Se aprovação da reforma da Previdência parece ter ficado mais difícil, com o governo reconhecendo a falta de apoio da base e adiando a votação para depois do carnaval, ainda mais remotas são as chances de uma mudança nas regras para os militares. O assunto foi abandonado pelo presidente Michel Temer, que preferiu concentrar esforços – até agora sem sucesso – em mudar a lei para os demais trabalhadores.
Responsável pela reforma que aguarda votação na Câmara dos Deputados, a Secretaria de Previdência Social diz que a nova legislação para as Forças Armadas está sendo preparada pelo Ministério da Defesa. Que, por sua vez, avisa que não há prazo para enviar a proposta ao Congresso.
Quase metade do rombo da Previdência federal vem das Forças Armadas
Hoje há cerca de 300 mil militares inativos e pensionistas das Forças Armadas. É pouca gente, perto do número de beneficiários do INSS (quase 34 milhões) e do total de pensionistas e aposentados civis do serviço público federal (633 mil).
Apesar do pequeno contingente, quase metade do rombo da Previdência dos servidores da União vem das Forças Armadas. O saldo negativo chegou a R$ 34 bilhões no ano passado, ou R$ 113 mil por beneficiário – o maior déficit per capita de todos os regimes administrados pela União. Entre os servidores civis, o déficit por pessoa foi de R$ 68 mil. No INSS, de pouco mais de R$ 4 mil.
Projeto de reforma da Previdência dos militares havia sido prometida para maio
O Planalto discute as novas regras de aposentadoria desde a posse de Temer, em maio de 2016. No início, o objetivo declarado era o de igualar as regras para todos: homens e mulheres, rurais e urbanos, funcionários do setor privado e servidores públicos, civis e militares. Aos poucos, pressionado por diferentes corporações, o governo foi abrindo exceções e desmoralizando o discurso de reforma igualitária. As lacunas desacreditam até a nova retórica da publicidade oficial, que fala em combate a privilégios.
GRÁFICO: Rombo da Previdência dos militares cresce mais rápido
Quando a PEC 287 chegou ao Congresso, há pouco mais de um ano, Temer prometeu enviar em seguida um projeto de lei para atualizar também as regras das Forças Armadas. Não enviou, e não toca no assunto há muito tempo.
Em abril deste ano, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, chegou a anunciar que a proposta seria apresentada no mês seguinte, trazendo ajustes como a definição de uma idade mínima de aposentadoria e a ampliação do tempo de serviço. Nada feito.
Procurado pela Gazeta do Povo, o Ministério da Defesa disse estar “trabalhando intensivamente” na reestruturação das Forças Armadas e da carreira militar. Mas afirmou que o trabalho é complexo e não tem data para terminar.
“A ausência dos militares é a mais sentida, e prejudica fortemente o argumento de que a reforma é para todos. Eles são regidos por um arcabouço legal diferente, mas também deveriam dividir os custos”, diz Luis Eduardo Afonso, professor de Economia da USP.
O ex-secretário de Políticas de Previdência Social Leonardo Rolim, que é consultor de Orçamento na Câmara dos Deputados, acredita que o governo vai encaminhar um projeto, para cumprir o que prometeu. “Mas só depois das eleições”, diz.
Regras próprias: aposentadoria precoce e benefício integral
Hoje os militares passam à inatividade após 30 anos de serviço, com benefício integral, independentemente da idade. Em alguns casos, parte desses 30 anos é fictícia: cada ano trabalhado em postos de fronteira dá direito a quatro meses adicionais na contagem.
A aposentadoria precoce também é favorecida pelos limites de idade para alcançar determinados postos, que mandam para a reserva – compulsoriamente – o militar que não for promovido a tempo. Regras como essas ajudam a explicar por que 55% dos militares que passaram à reserva em 2016 tinham entre 45 e 49 anos, segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU).
Algumas normas ficaram mais rígidas depois de uma reforma promovida no governo FHC, mas as aposentadorias dos militares ainda vão drenar os cofres públicos por décadas. Até 2001, o militar era promovido de posto no momento em que passava para a reserva, o que fazia o valor de seu benefício ser maior que a última remuneração recebida na ativa – uma espécie de aposentadoria integral turbinada.
A famigerada pensão vitalícia para as filhas só vale para quem ingressou na carreira até 2000 e passou a pagar uma contribuição adicional de 1,5%, além da alíquota obrigatória de 7%. Mas benefícios desse tipo ainda serão pagos pelo Tesouro até a segunda metade do século.
O Ministério da Defesa sustenta que as leis são diferentes para os militares porque, ao contrário dos outros trabalhadores, eles não têm direito à greve, à sindicalização e à filiação a partidos políticos. Também não recebem hora extra, adicional noturno ou de periculosidade, o que gera uma economia de R$ 21 bilhões por ano à União, segundo a pasta.
“Não há como comparar os militares com os civis, mas podemos compará-los com os militares de outros países. E as nossas regras são as mais benevolentes”, rebate Rolim, da consultoria de Orçamento da Câmara. “Nos Estados Unidos, por exemplo, o militar pode até parar cedo, mas não ganha aposentadoria integral. Se contribui por 30 anos, tem direito a 60% do soldo”, diz.
Militar se aposenta?
O tema da aposentadoria é tão sensível nas Forças Armadas que elas rejeitam até mesmo esse termo. Alegam que militar não se aposenta, mas sim que passa à reserva, onde pode ser mobilizado a qualquer momento. Uma situação incomum em tempos de paz: entre 2012 e 2016, foram reconvocados, em média, apenas 246 militares da reserva por ano.
A rigor, a aposentadoria militar existe, ainda que com outro nome. Após determinada idade, que varia de 56 anos para praças a 68 anos para oficiais-generais, quem está na reserva é reformado e, aí sim, dispensado definitivamente.
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