A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou inconstitucional a condução coercitiva de investigados para interrogatório, em julgamento nesta quinta-feira (14), deve resultar em um aumento das prisões temporárias no país. O procedimento da condução à força vinha sendo amplamente utilizado pela força-tarefa da Lava Jato – aumentou mais de 300% desde o início da operação, em 2014 – até ser proibido em dezembro do ano passado, em caráter liminar, pelo ministro Gilmar Mendes.
O efeito prático dessa decisão ficou claro nos quatro primeiros meses deste ano. As prisões temporárias cumpridas pela Polícia Federal cresceram 31,75% no período em relação ao primeiro quadrimestre de 2017, segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo divulgado em maio último.
De janeiro a abril, foram cumpridas 195 prisões temporárias, ante 148 nos primeiros quatro meses de 2017. As superintendências da Polícia Federal em São Paulo, Tocantins e Paraná lideraram as estatísticas de mandados. A unidade da PF em São Paulo respondeu por 20% do total das temporárias cumpridas no período. Já a Operação Curupira, que investiga pesca e venda ilegal de peixes no Tocantins, foi a que mais prendeu temporariamente (21 pessoas).
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Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação e englobam todos os mandados cumpridos no país de 1.º de janeiro de 2013 a 30 de abril de 2018.
Prevista na Lei 7.960 de 1989, a prisão temporária tem prazo de duração de cinco dias, prorrogáveis por mais cinco. Costuma ser utilizada para que os investigadores coletem provas para, depois, pedirem a prisão preventiva do suspeito. Já a condução coercitiva, considerada um dos pilares da Operação Lava Jato, está prevista no Código de Processo Penal, em vigor no país desde 3 de outubro de 1941. O procedimento costuma ser usado para dar efetividade à atuação da PF e do Ministério Público durante operações.
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A discussão sobre a condução coercitiva ganhou força após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Lava Jato, ser levado, em março de 2016, para depor na 24.ª fase da operação. Para a defesa, houve “abuso”, apesar de ter havido autorização da Justiça.
Foi esse caso que motivou o Partido dos Trabalhadores (PT) a entrar com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (depois o Conselho Federal da OAB também fez o mesmo) alegando que a condução forçada para interrogatório afronta a Constituição ao impor restrições à liberdade de ir e vir e atenta contra a presunção de inocência. Foi essa tese que foi recebida pelo STF no julgamento desta quinta-feira.
Com a decisão de Gilmar que proibiu a condução, a Polícia Federal usou, neste ano, a prisão temporária para ouvir o advogado José Yunes e o coronel da reserva da Polícia Militar João Batista Lima Filho, que havia pedido várias vezes o adiamento de seu depoimento. Amigos do presidente Michel Temer, ambos são alvo de inquérito relativo à suspeita de pagamento de propina para edição do Decreto dos Portos. Eles foram liberados antes do quinto dia de prisão, após serem interrogados, e seus advogados consideraram as prisões “ilegais”.
Ao anunciar o resultado do julgamento, a presidente do STF, Cármen Lúcia, afirmou que não serão anulados os interrogatórios que tenham ocorrido mediante condução coercitiva até a data do julgamento concluído nesta quinta. A partir de agora, agentes públicos que descumprirem a decisão sofrerão sanção.