O presidente Jair Bolsonaro (PSL) ganhou notoriedade na política nacional pela defesa de temas conservadores no campo dos costumes. Apesar disso, o início da relação entre seu governo e o Congresso Nacional deve ser pautado pelo foco às questões econômicas. O entendimento é o de que a situação fiscal do país demanda essa prioridade, apesar de parlamentares aliados garantirem que não vão descuidar das pautas morais e de costumes.
Uma sinalização de que é preciso começar a botar a casa em ordem a partir dos temas econômicos foi dada pelo líder do PSL na Câmara, deputado Delegado Waldir (GO), que, no dia em que o governo anunciou o decreto para a flexibilização na posse de armas, enfatizou: “queremos que as mudanças no Estatuto do Desarmamento vão à votação, mas as nossas prioridades no momento são as reformas da previdência e a tributária”.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em entrevista à Folha de S. Paulo, também indicou uma atuação neste sentido. Ele declarou que espera da Câmara a “superação” da agenda econômica, para só então passar a discussões no campo dos costumes. Para o democrata, a insistência em projetos como o Escola sem Partido pode dar à base governista um desgaste desnecessário no momento atual.
Mas a principal indicação de que a agenda econômica deverá ser a corrente adotada pelo governo neste primeiro semestre veio da mensagem presidencial enviada pelo Planalto ao Congresso nesta segunda-feira (4).
O texto dedica grande parte de suas 256 páginas ao campo econômico, em especial à reforma da previdência. “Estamos conscientes – nós e todos os formadores de opinião responsáveis –: o grande impulso deste novo ambiente virá com o projeto da Nova Previdência. Estamos concebendo uma proposta moderna e, ao mesmo tempo, fraterna, que conjuga o equilíbrio atuarial, com o amparo a quem mais precisa, separando ‘previdência’ de ‘assistência’, ao tempo em que combate fraudes e privilégios”, diz o texto. Outras reformas apresentadas como fundamentais na mensagem são a da administração pública, a tributária e a microeconômica.
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A mensagem relata ainda a importância de pontos como a realização de privatizações e concessões, a formalização da autonomia do Banco Central e a construção de projetos de grande porte em infraestrutura, tidos como essenciais para o desenvolvimento econômico.
“Nós sabemos que um dos primeiros projetos que devem chegar à Câmara nos próximos dias é a reforma da Previdência. E se não for aprovada a reforma, o Brasil vai quebrar. Nós precisamos, imediatamente, ajeitar essa situação fiscal e econômica. A reforma da Previdência tem um papel importantíssimo nesse contexto”, disse o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR).
Mais previdência
Um esboço produzido pelo governo sobre a reforma da previdência sugere a adoção de um sistema com idade mínima para aposentadoria aos 65 anos, valendo de forma igual para homens e mulheres.
O texto também indica a utilização do modelo de capitalização, que é aquele em que cada trabalhador contribui individualmente para a sua aposentadoria, em vez de depositar em um fundo responsável pelo custeio geral da previdência.
O secretário especial de Previdência Social, Rogério Marinho, confirmou que essas ideias constam em uma das propostas de reforma da Previdência que estão sendo analisadas, mas que o presidente Jair Bolsonaro ainda não bateu o martelo sobre qual texto deverá apresentar.
No Congresso
Para o governo ter sucesso, entretanto, precisa ter um bom alinhamento com o Congresso Nacional – inclusive com os membros do seu próprio partido. Nesta segunda-feira, integrantes do PSL anunciaram o pedido de instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) sobre temas que fogem do campo econômico, como o programa Mais Médicos, a União Nacional dos Estudantes e a Comissão Nacional da Verdade, instalada no governo de Dilma Rousseff com o objetivo de apurar violações de direitos humanos cometidas por agentes públicos durante o regime militar.
O excesso de CPIs foi reconhecido pela deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) como uma tentativa de “dificultar a vida” do PT na Câmara. “Como você está vendo, o PSL vai apresentar as primeiras CPIs, é uma estratégia para deixar o PT de fora e não deixar eles ficarem enchendo a nossa paciência e a paciência do governo nos próximos anos. Serão sete CPIs ao todo”, admitiu a parlamentar.
