No fim de 2010, após uma megacapitalização para custear futuros investimentos, o valor de mercado da Petrobras era de R$ 380 bilhões. Em 2015, quando a companhia assumiu os prejuízos decorrentes de fatos desvendados pela Operação Lava Jato e convivia com uma situação cambial desfavorável, esse valor minguou para R$ 120 bilhões. Acionistas se sentiram prejudicados e recorreram à Justiça.
Por enquanto, apenas quem comprou papéis nos Estados Unidos está sendo indenizado – em um acordo que está sendo questionado nos tribunais brasileiros. Ao mesmo tempo, investidores no Brasil e na Holanda buscam as mesmas condições de ressarcimento, o que causaria um rombo de dezenas de bilhões no caixa da empresa e suscita uma questão: afinal, quem deve ser indenizado pela companhia?
A Petrobras já concordou em pagar cerca de R$ 10 bilhões (US$ 2,95 bilhões) a investidores nos Estados Unidos, em um acordo que foi referendado preliminarmente pela Justiça norte-americana, conforme anúncio feito ao mercado na última quinta-feira (1.º). O acordo tinha sido divulgado no início de janeiro pela petroleira e pelo escritório de advocacia Pomerantz, que representa os investidores. O mérito, porém, ainda será analisado.
Os membros da classe serão notificados oficialmente dos termos e podem apresentar objeções, as quais serão analisadas pelo juiz distrital Jed S. Rakoff. Ele vai realizar uma audiência para determinar se o acordo é justo e razoável em 1.º de junho de 2018 e, então, decidirá sobre sua aprovação definitiva. Com isso, a Petrobras deixa de ser ré em uma espécie de ação popular – class action – e escapa de ser levada a júri, que poderia condená-la a pagar cifras ainda maiores.
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Rakoff é tido como juiz linha-dura, tanto para um lado como para outro. Em audiência realizada em 22 de fevereiro, ele criticou os honorários que os advogados vão receber, segundo o site Law 360, especializado nas decisões judiciais dos Estados Unidos. A banca vai ficar com US$ 285 milhões (cerca de R$ 1 bilhão), o equivalente a 9,5% do valor do acordo.
No começo de fevereiro, ele tomou uma decisão judicial considerada bastante inusitada: determinou que os documentos do acordo sejam abertos ao público, o que desagrada acionistas e Petrobras. Na sentença, ele destaca que o pedido leva em conta que o sigilo já foi concedido pela Corte em outros casos, mas ressalta que isso nunca foi pacificado.
“Há uma certa ironia que os advogados dos demandantes – que fizeram sua reivindicação a partir da premissa de que os arguidos falharam em divulgar informações materiais – busquem manter em sigilo três acordos que são parte da negociação”, afirmou. Segundo o juiz, todos os documentos precisam se submeter ao escrutínio público.
O advogado André de Almeida, que iniciou os trâmites da class action nos Estados Unidos – posteriormente assumida pelo escritório Pomerantz –, afirmou à Gazeta do Povo que discorda da decisão. Segundo ele, as decisões judiciais é que devem ser públicas, e não os termos do acordo. A Petrobras foi questionada a respeito dessa decisão e disse que não iria comentar.
Riscos da divulgação
Essa transparência total implica em alguns riscos. Um artigo assinado por um trio de advogados da banca norte-americana Mintz Levin sustenta que a negativa do pedido de sigilo pode minar o acordo entre Petrobras e investidores. Uma das cláusulas diz que a petroleira pode se retirar da negociação caso mais de 5% dos demandantes não aceitem os termos.
“Manter em segredo a porcentagem de desistentes necessária para ‘explodir’ uma negociação é uma prática padrão, e publicá-la pode encorajar propostas de desistência e ameaçar a estabilidade da negociação”, diz o texto publicado no blog Class Action Recovery for Mutual Funds. Almeida não quis comentar essa possibilidade.
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Para Ivens Henrique Hübert, especialista em direito societário e investimento estrangeiro da Andersen Ballão Advocacia, de fato a situação fica mais delicada. “Basicamente, se 5% ou mais daquelas pessoas caírem fora, o acordo como um todo pode ser invalidado. Ao tornar a informação pública, se dá munição a toda e qualquer pessoa contrária ao acordo”, observa. Ele considera, porém, que isso não deve ser suficiente para prejudicar a negociação, já que os valores envolvidos já tinham sido divulgados. “O que pode causar mais constrangimento para as partes é o valor total, mas todo mundo já sabe disso. Nos Estados Unidos uma cifra dessas não chama muito a atenção”, destaca.
