?”, teria dito o presidente ao saber dos repasses ao ex-deputado preso. E foi essa frase curta que desencadeou a maior e mais grave crise enfrentada por Temer em seu mandato tampão.
Por que o silêncio de Cunha é tão valioso?
Cunha é um articulador político habilidoso – quem não lembra das comparações com Frank Underwood, o congressista dos EUA que sai da presidência da Câmara para o salão oval da Casa Branca, em House of Cards, apenas tramando nos bastidores? Ele esteve diretamente no processo de impeachment de Dilma. Comandou parte da resistência na Câmara que gerou ainda mais instabilidade política para a petista e aceitou o pedido da oposição para abertura do processo de impeachment da então presidente.
Da prisão, Cunha agora insinua que discutiu diretamente com Temer sobre a decisão de abrir o processo de impeachment contra Dilma, dois dias antes de fazê-lo. O ex-deputado também afirmou, na mesma nota, que o encontro entre executivos da Odebrecht, ele e Michel Temer em 2010 – em que os delatores dizem ter negociado propina para o PMDB – foi agendado diretamente por Temer.
Ainda menos sutil foram as 41 perguntas feitas por Cunha a Temer, que foi convocado como sua testemunha de defesa no processo da Lava Jato. Os questionamentos viralizaram, mas 21 das perguntas foram vetadas pelo juiz Sergio Moro por serem inapropriadas ou por falta de pertinência com o objeto da ação penal.
Normalidade onde?
Mesmo com as tentativas de achaques e indiretas poderosas, Temer sempre buscava uma saída discreta, minimizando ameaças e garantindo que não estava preocupado. Uma nota lacônica negou o aval ao pagamento pelo silêncio de Cunha. No olho do furacão agora, o presidente tenta dar ares de normalidade, enchendo ainda mais a agenda do dia com encontros com outros parlamentares e agindo como se fosse mais um dia de trabalho no Planalto. Ele ainda diz ser vítima de uma conspiração e garante que não vai renunciar.
Enquanto isso, o dólar disparou e a bolsa despencou, tendo as negociações paralisadas para evitar uma queda ainda mais intensa. As negociações políticas, antes voltadas para a aprovação das impopulares reformas trabalhista e da Previdência, agora se dividem na articulação de pedidos de impeachment, renúncia e até mesmo aqueles que acham que ainda há sustentação possível para o governo Temer. O desenrolar da nova crise, que inclui pedidos de afastamento contra o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), é imprevisível. Até os roteiristas de House of Cards, cuja nova temporada estreia no final de maio, devem estar de olho.
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