Há ainda a discussão, não resolvida, sobre a inclusão das carreiras militares na reforma da previdência. Alguns membros das Forças Armadas alegam que têm um regime de trabalho diferenciado e, portanto, não deveriam seguir os critérios de aposentadoria aplicados ao restante da população. Já para outros os militares precisam “dar o exemplo” e colaborar para a redução do rombo nos cofres da previdência nacional. Como Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão, e parte da bancada do PSL é de origem militar, o tópico demandará, também, um acerto interno.
Oposição
Em entrevista à Gazeta do Povo, o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS) declarou que o fato de o governo iniciar seu foco para questões econômicas e não comportamentais – em ambas há choque de visões entre petistas e bolsonaristas – não altera os objetivos iniciais da oposição.
“Nossa intenção é desenvolver uma oposição que combata pautas que consideramos contrárias aos interesses da população, seja em qual esfera for. Por exemplo, no caso da previdência, nós não concordamos com o regime de capitalização, que definimos como ‘a Disneylândia do sistema financeiro’. É claro que se eventualmente o governo apresentar uma proposta que consideremos positiva, nós podemos votar de maneira favorável. Mas é pouco provável, pelo que o governo tem sinalizado, que isso ocorra”, destacou.
Além da oposição à esquerda, o governo terá também que lidar com a força do MDB nas duas casas do Congresso. A derrota de Renan Calheiros (MDB-AL) na corrida para a presidência do Senado pode trazer consequências para a gestão Bolsonaro – principalmente porque um dos principais articuladores para a queda do emedebista foi o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. O ministro também é apontado como um possível ponto de conflito entre governo e Câmara, por não ter uma relação das mais positivas com o presidente da Casa, Rodrigo Maia.
Propostas de Moro “na fila”
Paralelamente à agenda econômica, o tópico que mais deve receber atenção de governo e Congresso – e, portanto, reforçar o esquecimento do campo dos costumes – é o de segurança pública.
O ministro da Justiça, Sergio Moro, apresentou nesta segunda-feira (4) um pacote de medidas legislativas de combate à corrupção, ao crime organizado e ao crime violento. Ele falou, durante coletiva de imprensa para apresentação do projeto, que espera que as medidas tramitem pelo Congresso Nacional “em um prazo razoável”.
Moro diz que pretende contar com o apoio dos parlamentares para aprovação do projeto em um prazo curto, “ou pelo menos em um prazo médio”. Pela manhã, Moro esteve com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para discutir a tramitação. O pacote deve ser enviado ao Legislativo após a recuperação do presidente Jair Bolsonaro, que acaba de passar por uma cirurgia.
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“Claro que esses projetos têm que ser debatidos no Congresso e isso é natural. Vamos buscar que esse projeto do governo federal seja aprovado em um prazo que permita a deliberação, mas que seja um prazo razoável. Não é possível estabelecer estimativas nesse momento”, disse o ministro.
Rodrigo Maia já avisou que a prioridade na Câmara vai ser a reforma da Previdência. A bancada da bala no Congresso sinalizou que vai trabalhar com o ministro pela aprovação das medidas, mas os deputados da bancada vão priorizar um projeto de flexibilização do porte de armas antes de se concentrar no pacote que será enviado por Moro ao Congresso. A bancada também pretende enviar ao plenário apenas projetos sobre os quais haja unanimidade entre os integrantes da frente parlamentar, para evitar divisões.
“Acredito que o Congresso tem condições de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Esse projeto não é um óbice à apreciação da reforma da previdência ou a eventual flexibilização para o porte de armas e vice versa. Têm que ser trabalhadas essas questões que interessam ao país de uma forma concomitante”, disse Moro na coletiva de imprensa.
Não haverá descuido, dizem aliados
Deputados da base aliada do governo Bolsonaro e defensores da agenda de defesa da vida e da família reconhecem a prioridade das reformas econômicas, mas garantem que não vão descuidar das pautas morais e de costumes. Para a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), os temas não são excludentes.
“O tema urgente é aprovar a reforma da previdência, mas isso não significa que não vai ficar em cima da pauta de costumes”, disse à Gazeta do Povo. “Vamos focar a atenção na reforma, mas trabalhar em paralelo com as frentes parlamentares e com os grupos de mulheres, de família e de cristãos”, explica.