Valores
Pelos termos negociados, a Petrobras pagará os cerca de R$ 10 bilhões em três parcelas, a última delas na data limite de 15 de janeiro de 2019. Esse montante representa o dobro do lucro acumulado nos três primeiros trimestres de 2017 pela Petrobras: R$ 5 bilhões. Também supera o prejuízo estimado pela companhia com os desvios desvendados pela Lava Jato: os balanços divulgados a partir de 2015 consideram perdas de R$ 6,1 bilhões. Desse valor – subestimado segundo muitos analistas –, a empresa conseguiu recuperar até agora R$ 1,4 bilhão a partir das investigações da força-tarefa.
A indenização aos investidores norte-americanos, porém, não leva em conta nenhuma dessas cifras. O que está sendo discutido é a conduta da Petrobras com quem comprou recibos de ações (ADRs) na Bolsa de Nova York. O argumento principal é que a companhia falhou nos comunicados ao mercado, causando prejuízos aos acionistas.
Segundo reportagem do jornal Valor Econômico, uma certificadora contratada pela acusação localizou 85 anúncios feitos pela Petrobras a respeito de desdobramentos da Lava Jato, dos quais 21 teriam provocado efeito estatisticamente significante sobre o preço das ações. A indenização de US$ 2,95 bilhões cobriria de 18,6% a 22,3% os prejuízos de quem comprou os ativos no período entre janeiro de 2010 e julho de 2015, segundo o Valor.
Ao fechar o acordo, a companhia divulgou um comunicado em que diz que “o acordo não constitui reconhecimento de culpa ou de prática de atos irregulares pela Petrobras”. Ela continua se colocando como vítima da corrupção revelada pela Lava Jato. E, em meados de janeiro, o presidente da petroleira, Pedro Parente, reiterou que não há disposição para negociações semelhantes em outros países. “A legislação americana tem dispositivos que levaram a empresa a se ver numa situação em que era melhor para a empresa e seus investidores fazer um acordo. E assim foi feito”, disse, em coletiva.
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Entretanto, acionistas de outros cantos querem sim tratamento igual. A começar pelos brasileiros. O advogado André de Almeida lidera uma ação civil pública protocolada pela Associação dos Investidores Minoritários (Aidmin) em outubro de 2017 no Foro Central de São Paulo, pedindo a indenização nos mesmos moldes do que os pagos aos norte-americanos. O processo, porém, ainda está na fase de citação das partes e a tendência é que demore anos para uma conclusão.
Pelo estatuto da Petrobras, a arbitragem na B3 (antiga Bovespa) seria a via adequada para resolver tais questões, algo que a Aidmin descartou. A associação argumenta que a B3 não tem a idoneidade necessária para pacificar a questão – o presidente do Conselho de Administração é Pedro Parente, que, como presidente da Petrobras, já negou qualquer acordo. Além disso, há jurisprudência que aponta que a previsão de arbitragem não veda o caminho judicial. Por sua vez, grandes acionistas com poder de fogo, como fundos de pensão, estão recorrendo à arbitragem para buscar uma indenização da Petrobras. Mas o processo corre todo em sigilo.
Holanda
Uma outra possibilidade oferecida ao investidor brasileiro é aderir a uma ação coletiva que corre na Holanda. Uma associação criada para buscar compensações, a Stichting Petrobras Compensation Foundation (SPCF), registrou em janeiro de 2017 um pedido de convocação no tribunal distrital de Roterdã, em nome de investidores globais. Em comunicado divulgado no mês passado, após o anúncio do acordo bilionário nos Estados Unidos, a SPCF afirma que o tribunal holandês seria o melhor caminho para os brasileiros e para quem adquiriu papéis em outras bolsas, como a de Madri (Latibex).
“Os investidores da Petrobras que buscam processar reivindicações no Brasil não podem esperar um julgamento adequado e justo, entre outras coisas porque o sistema brasileiro possui muitos conflitos de interesse”, declarou à época o advogado Jurjen Lemstra, sócio do escritório de advocacia Lemstra Van der Korst.
