A sentença em que o juiz Sergio Moro condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 9 anos e meio de prisão em regime fechado é bem extensa e traz algumas curiosidades. Ao longo das 238 páginas e 962 notas de sua decisão, Moro não só justificou os argumentos que embasaram sua decisão, mas também cutucou a defesa de Lula, falou sobre o papel da imprensa e até fez referência (mesmo sem citar propriamente) à famosa apresentação de power point do procurador de Justiça Deltan Dallagnol, que apontava o ex-presidente Lula como chefe da quadrilha.
Veja seis pontos curiosos da sentença de Sergio Moro:
Imparcialidade do juiz
Antes de começar a elaborar qualquer coisa sobre o processo do tríplex, Sergio Moro usou uma boa parte de sua sentença para versar sobre sua imparcialidade como julgador, o que era questionado pelas defesas de Lula e Paulo Okamoto, ex-presidente do Instituto Lula. “Trata-se de questão já superada”, escreveu Moro antes de citar trechos de decisões proferidas pelo TRF4, que atestam sua imparcialidade enquanto juiz do caso. “Os questionamentos sobre a imparcialidade deste julgador constituem mero diversionismo e, embora sejam compreensíveis como estratégia da Defesa, não deixam de ser lamentáveis já que não encontram qualquer base fática e também não têm base em argumentos minimamente consistentes”, escreveu.
Fora, Lula?
Moro também aproveitou a sentença para afirmar, “em síntese” e “de maneira muito objetiva”, que Lula não está sendo julgado por sua opinião política, muito menos avaliadas as políticas adotadas por ele enquanto presidente. “Também não tem qualquer relevância suas eventuais pretensões futuras de participar de novas eleições ou assumir cargos públicos”, diz Moro. Lula ainda pode recorrer da sentença, mas ele pode ficar inelegível – e de fora da eleição de 2018 – caso a 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF4) confirme a sentença de Moro até agosto do ano que vem, período em que ocorrem os registros de candidaturas. Ainda assim, em sua sentença Moro “interditou” Lula para o exercício de cargos ou funções públicas.
Cutucadas nos advogados
A defesa de Lula foi alvo de diversas cutucadas ao longo da sentença – um reflexo dos embates entre Moro e os advogados do petista que ocorreram em várias audiências. O juiz falou muito sobre a animosidade dos defensores do petista. “Ora, basta ler os diversos depoimentos transcritos de acusados e testemunhas nesta ação penal para constatar que este julgador sempre tratou os defensores com urbanidade, ainda que não tivesse reciprocidade”, escreveu Moro. Na sequência, o juiz listou vários diálogos travados entre as partes com direito a grifos em frases nas quais queria demonstrar que a defesa lhe havia faltado com respeito. Do contexto que “só existe na cabeça de vossa excelência” a uma crítica sobre a cidade de Curitiba, citada como “região agrícola do nosso país” pelos defensores do ex-presidente, Moro organizou uma grande lista de conversas que comprovam sua tese. “O que este julgador fez foi conduzir da melhor forma possível as audiências, a fim de colher a prova, e evitar que os tumultos gerados pelo comportamento inadequado da defesa, incluindo pontuais ofensas, atrapalhasse o bom andamento do processo. Poderia o Juízo ter tomado providências mais enérgicas em relação a esse comportamento processual inadequado, mas optou, para evitar questões paralelas desnecessárias, prosseguir com o feito”.
O papel da imprensa
A ‘guerra jurídica’ entre Moro e a defesa de Lula rendeu citações ao trabalho da imprensa, apontada pelos advogados do ex-presidente como apoiadora da perseguição contra o petista. Para Moro, “é natural” que a imprensa tenha notícias para divulgar sobre um “escândalo criminal com prejuízos de corrupção estimados em cerca de seis bilhões de reais pela própria Petrobras”. O juiz reafirma que não controla nem pretende controlar a imprensa, tampouco tem influência em relação a publicações. “Em ambiente de liberdade de expressão, cabe à imprensa noticiar livremente os fatos. O sucessivo noticiário negativo em relação a determinados políticos, não somente em relação ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, parece, em regra, ser mais o reflexo do cumprimento pela imprensa do seu dever de noticiar os fatos do que alguma espécie de perseguição política a quem quer que seja. Não há qualquer dúvida de que deve-se tirar a política das páginas policiais, mas isso se resolve tirando o crime da política e não a liberdade da imprensa”, escreveu o juiz.
Lula chefe do esquema
Sergio Moro falou em dois momentos sobre Lula ser o líder do esquema de corrupção da Petrobras. No primeiro momento, o juiz defendeu a entrevista coletiva convocada pelo Ministério Público Federal (MPF) em setembro de 2016, quando o procurador Deltal Dallagnol e equipe apresentaram a denúncia contra Lula, afirmando que ele era o “comandante máximo do esquema de corrupção” na Petrobras e usando uma apresentação de power point que ficou muito falada. “Ainda que eventualmente se possa criticar a forma ou linguagem utilizada na referida entrevista coletiva, isso não tem efeito prático para a presente ação penal, pois o que importa são as peças processuais produzidas. Ainda que eventualmente se possa entender que a entrevista não foi, na forma, apropriada, parece distante de caracterizar uma ‘guerra jurídica’ contra o ex-Presidente”, ponderou Moro. Já mais ao fim da sentença, Moro retomou o assunto de Lula como chefe do esquema de corrupção para justificar a condenação que proferiria mais adiante. “De todo modo, não é necessário no momento decidir se o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ou não o artífice principal do esquema criminoso que vitimou a Petrobras. É compreensível, por evidente, que o MPF assim tenha afirmado na denúncia, já que é um argumento destinado ao convencimento do Juízo. Mas, para o julgamento do presente caso, basta verificar se existe prova de sua participação nos crimes de corrupção e lavagem narrados na denúncia”, justificou.
A validade da delação
Os acordos de colaboração premiada foram tratados em vários trechos da sentença – inclusive para criticar um dos advogados de Lula, que foi criticado por “aparentemente” não compreender porque um delator não poderia questionar medida jurídica que beneficia a ele próprio. Moro destacou que nenhum dos acordos foi firmado sob coação dos réus. “A colaboração sempre é voluntária ainda que não espontânea”, disse. O juiz defendeu o instrumento da delação, desconsiderou o argumento de que o colaborador seria um criminoso e por isso seu depoimento não teria validade e ressaltou as provas que corroboraram as delações. “É instrumento de investigação e de prova válido e eficaz, especialmente para crimes complexos, como crimes de colarinho branco ou praticados por grupos criminosos, devendo apenas serem observadas regras para a sua utilização, como a exigência de prova de corroboração. Em outras palavras, crimes não são cometidos no céu e, em muitos casos, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas são igualmente criminosos”, escreveu.
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