Junto da Frente Parlamentar Evangélica, a Frente Parlamentar em Defesa da Vida, presidida pelo deputado Diego Garcia (Pode-PR), é uma das mais atuantes nesses temas. Garcia aproveitou o primeiro dia de protocolo da nova legislatura para protocolar dois requerimentos sobre a temática.
Um requerimento pede a criação de uma sessão solene do Dia Nacional de Valorização da Família e outro, uma indicação ao Poder Executivo solicitando a inclusão de um canal de denúncias de discriminação contra a família no Disque 100, número do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos que recebe notícias de violações de Direitos Humanos. Para o deputado, um exemplo de violação aos direitos da família seria uma mulher ser preterida no emprego por ter filhos.
“É no interior dessa instituição [família], base da sociedade, que o ser humano recebe as primeiras noções de convívio, de respeito ao próximo, de comportamento apropriado à vida em comunidade”, diz o requerimento. “Não admira que, atualmente, tenham se tornado frequentes os exemplos de perda de valores éticos, de degradação causada pela falta de saúde e educação, de consumo desenfreado de álcool e drogas, de violência doméstica, de aumento dos casos de gravidez na adolescência”, prossegue o texto.
Para o deputado, a legislação brasileira deve ter como prioridade apoiar membros da família, e não substituí-los, no cumprimento de suas responsabilidades; fomentar a estabilidade do núcleo familiar; promover a saúde do casal e dos filhos; e respeitar a diversidade das famílias, levando em conta diferenças culturais, étnicas, raciais, religiosas, locais e econômicas. “Precisamos reconhecer a família como protagonista de todas as políticas públicas do Brasil. Esses são temas que defendo desde a última legislatura. Agora, queremos ampliar o diálogo com o Poder Executivo, já que o novo governo fez da família um de seus pilares”, declarou o deputado à Gazeta do Povo.
O deputado também apresentou um Projeto de Lei (PL) que inclui na Lei 8.742/1993, a Lei do Serviço social, um mecanismo de proteção e atendimento à maternidade e à primeira infância. A projeto prevê a “oferta de apoio, orientação, acompanhamento e encaminhamento multidisciplinar à gestante em situação de vulnerabilidade social e à primeira infância”, com o objetivo de “contribuir para o fortalecimento dos vínculos familiares e sociais e para o desenvolvimento de ações e estratégias que permitam a conciliação entre vida familiar, pessoal, profissional e comunitária”.
“A ideia da Frente Parlamentar [em Defesa da Vida e da Família] é começar com força nesses temas. Além desse projeto, meu parecer sobre o Estatuto do Nascituro está pronto e eu vou manter essa posição, que está consolidada na casa. Agora, é trabalhar com a nova composição da Comissão da Mulher para que o projeto seja pautado e votado”, diz Garcia.
Novo enfoque ao Dia Internacional da Mulher
Outra que tem compromisso com a agenda de costumes é a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), a primeira a chegar à fila do protocolo, às 8h da manhã desta terça-feira. Carla promete lutar para conduzir a solenidade do dia internacional da mulher com base em questões de família, na oposição ao aborto e na proteção às mulheres, contrariando o tradicional enfoque à esquerda que a defesa das mulheres tem. A deputada também reconhece que a agenda econômica é uma prioridade, e não uma exclusividade. “Até porque a questão econômica atinge as pessoas, e o desemprego desestabiliza as famílias”, pondera.
Já a deputada Chris Tonietto (PSL-RJ) explica que vai acompanhar os movimentos do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), para garantir o apoio à agenda de reformas, mas não vai descuidar da agenda moral. “Nós vamos precisar observar muito bem no curso do mandato o compromisso do presidente Rodrigo Maia, mas as pautas mais importantes para mim são a defesa da vida e da família”, disse.
A deputada promete ser uma voz forte contra o aborto e no combate à ideologia de gênero, que é um conjunto de teorias que defendem a dissociação entre o sexo biológico e sua manifestação social. O tema ganhou relevância com o PL 7.180/2014, chamado “Escola Sem Partido”, arquivado ao final da legislatura passada depois de semanas de obstrução da oposição na Comissão especial designada para votá-lo. A última versão do projeto pretendia proibir o ensino em sala dos temas “gênero” ou “orientação sexual” e suprimi-las dos livros didáticos.
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