A Gazeta do Povo questionou a banca holandesa sobre os requisitos para ingressar com ação. As orientações, segundo o advogado Martijn van Dam, estão detalhadas no site da International Securities Associations & Foundations (Isaf) e favorecem portadores de dois tipos de ação e de dez títulos emitidos pela Petrobras com vencimento entre 2018 e 2034. Segundo van Dam, a Corte de Apelação de Amsterdã pode declarar acordos abrangendo investidores de todo o mundo, como já ocorreu em julgamentos recentes envolvendo a Shell, por exemplo.
Para o advogado André de Almeida, que representa a Aidmin, essa não seria uma boa alternativa. “Sou cético com relação a esta opção. A Petrobras é uma empresa que tem obrigações no Brasil e em Nova York”, afirmou. Por outro lado, Ivens Hübert avalia que pode haver brechas para processos contra a Petrobras na Holanda, onde a petroleira mantém subsidiárias. “Muitas multinacionais abrem subsidiárias com finalidade de cunho financeiro. Nesse sentido, é possível algum desdobramento por lá, mas é preciso conferir os termos do processo. É possível que as condições para litigar com a Petrobras na Holanda sejam melhores do que no Brasil, já que temos pouco histórico de êxito de acionistas minoritários contra grandes empresas”, diz.
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Sobre as declarações de Parente, de que a Petrobras não tem interesse em fechar outros acordos, van Dam disse que isso é inaceitável. “A fraude cometida pela Petrobras e seus executivos causou o mesmo prejuízo para investidores ao redor do mundo, independentemente de sua localização geográfica. Não há justificativa alguma para compensar apenas os investidores nos EUA ao mesmo tempo em que os demais (que representam a vasta maioria dos danos sofridos) fiquem de mãos vazias”, disse, por e-mail à reportagem.
A Petrobras informou que o processo na Holanda ainda se encontra em fase preliminar. “A Corte sequer decidiu se possui competência para apreciar a demanda. A Petrobras irá se defender vigorosamente”.
“Fundos abutres”
Usando a mesma argumentação que a Petrobras – de que a empresa foi vítima de corrupção – um grupo de senadores da oposição ingressou com uma ação popular na Justiça Federal de Brasília contestando o acordo firmado nos Estados Unidos. A peça, assinada por Roberto Requião (PMDB-PR), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Lindbergh Farias (PT-RJ), entre outros, sustenta que o direito brasileiro não permite um pleito indenizatório de acionista contra companhias. “A Petrobras é vítima da corrupção, jamais autora dela. Uma companhia lesada por seus administradores deverá buscar ressarcimento deles e, com isso, ressarcir indiretamente os seus acionistas”, afirmam na ação popular.
Os senadores dizem que entre os beneficiários prevalecem “os chamados ‘fundos abutres’, especializados em comprar ações de empresas sob crise reputacional e, então, manejar ações de classe” contra as companhias. “Ou seja, entidades parasitárias estrangeiras, que sequer eram acionistas da Petrobras à época dos atos de corrupção (...) irão enriquecer às custas do erário”, afirmam.
Em decisão de 9 de fevereiro, os autos foram remetidos à 15.ª Vara Federal do Rio de Janeiro, onde já corria uma ação popular com o mesmo objetivo, o de cancelar o acordo por ser “lesivo ao patrimônio público, tendo em vista a União ser acionista majoritária da empresa”. O pedido de liminar nesta ação foi negado pela juíza federal substituta Karina de Oliveira e Silva. Ela aguarda manifestação das partes para análise do mérito.
No balanço anual mais recente, de 2016, a companhia constituía provisão de R$ 1,8 bilhão para cobrir perdas possíveis nos processos cíveis em que figurava como ré, incluindo a class action em curso nos Estados Unidos – e que vai exigir um aporte total de quase R$ 10 bilhões. Nesse documento, a empresa também explicou que tinha conhecimento da ação judicial no tribunal de Roterdã, mas que ainda não tinha sido citada para apresentar defesa. A ação popular da Aidmin deve aparecer no próximo balanço, assim como a arbitragem com os grandes acionistas.
Os vários embates envolvendo a Petrobras em decorrência da Lava Jato mostram que as consequências financeiras das ilegalidades cometidas serão enormes, mas que por enquanto estão restritas a grupos específicos. O que não apareceu ainda, em nenhum balanço ou entrevista, é como ressarcir a União – a sociedade brasileira – que é a maior acionista da petroleira.
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