O governo já começa o processo de privatização da Eletrobras no Congresso tendo de fazer uma primeira concessão, ao permitir a criação de um novo órgão ligado ao governo. A proposta do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), que deve ser o relator do projeto na Câmara, vai incluir a criação de uma agência para administrar os recursos da venda de energia das usinas hidrelétricas da Chesf, subsidiária da Eletrobras no Nordeste, após a privatização.
Dentro do governo a proposta tem, neste momento, aval técnico. A criação da agência ajudaria a resolver um dos compromissos propostos pelo Poder Executivo no projeto de lei que permite privatizar a Eletrobras e foi enviado ao Congresso: o “desenvolvimento de programa de revitalização dos recursos hídricos da bacia do Rio São Francisco”, conforme exposto na nota técnica que acompanhou o projeto. Seria uma nova Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), com recursos próprios, que viriam da venda da energia das usinas das Chesf.
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“O São Francisco não pode ser mais visto como um rio da energia. Tem de voltar a ser visto como um rio da integração nacional, do desenvolvimento do Nordeste. Nosso projeto não tem a ver com privatizar, mas como o rio presta um serviço ao desenvolvimento”, afirmou Aleluia.
Além dessa agência, pelo menos mais um novo órgão poderá ser criado no processo de tramitação do projeto de lei sobre a privatização. O deputado afirmou à Gazeta do Povo que ainda irá estudar e abrir debate sobre a situação da subsidiária Furnas, que também passará pelo mesmo processo que a Chesf.
O modelo de criação de um órgão para gerir recursos para o rio São Francisco não está fechado, mas a opção por uma agência tem a vantagem de segregar os recursos da venda de energia. Os valores iriam para o caixa da agência, que ficaria independente do orçamento federal e livres de contingenciamento ou cortes.
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Técnicos do governo já dão como certa a criação Agevasf, apelido provisório da agência com o mesmo papel da Codevasf, que poderia incorporar as atribuições desta última, incluindo alguns projetos da Chesf que não puderem ser abarcados pela iniciativa privada após a privatização, e ainda as atribuições do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).
30 funcionários e gestão pelo Ministério da Integração Nacional
A agência seria “mínima”, avalia o deputado, com no máximo 30 funcionários, sede na região do rio São Francisco, em Salvador (BA) ou em Recife (Pernambuco). A gestão do órgão não seria atribuída ao Ministério de Minas e Energia (MME), mas sim ao Ministério da Integração Nacional.
“Seria uma agência mínima, com limitado número de pessoas, que vai orquestrar o que a Chesf, Codevasf e o Dnocs fazem. Não pode ser vulnerável. Hoje quem ganha o controle (de um desses órgãos) leva tudo. Tem de ser num formato agência de fomento. Dnocs e Codevasf estão morrendo”, afirmou Aleluia. “Não pode ficar com o Ministério de Minas e Energia. É o que menos entende disso”, afirmou.
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Sobre a privatização, o deputado Aleluia afirmou ser favorável, mas reclamou que os ministérios envolvidos no processo estão focando mais no bônus que deve ser pago à União na privatização do que nos projetos para a Eletrobras. No Orçamento, o valor esperado é de R$ 12 bilhões. “Não quero dinheiro à vista (para a agência). Esse caminho do governo é um horror”, disse.
A criação de uma forma de fortalecer a Chesf dentro do processo de privatização da Eletrobras e descotização das usinas hidrelétricas (processo de alteração no marco do setor elétrico para permitir a venda a preço de mercado da energia gerada pelas usinas antigas da Eletrobras) faz parte da estratégia da equipe do ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, que é de Petrolina (Pernambuco).
A escolha de José Carlos Aleluia para relatar o projeto de lei foi uma saída acertada entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o governo. Antes da divulgação do nome de Aleluia como relator, chegou a ser ventilado que o deputado Fábio Garcia (DEM-MT) seria o escolhido para a tarefa. Aleluia, que já foi presidente da Chesf, também é da mesma região do ministro de Minas e Energia e pode incluir em seu projeto demandas que atendam a grupos políticos do Nordeste.
Outra agência em construção: a de Desenvolvimento Energético
O modelo de criação de agências tem repercutido dentro do governo e há outra iniciativa em estudo, ainda em fase embrionária. Com a privatização da Eletrobras, diversos serviços de gestão de políticas públicas energéticas que a estatal presta ao governo terão de ser distribuídas para outros órgãos, entre elas a dos programas de Eficiência Energética, dentro do Procel (conhecido pelos programas de etiquetagem de equipamentos elétricos e eficiência de lâmpadas).
Uma ideia que nasceu em dezembro de 2016 agora volta à pauta, a partir da privatização da Eletrobras: a de criar uma Agência Brasileira de Desenvolvimento Energético (ABDE) para receber parte dos recursos destinados a programas de Eficiência Energética. São valores pagos obrigatoriamente na conta de luz por todos os brasileiros. Somados a outros projetos dentro do governo federal, os recursos podem chegar a cerca de R$ 500 milhões ao ano.
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O secretário Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Eduardo Azevedo, confirma que está em estudo a criação da ABDE para receber esses recursos, incluindo ainda o programa de eficiência energética da Petrobras, o CONPET. O modelo de agência, neste caso, também traria a facilidade de criar um órgão que presta serviços ao governo, mas que tem recursos próprios e fica livre de cortes do Orçamento.
Azevedo argumenta que a administração dos recursos do Procel e do Conpet não poderia ser assumida pelo próprio Ministério de Minas e Energia ou pela estatal que já existe para planejamento do setor, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Segundo o secretário, apenas três servidores cuidam de Desenvolvimento Energético dentro do MME e para acumularem a administração do Procel e Conpet teriam de ser feitas novas contratações. Além disso, argumenta, a EPE não tem capacidade para pensar o desenvolvimento de projetos, tendo foco apenas no planejamento do setor.
“Isso existe antes da privatização. Com a modernização do marco do setor elétrico, pediram para a gente esperar para tocar o projeto, mas foi um grande erro. Hoje temos a EPE para dar suporte ao Ministério nas questões de Planejamento Energético. Mas a área de Desenvolvimento energético no MME tem apenas três pessoas. Não se faz o desenvolvimento energético do país com três pessoas. Além disso, ficando dentro do Ministério se mantém uma estrutura burocrática, amarrada. A ideia era fortalecer a EPE para fazer isso, mas vimos que ela não tem competência para isso”, afirmou à Gazeta do Povo.
A criação da nova agência dependerá de alterações na lei, pelo Congresso. Azevedo afirmou que já teve sinalizações de outros ministérios de que não há óbice sobre a criação da Agência. Segundo ele, o novo órgão ainda poderia abarcar a gestão das ações de Pesquisa e Desenvolvimento executadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A nova agência teria uma estrutura pequena e poderia ser criada com servidores que hoje já trabalham com o Procel e Compet na Eletrobras e Petrobras, segundo Azevedo. No primeiro momento, a ideia é que os trabalhos ocorram nos escritórios do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Azevedo não descarta ter representações regionais da ABDE futuramente. O secretário negou que esteja em estudo colocar a sede do novo órgão em Recife, reduto político do ministro Fernando Coelho Filho, como chegou a ser comentado.
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